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As razões por trás do apoio do PT a Lira na Presidência da Câmara

Mariana Schreiber - @marischreiber - Da BBC News Brasil em Brasília

30/11/2022 07h54

Após crise gerada por relação rui do governo com Eduardo Cunha, Lula quer garantir governabilidade no Congresso

Após criticar o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), durante a campanha presidencial devido ao chamado Orçamento Secreto, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), decidiu que a melhor estratégia para seu governo é apoiar sua reeleição em fevereiro.

Pesou na decisão o trauma petista com a péssima relação do governo Dilma Rousseff com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, crise que culminou no impeachment da presidente em 2016.

Agora, diante da certeza de que Lira deve se reeleger independentemente da vontade do futuro governo, Lula e o PT resolveram que o melhor é tentar construir uma boa relação com o presidente da Câmara desde já.

Na terça-feira (29/11), PT, PV e PC do B (siglas que formam uma federação partidária), junto com PSB, partido do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, oficializaram seu apoio a um novo mandato de dois anos para Lira no comando da Casa. Com isso, o alagoano se consolida para ser reeleito numa ampla aliança, que inclui desde os partidos da futura base de Lula, como as siglas que apoiam o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Lira foi aliado fiel do atual governo, engavetando dezenas de pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Seu perfil, porém, é bastante pragmático. Assim que a eleição de Lula foi anunciada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente da Câmara parabenizou o presidente eleito e disse que "a vontade da maioria jamais deverá ser contestada", num claro distanciamento do discurso bolsonarista de questionar a segurança do sistema de votação brasileiro.

Segundo o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), seu partido decidiu apoiar a reeleição de Lira porque sua vitória "já está praticamente garantida". Dessa forma, disse à BBC News Brasil, o PT procura construir uma boa relação com o comando da Câmara que facilite a futura aprovação de projetos de interesse do governo Lula.

"Nós precisamos governar agora. Não adianta a gente lançar um candidato contra um que já ganhou por uma marcação de posição", reforçou.

Além da boa relação com Lira, Lula tenta garantir a governabilidade atraindo partidos de centro-direita para a base do governo, já que as siglas mais à esquerda não garantem maioria de votos no Congresso. O presidente eleito está em negociação com União Brasil, MDB e PSD.

O trauma de 2015

Zarattini também disse à reportagem que o PT "não quer repetir" o que ocorreu na presidência de Eduardo Cunha. No comando da Casa, ele privilegiava a votação das chamadas "pautas-bomba", que prejudicavam o governo com aumentos de gastos, e, por outro lado, dificultava o andamento de propostas de interesse da gestão Dilma.

Depois, com a escalada da crise com a presidente e o PT, Cunha deu início ao processo de impeachment que derrubou a petista.

O próprio Lula reconhece que Dilma e seu partido erraram na forma como conduziram a relação com Eduardo Cunha. Em entrevista à BBC News Brasil concedida em 2019, quando estava preso em Curitiba, disse que o partido não deveria ter lançado o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) para disputar com o peemedebista. Segundo Lula, "havia já um antipetismo dentro da Câmara" e a melhor estratégia na época seria ter apoiado outro nome do PMDB (partido que passou a se chamar MDB em 2017).

Cunha venceu a disputa em primeiro turno, com 267 votos, contra apenas 136 do petista.

"Eu fui alertar o PT que era humanamente impossível, matematicamente impossível, o PT disputar a presidência da Câmara em 2015. Fui numa reunião com vários deputados do PT, coloquei meus argumentos: 'se vocês quiserem derrotar o Cunha, a única coisa que podem fazer é pegar alguém do PMDB e lançar como candidato para derrotar o Cunha'", contou, na entrevista.

Lula ressaltou, ainda, um segundo erro do governo Dilma: não ter buscado construir uma boa relação com Cunha após sua vitória.

Ele lembrou que em 2005, no seu primeiro mandato como presidente, o candidato do governo ao comando da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), também foi derrotado. Lula, porém, imediatamente buscou construir um bom diálogo com o presidente eleito, Severino Cavalcanti, do PP de Pernambuco.

"Perdeu, paciência. Agora, mesmo sendo o Cunha, o Presidente da República precisa se relacionar com o outro poder. Eu estava no Suriname quando o PT perdeu (em 2005) a presidência da Câmara. (...) Você acha que eu ia ficar com raiva? Não, peguei o telefone e liguei pro Severino: 'Companheiro Severino. Estou no Suriname e estou regressando ao Brasil, quando eu chegar o primeiro café da manhã é com você'", lembrou à BBC News Brasil.

