Governo libera R$ 1,9 bilhão para deputados em meio a disputa pela Presidência da Câmara
Medida estava em projeto sobre dívidas da ONU. Novo e PSOL dizem que dinheiro 'extra' é para garantir apoio à candidatura de Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara; relator do texto nega.
O governo aproveitou a última sessão de votações do Congresso em 2020 para liberar R$ 1,9 bilhão para indicações de parlamentares.
Congressistas de esquerda e de direita dizem que o objetivo da liberação de dinheiro é conquistar apoios para o candidato do Palácio do Planalto à Presidência da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no começo de fevereiro. O relator da medida, porém, nega.
O dinheiro poderá ser usado em sete ações orçamentárias de quatro ministérios: Agricultura e Pecuária; Desenvolvimento Regional; Educação, e Turismo.
As ações escolhidas permitem que o dinheiro seja aplicado em coisas que parlamentares costumam fazer para agradar seus eleitores: melhorias urbanas, como o calçamento de uma rua; investimentos em escolas públicas; e até a compra de máquinas agrícolas, como tratores.
Embora não se trate de emendas parlamentares formais ao Orçamento, os ministérios costumam receber - e muitas vezes acolher - indicações dos congressistas sobre onde aplicar o dinheiro.
A liberação do dinheiro foi feita por meio da votação de um projeto, o Projeto de Lei do Congresso nº 29 de 2020.
Enviado em setembro, o projeto trazia, de início, remanejamentos de verbas de apenas R$ 48 milhões - nos ministérios da Agricultura, Desenvolvimento Regional, e Turismo.
No dia 15 de dezembro, porém, o Executivo mandou uma "mensagem modificativa" ao Congresso, alterando o projeto e aumentando o valor total para R$ 3,3 bilhões.
De início, o objetivo era quitar parte das dívidas do Brasil com a Organização das Nações Unidas (ONU) e outros organismos internacionais.
No caso da ONU, a dívida acumulada do Brasil com o orçamento regular da entidade tinha chegado a US$ 391 milhões, o equivalente a cerca de R$ 1,98 bilhão.
O valor é mais de duas vezes a contribuição anual do país ao organismo internacional. Isto significa que, se o Brasil não quitar ao menos uma parte do débito até o fim de 2020, corre o risco de perder o voto na Assembleia Geral da entidade, algo que nunca aconteceu antes.
Acusações de 'toma lá, dá cá'
O relatório de Domingos Neto destina R$ 616,1 milhões para a ONU - o que afasta, por ora, o risco do Brasil ser punido na entidade. O projeto ainda precisa da sanção do presidente Jair Bolsonaro.
"Esse projeto não poderia ter sido votado, na nossa opinião. Primeiro, porque tem um prazo, de 48h, entre a apresentação do relatório e a votação, que não foi cumprido. E depois, o relator (Domingos Neto, do PSD do Ceará) não poderia ter incluído linhas orçamentárias novas, que não estavam previstas no texto original", disse o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), líder da bancada do partido na Câmara.
"E ainda tem a questão do mérito. Uma parte desse dinheiro pode vir a ser usada para atender a interesses políticos de deputados ligados ao governo, para apoiar a candidatura de Arthur Lira", diz Ganime.
A bancada do Novo votou contra o PLN - e partidos de esquerda como PT, PSB, PDT, PSOL, Rede e PCdoB tentaram obstruir a votação.
Veja aqui como cada deputado votou.
"Ele (Domingos Neto) criou, no relatório, a categoria de 'emendas de relator', que não são as emendas comuns, aquelas que os parlamentares têm direito, que estão previstas na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias). Essa emenda de relator é onde vão ser destinados esses recursos", diz a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), líder do partido na Câmara.
"E claro, tem a ver com a eleição do Arthur Lira, sem dúvida (...). E nós fomos ao Supremo (Tribunal Federal), também. Porque além da gravidade das emendas em si, do PLN 29, a votação passou por cima do Regimento (interno da Câmara) e da Constituição, que garantem que tenha que votar a derrubada dos vetos (presidenciais, na Sessão do Congresso) antes de qualquer pauta. Ou seja, não poderia votar o PLN antes de apreciar os vetos. Então nós fomos ao Supremo para que a sessão seja cancelada", disse a líder do PSOL à BBC News Brasil.
A reportagem da BBC News Brasil questionou o Ministério das Relações Exteriores (MRE) e a Secretaria de Comunicação do Palácio Planalto (Secom) sobre o assunto - mas não obteve respostas.
O relator do PLN 29, Domingos Neto, também foi procurado pela reportagem por meio de ligações e mensagens de texto, mas não quis falar.
Ao jornal Valor Econômico, Domingos Neto negou que os créditos extras estejam ligados à eleição para o comando da Câmara, que acontece no dia 1º de fevereiro. "A eleição na Câmara está contaminando todas as votações. Infelizmente", disse ele.
De onde veio o dinheiro - e para onde vai
Remanejamentos de verbas acontecem com frequência na administração pública: é a solução encontrada pelo Executivo para retirar recursos de uma área e colocar em outra conforme as necessidades, com a concordância do Congresso.
No caso do PLN 29, o R$ 1,9 bilhão que agora irrigará obras nas bases eleitorais de congressistas estava previsto, inicialmente, para o pagamento de dívidas do governo com outros organismos internacionais menores, que não a ONU.
O Ministério da Economia também pediu aos parlamentares que usassem o valor para pagar cotas de capital devidas ao Novo Banco de Desenvolvimento, mais conhecido como Banco dos Brics.
"(O texto do governo trazia uma) última ação orçamentária, que estava com R$ 1,9 bilhão, quase R$ 2 bilhões, que eram para organismos menores. Que não estava detalhado qual era o organismo, e que poderia ser para qualquer um que não estivesse lá dentro daquela lista exaustiva", diz um técnico especializado em Orçamento da Câmara.
"Primeiro, ele (Domingos Neto) retirou R$ 1,2 bilhão desses R$ 1,9 bilhão, e fez a alocação para os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Regional, da Educação e do Turismo", explica ele.
Finalmente, na sessão desta quarta-feira (16), o relator negociou liberações adicionais a partidos de centro-direita como DEM e MDB, que passaram a apoiar o texto e votaram a favor do PLN 29.
Para tanto, Domingos Neto "fez a limpa na ação (orçamentária) de R$ 1,9 bilhão. E colocou mais dinheiro na Agricultura, no Desenvolvimento Regional, no Turismo e na Educação", diz o técnico.
No texto final aprovado pela Câmara e pelo Senado, o ministério com mais recursos passou a ser o Desenvolvimento Regional, comandado pelo ex-deputado tucano Rogério Marinho, com R$ 830 milhões.
No ministério, o dinheiro está vinculado a ações como o "Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano" e o "Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado".
O resultado também representa uma derrota para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que já discutiu publicamente com Marinho algumas vezes.
No Ministério do Turismo são R$ 443,1 milhões para "apoio a projetos de infraestrutura turística", enquanto o Ministério da Agricultura contará com R$ 437 milhões para "fomento ao setor agropecuário".
Por fim, a pasta da Educação recebeu R$ 100 milhões para o "apoio à expansão da rede federal de educação profissional".
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