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Pressionado, Bolsonaro promete na Cúpula do Clima dobrar recursos para repressão ao desmatamento

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

22/04/2021 11h34

Presidente também determinou antecipação da meta brasileira de neutralidade climática de 2060 para 2050, imitando EUA.

Com a imagem ambiental brasileira profundamente danificada pelo aumento do desmatamento na Amazônia nos últimos anos, o presidente Jair Bolsonaro prometeu aos líderes mundiais nesta quinta-feira (22/04) fortalecer os órgãos ambientais do país, "duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização".

O anúncio foi feito em discurso na primeira sessão da Cúpula de Líderes sobre o clima, encontro virtual de 40 países promovido pelo presidente americano, Joe Biden, com objetivo de elevar os compromissos ambientais.

Em seu discurso, Bolsonaro anunciou que a nova meta brasileira é atingir ainda em 2050 a neutralidade climática - quando o país reduz drasticamente suas emissões de gases causadores do efeito estufa e compensa as emissões restantes com medidas ambientais.

"Coincidimos, Senhor Presidente (Biden), com o seu chamado ao estabelecimento de compromissos ambiciosos. Nesse sentido, determinei que nossa neutralidade climática seja alcançada até 2050, antecipando em 10 anos a sinalização anterior", disse Bolsonaro.

O presidente americano, porém, não acompanhou sua fala. Após ouvir mais de uma dezena de líderes, Biden se ausentou da sala de conferência cerca de dez minutos antes do discurso do brasileiro.

O objetivo da cúpula convocada por Biden é ampliar os compromissos firmados no Acordo de Paris, em que 196 países se comprometeram com medidas para evitar que a temperatura do planeta se eleve em 1,5ºC em cem anos ? meta que ainda está distante de ser cumprida, considerando a evolução atual das emissões globais.

Os próprios EUA também anunciaram nesta manhã a antecipação de sua meta de neutralidade climática de 2060 para 2050.

Em sua fala, Bolsonaro repetiu também a promessa de acabar com o desmatamento ilegal até 2030, compromisso que ele já havia anunciado em carta ao líder americano na semana passada.

"Destaco aqui o compromisso de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, com a plena e pronta aplicação do nosso Código Florestal. Com isso reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data", discursou Bolsonaro.

"Há que se reconhecer que será uma tarefa complexa. Medidas de comando e controle são parte da resposta. Apesar das limitações orçamentárias do Governo, determinei o fortalecimento dos órgãos ambientais, duplicando os recursos destinados a ações de fiscalização", prometeu, sem detalhar o que isso significa em valores.

O governo Bolsonaro vem sendo fortemente criticado por cortar recursos e, com isso, desmantelar órgãos de fiscalização, reduzindo multas e outras punições por crimes ambientais.

O presidente repetiu também a necessidade de apoio financeiro da comunidade internacional para a preservação da Amazônia. Países ricos, porém, tem dito claramente que apenas destinarão recursos ao Brasil depois que o governo Bolsonaro mostrar resultados concretos na redução do desmatamento.

"Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas", ressaltou.

Ainda sobre esse tema, o líder brasileiro voltou a cobrar a regulamentação do mercado de carbono, previsto no Acordo de Paris. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem argumentado que o Brasil tem direito a receber US$ 133 bilhões pela redução das emissões de carbono em 7,8 bilhões de toneladas entre 2006 e 2017, período anterior à gestão Bolsonaro. A estimativa é feita a partir do mercado livre de créditos de carbono da Califórnia.

Já o presidente não citou valores em seu discurso: "Os mercados de carbono são cruciais como fonte de recursos e investimentos para impulsionar a ação climática, tanto na área florestal quanto em outros relevantes setores da economia, como indústria, geração de energia e manejo de resíduos".

"Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação", acrescentou.

Embora o Brasil hoje seja visto como um pária internacional na agenda ambiental, devido ao forte aumento da destruição da Amazônia nos últimos dois anos, Bolsonaro argumentou que o país responde por parcela pequena das emissões de gases causadores do aquecimento global.

"Ao discutirmos mudança do clima, não podemos esquecer a causa maior do problema: a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos. O Brasil participou com menos de 1% das emissões históricas de gases de efeito estufa, mesmo sendo uma das maiores economias do mundo. No presente, respondemos por menos de 3% das emissões globais anuais", destacou.

Ele também disse que o Brasil conta "com uma das matrizes energéticas mais limpas" e exaltou o fato de o país "conservar 84% de nosso bioma amazônico".

Em outro trecho, ele afirmou que contemplará os interesses de povos indígenas, grupo que se considera perseguido por seu governo. "Devemos aprimorar a governança da terra, bem como tornar realidade a bioeconomia, valorizando efetivamente a floresta e a biodiversidade. Esse deve ser um esforço, que contemple os interesses de todos os brasileiros, inclusive indígenas e comunidades tradicionais", disse o presidente.

Esse trecho parece responder à pressão da administração Biden, que tem enfatizado a necessidade de envolver essas comunidades na solução dos problemas ambientais.

Na tarde desta quinta-feira, inclusive, haverá a participação na cúpula de Sinéia do Vale, indígena da etnia Wapichana, que representará o Conselho Indígena de Roraima.

