Guerra na Ucrânia: crianças em Mariupol tomaram água de poças para sobreviver
Yuliia correu sob tiros de seu bunker até o poço mais próximo para que suas filhas pudessem obter água fresca.
Ouvir como os filhos de sua melhor amiga bebiam água da chuva acumulada em poças para sobreviver à guerra na Ucrânia é o motivo pelo qual a ucraniana Nataliia Roberts quer trazê-la o mais rápido possível para o Reino Unido.
Yuliia e suas três filhas costumavam deixar o abrigo no porão na cidade sitiada de Mariupol depois de chover para matar a sede.
Não lhes faltavam apenas água e comida; não havia banheiro, chuveiro ou eletricidade em seu refúgio improvisado.
Nataliia agora quer sua amiga de infância junto dela no País de Gales, onde vive com o marido, Dewi, há cinco anos.
"Tínhamos uma pequena tigela [de sopa] para três crianças uma vez por dia", explica Yuliia. "E um copo de água para três crianças se limparem."
Depois que sua casa foi destruída por bombas russas, Yuliia e suas filhas - de 11, seis e três anos - tiveram que buscar refúgio em um porão comunitário que oferecia algum abrigo, mas ela mal tinha comida para alimentar as crianças.
"As crianças pediam comida, por isso ela passou a alimentá-las na hora de ir para cama, para que elas pudessem se sentir cheias antes de dormir", conta Nataliia de sua casa no norte do País de Gales.
"Quando começou a chover, primeiro elas beberam água da poça. Em seguida, acharam algumas panelas para encher de água."
'Não havia nada'
Yuliia acabou tendo que deixar suas filhas sozinhas no abrigo enquanto ia buscar água fresca.
"Havia um poço a três quilômetros de distância. Tive que correr para lá sob tiros, sob bombas", lembra Yuliia ao relatar seu dia a dia em vídeo para o programa BBC Wales Investigates, da BBC.
E quando a filha do meio ficou doente, não havia remédios.
"Eu tinha dinheiro, mas não podia comprar nada porque não havia nada em lugar nenhum, tudo estava quebrado, tudo foi saqueado e destruído", diz ela.
Yuliia e Nataliia são amigas próximas desde a escola e sempre mantiveram contato - até que a guerra estourou na Ucrânia em fevereiro.
Por dias, às vezes semanas, não era seguro para Yuliia mandar uma mensagem ou ligar para sua amiga a 3,2 mil quilômetros de distância.
Nataliia teve que se contentar com as atualizações intermitentes dos relatos diários em vídeo de Yuliia e das meninas do bunker subterrâneo, enquanto seu marido lutava contra os russos na linha de frente.
Nataliia conseguiu tirar sua mãe e seu padrasto do leste da Ucrânia quando a situação começou a piorar, e Liudmyla e Sasha agora moram com ela, o marido Dewi, Julia, de quatro anos, e Jacob, de um, em Caernarfon, no País de Gales.
Agora, a contadora de 32 anos está fazendo tudo o que pode para ajudar sua amiga, Yuliia, e a família dela a se tornarem refugiados ucranianos no Reino Unido.
Yuliia e suas filhas estão entre os 11 milhões de ucranianos forçados a fugir de suas casas - semanas antes do início da evacuação de Mariupol liderada pelas Nações Unidas.
A cidade é estragicamente importante pois a partir dela os russos conseguem controlar toda a porção leste da costa da Ucrânia.
Mariupol, sitiada desde o início de março, está agora principalmente sob o comando das forças russas - embora várias centenas de soldados ucranianos permaneçam na fábrica metalúrgica Azovstal, no sul da cidade.
As forças russas bloquearam o extenso complexo industrial e continuam seu bombardeio aéreo, mas nenhuma tentativa foi feita ainda para retirar as tropas ucranianas de uma rede de túneis sob a fábrica.
A Rússia foi acusada de crimes de guerra por seu intenso bombardeio da cidade. Segundo o prefeito local, pelo menos 20 mil civis foram mortos. Mais de 100 mil pessoas permanecem presas ali.
De trem e depois de micro-ônibus, Yuliia seguiu rumo à Polônia com as três filhas, sem saber quando veria o marido novamente, ou se poderia se juntar a Nataliia e a família dela no País de Gales.
Mas são as cenas da guerra que estão mais afetando Yuliia.
"Ela viu pessoas em Mariupol sendo mortas por mísseis e que não tinham mãos, nem pernas, cujos corpos foram destruídos", diz Nataliia.
"Adoraria que Yuliia estivesse conosco aqui, no País de Gales. Sonho que um dia vamos tomar uma xícara de chá em nossa sala de jantar e que ela e as meninas possam ter uma vida mais feliz. Adoraria isso."
Cerca de 27 mil refugiados ucranianos - dos 86 mil vistos aprovados - vieram para o Reino Unido e o País de Gales disse que quer ser um "país de refúgio" para aqueles que fogem dos horrores da guerra em sua terra natal.
E 10 mil famílias galesas ofereceram casas para refugiados ucranianos, mas, até o final do mês passado, o Ministério do Interior britânico emitiu apenas 2,3 mil vistos àqueles que desejam vir para o País de Gales.
O governo galês aprovou quase 700 pedidos de visto até agora, mas não soube informar à BBC quantos refugiados chegaram de fato ao país, insistindo que pediu ao governo do Reino Unido os dados, mas foi informado de que eles não estão disponíveis.
O Ministério do Interior britânico disse que está trabalhando "o mais rápido possível" para fornecer as informações aos governos locais, acrescentando que mais de 86 mil vistos foram concedidos sob vários esquemas. Também informou que está simplificando formulários e aumentando o número de funcionários para acelerar as autorizações.
O Reino Unido é formado por quatro países: Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte.
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