Como esquiadora prodígio acabou envolvida em disputa geopolítica entre EUA e China
Nascida nos Estados Unidos, atleta mais jovem a ganhar medalha de ouro para China nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim está em meio a polêmica por representar gigante asiático.
Aos 18 anos, a sino-americana Eileen Gu já é considerada um prodígio do esqui em sua estreia nos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, na China. Na última segunda-feira (7/2), ela fez jus às expectativas e conquistou o ouro no estilo livre big air para mulheres em seu terceiro e último salto.
Mas, antes de alcançar o feito, ela já tinha um currículo de dar inveja.
Gu venceu oito competições internacionais de esqui, tendo ganhado ouro nos Jogos Olímpicos de Inverno da Juventude de 2020 em Lausanne, na Suíça, e três medalhas nos X Games de Inverno de Aspen, no Colorado, nos Estados Unidos, no ano passado.
Mas ela não está no centro das atenções apenas por causa do seu desempenho.
Natural de San Francisco, no Estado americano da Califórnia, Gu está representando a China, não os EUA, no evento. E essa decisão acabou desencadeando uma discussão global sobre geopolítica e representação, especialmente num momento em que as relações entre os dois países passam por um momento delicado.
Apesar de seu esforço para se desviar de questões sobre sua identidade, status de cidadania e ideias sobre questões políticas, é improvável que essa polêmica desapareça.
Gu é americana ou chinesa? E é possível ser americana e chinesa em um mundo onde as duas nações têm relações tensas?
'Ninguém pode negar que sou americana ou chinesa'
Quando Gu começou sua carreira de esqui competitivo em 2018, ela o fez como americana, mas mudou sua afiliação junto à Federação Internacional de Esqui no ano seguinte.
Ao fazer o anúncio sobre por que decidiu defender a China, Gu, filha de pai americano e mãe imigrante chinesa de primeira geração, disse querer "a oportunidade de ajudar a inspirar milhões de jovens durante os Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim", local de nascimento de sua mãe.
Pouco se sabe sobre seu pai, e Gu usa o sobrenome de sua mãe.
Embora ela tenha se mudado para a China em 2019, sua participação nos Jogos Olímpicos de Inverno voltou a deixá-la sob os holofotes.
As especulações sobre seu status de cidadania se multiplicam desde que a Red Bull, um patrocinador corporativo, disse que a atleta desistiu de seu passaporte americano para competir pela China - uma afirmação que a própria empresa desmentiu após pressão por evidências de um jornal americano.
A dupla cidadania não é reconhecida na China e Gu sempre se recusou a revelar o status de sua nacionalidade.
Questionada pelo jornal South China Morning Post, sediado em Hong Kong, no ano passado, ela disse: "Sou completamente americana e pareço e falo como sou. Ninguém pode negar que sou americana. Quando vou à China, ninguém pode negar isso. Sou chinesa, porque falo a língua fluentemente, conheço bem a cultura e me identifico plenamente como tal".
Gu não respondeu aos pedidos de entrevista feitos pela BBC.
O consulado-geral da China em Nova York disse à BBC que Gu teve que se naturalizar ou obter o status de residente permanente na China para competir na equipe.
Em 2020, o Ministério da Justiça da China ampliou as regras para estrangeiros obterem residência permanente. Passaram a ser elegíveis aqueles que obtiverem reconhecimento internacional em esportes, ciência, cultura e outras áreas. Gu poderia ter se beneficiado disso.
Gu e outros quatro atletas passaram pelo processo para obter elegibilidade para competir pela China nos jogos de 2022, informou o consulado.
Mas, independentemente do que é dito em seus documentos oficiais, ela enfrenta questões difíceis como uma atleta nascida nos Estados Unidos vivendo a vida de uma jovem ocidental, mas representando um país cujo governo tem sido amplamente criticado por violações de direitos humanos e repressões antidemocráticas.
Gu expressou apoio ao movimento Black Lives Matter e se manifestou contra a violência anti-asiática nos EUA, mas permaneceu em silêncio sobre questões como os campos de internação em massa de uigures étnicos em Xinjiang e as prisões de manifestantes pró-democracia em Honk Kong.
"Não há necessidade de ser divisivo", disse ela ao jornal americano The New York Times. Uma postura difícil, se não impossível, de adotar quando vários países, incluindo os EUA, estão envolvidos em um boicote diplomático aos jogos de Pequim 2022 em protesto contra o histórico de direitos humanos do governo chinês.
Na China, no entanto, Gu foi bem recebida pela imprensa estatal.
Apelidada de "garota gênio do esqui" e "princesa da neve", ela apareceu em vários documentários da televisão do governo. Também mostrou tanto seu potencial para negócios atuando como modelo para marcas famosas quanto seu intelecto conquistando um lugar na Universidade de Stanford, uma das mais prestigiadas dos Estados Unidos.
Acordos com o Banco da China, China Mobile e JD.com, um varejista chinês, estão entre seus contratos comerciais.
Gu e sua equipe entendem claramente que devem agir com cuidado.
Recusando-se a falar com a revista britânica The Economist, seu agente nos EUA, Tom Yaps, disse à revista: "Se (Eileen) participar de um artigo que tem dois parágrafos críticos da China e dos direitos humanos, isso a colocaria em perigo. Um passo em falso e sua carreira está arruinada."
"Nós, jovens, estamos todos tentando descobrir quem somos", escreveu Gu certa vez em um artigo de opinião para o The New York Times. "Você tem que ter cuidado para quem você está contando seus segredos."
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