As promessas de Bolsonaro de redução do desmatamento têm sido recebidas com ceticismo entre especialista no tema. Desde que assumiu o governo, o presidente vem defendendo a aprovação de regras mais frouxas para licenciamento ambiental e a permissão de mineração em terras indígenas- medidas que, segundo ambientalistas, vão acelerar ainda mais o desmatamento.

Dados preliminares indicam desmatamento em aceleração

O discurso de Bolsonaro repetiu, em parte, o conteúdo de uma carta que ele enviou a Biden na semana passada prometendo zerar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030. Na correspondência, o presidente insistiu na necessidade de recursos estrangeiros para a preservação.

O enviado especial do Clima do governo dos Estados Unidos, John Kerry, reagiu à carta de Bolsonaro enfatizando a necessidade de medidas concretas. "O compromisso do presidente Jair Bolsonaro de eliminar o desmatamento ilegal é importante. Esperamos ações imediatas e engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que este anúncio possa gerar resultados tangíveis", disse, em sua conta no Twitter, na sexta-feira (16/04).

Segundo interlocutores do governo americano, o que a Casa Branca gostaria de ver como "resultados tangíveis" é a redução do desmatamento ainda este ano. A medição anual da destruição da floresta realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) se dá entre agosto do ano anterior e julho do ano corrente, o que deixa um espaço de poucos meses para uma reversão da alta no desmate.

Levantamento preliminar feito pelo Instituto Imazon registrou em março a maior taxa de destruição da Amazônia para aquele mês em dez anos. Foram 810 quilômetros quadrados de floresta desmatada, alta de 216% na comparação com março de 2020.

O governo Bolsonaro argumenta que o desmatamento tem crescido quase continuamente desde 2012, ainda no governo Dilma Rousseff. Críticos de sua gestão ressaltam que o problema se agravou nos últimos dois anos.

Segundo o Inpe, a destruição da Amazônia somou 10.129 quilômetros quadrados entre agosto de 2018 e julho de 2019, ultrapassando a marca de dez mil quilômetros quadrados pela primeira vez desde 2008. Já no ano seguinte, o desmatamento teve nova alta, de 9,5%, para 11.088 quilômetros quadrados.

Salles quer Força Nacional de Segurança na Amazônia

Após o discurso de Bolsonaro, o ministro Ricardo Salles disse em coletiva de imprensa que os recursos extras anunciados para operações contra o desmatamento serão usados também no uso da Força Nacional de Segurança, que é um órgão subordinado ao Ministério da Justiça que conta com policiais militares cedidos pelos Estados.

A proposta enfrenta resistência de ambientalistas e especialistas em segurança pública. Esses críticos entendem que o mais eficiente seria fortalecer com recursos e novas contratações os órgãos que já são especializados na contenção do desmatamento, como Ibama e ICMBio.

Salles também não especificou o que significa concretamente em valores o anúncio de duplicação dos recursos para ações de fiscalização feito pelo presidente.

Segundo o ministros, é preciso esperar que o Congresso aprove o Orçamento deste ano, o que está previsto para essa semana.

"Com relação ao Orçamento (para ações de repressão ao desmatamento), o número preciso não é possível estabelecer agora, porque justamente nessa semana se está definindo o Orçamento (de 2021) junto ao Congresso Nacional. Porém, o que é possível dizer, é que o que houver de disponibilidade o presidente vai dobrar o recurso", afirmou Salles.

"Isso é importante porque dá justamente sustentação a esse pagamento que eu me referi há pouco: as equipes da Força Nacional, que podem aumentar substancialmente (o contingente para conter o desmatamento), e que se somam, é importante deixar claro, aqui não é substituição, elas se somam ao que já tem de equipes e logística do Ibama, do ICMbio, da Polícia Federal", acrescentou.

Salles disse ainda que o governo ainda está definindo se a atuação das Forças Armadas na Amazônia será prorrogada, já que a atual operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) tem duração até abril. No entanto, mesmo que não seja estendida, os militares devem prestar apoio logístico a futuras operações, ressaltou o ministro.

Biden anuncia metas mais ousadas para EUA

A Cúpula de Líderes é uma tentativa de Biden de recolocar os Estados Unidos como líder da agenda ambiental, após o presidente anterior, Donald Trump, abandonar essa pauta.

Na abertura do encontro, o americano se comprometeu a reduzir as emissões de gases de efeito estufa dos Estados Unidos em 50% até 2030, em comparação aos níveis de emissões de 2005. Ele, porém, não detalhou como isso será alcançado.

Ele também anunciou que os Estados Unidos têm como nova meta alcançar em 2050 a neutralidade climática (quando as emissões restantes após a redução são totalmente compensadas com medidas ambientais). O compromisso anterior do país era alcançar isso em 2060.

Em seu discurso, Biden enfatizou também a necessidade de os países trabalharem juntos na contenção das mudanças climáticas e colocou o desenvolvimento sustentável como uma oportunidade de criação de empregos.

"Esta é a década em que devemos tomar decisões que evitarão as piores consequências da crise climática", ressaltou o presidente americano, destacando o aumento de eventos extremos pelo mundo, como cheias, secas e furacões.


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