"Olha, se o Eduardo Cunha ganhou as eleições, o PT deveria ter estabelecido uma relação sabendo que ele é um outro poder. A gente não pode fazer do nosso comportamento na política apenas uma questão de princípio. E não era só a Dilma que tinha que fazer, ela tinha a coordenação política. Ela tinha a Casa Civil (comandada na época por Aloizio Mercadante). Se nós erramos nesse trato, nós pagamos o preço, paciência", disse ainda em 2019.

Apesar das críticas do presidente eleito à gestão política de Mercadante, o ex-ministro da Casa Civil voltou ao centro do poder petista. Ele coordenou o programa de governo da campanha de Lula, agora é o coordenador técnico da equipe de transição do presidente eleito e está cotado para ocupar algum ministério na futura gestão.

PEC e disputa por cargos na Câmara

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), também considera que seria muito "temerário" o PT tentar enfrentar Lira na disputa pelo comando da Casa. Na sua visão, pesa ainda no cálculo político a necessidade de uma boa relação com Lira para conseguir aprovar ainda neste ano uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autorize um aumento dos gastos do governo no próximo ano, a chamada PEC da Transição.

Nessa proposta, o presidente eleito tenta liberar até R$ 198 bilhões de despesas acima do Teto de Gastos em 2023, mas depende que o texto seja aprovado com agilidade na Câmara e no Senado. O próximo governo quer usar esses recursos para ampliar o valor do Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, além de destinar mais recursos para investimentos em obras e programas sociais, como o Farmácia Popular e o Minha Casa Minha Vida.

Outro ponto importante no apoio do PT a Lira, nota Queiroz, é a tentativa de garantir que postos-chave da Câmara sejam ocupados por aliados do governo ou, pelo menos, que não fiquem nas mãos de bolsonaristas, como o comando da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ), órgão que analisa se as propostas em tramitação na Casa estão de acordo com os princípios constitucionais.

Como o PL elegeu 99 deputados, futura maior bancada da Casa, o partido tem preferência na escolha dos cargos. A bancada eleita, ressalta Queiroz, é uma mistura de deputados muito fiéis a Bolsonaro, que entraram mais recentemente no partido, e antigos congressistas da sigla, de perfil mais pragmático.

No entanto, caso o PT, que elegeu a segunda futura maior bancada (68 deputados), forme um bloco maior com outros partidos dentro da Câmara, poderá passar à frente do PL na distribuição dos cargos.

"Eu acho que tem muita chance de, através de um partido aliado, ao formar um bloco, (o PT) indicar o presidente da CCJ. Mas, de antemão, ao apoiar o Lira, vai ter a garantia de que (Lira) não vai entregar a CCJ a ninguém ligado a Bolsonaro. Pode até ser do PL, eventualmente, mas não pode ser dessa turma fundamentalista (mais fiel a Bolsonaro)", acredita.

O futuro do "Orçamento Secreto"

A federação liderada pelo PT e o PSB juntos somam 94 deputados. Além deles, outros dez partidos já formalizaram apoio a reeleição de Lira, o que garante maioria para reelegê-lo: União Brasil (59 deputados), PP (47), Republicanos (41), PDT (17), Podemos (12), PSC (6), Patriota (4), Solidariedade (4), Pros (3) e PTB (1). E também são esperados os apoios de PL (99) e PSD (42).

Na avaliação de Queiroz, Lira viabilizou sua reeleição ao gerenciar na Câmara a distribuição do chamado Orçamento Secreto ? dezenas de bilhões de reais em emendas parlamentares que desde 2020 foram destinadas por deputados e senadores a suas bases eleitorais em operações pouco transparentes que têm dado margem a possíveis desvios.

Esse mecanismo, oficialmente chamado de emendas de relator, em referência ao parlamentar relator da lei orçamentária, transferiu para o Congresso um grande volume de recursos antes geridos pelos ministérios.

A proposta de Orçamento para 2023 encaminhada pelo governo Bolsonaro ao Congresso prevê R$ 19 bilhões para essa despesa no próximo ano.

Durante a campanha, Lula chamou o Orçamento Secreto de excrescência e criticou o excesso de poder nas mãos de Lira.

"O Bolsonaro é refém do Congresso Nacional. O Bolsonaro sequer cuida do orçamento. O orçamento quem cuida é o (Arthur) Lira, ele que libera verba, o ministro liga para ele, não liga para o presidente da República. Isso nunca aconteceu desde a proclamação da República", disse o petista em entrevista ao Jornal Nacional em agosto.

Apesar disso, as emendas de relator não devem acabar no próximo governo. Mas, segundo Zarattini, a gestão Lula deseja dar "transparência total" a esses gastos. Além disso, disse o deputado, o governo quer definir quais serão as áreas prioritárias para uso dessas verbas.

"O governo é que deve dirigir para que tipo de uso vai o dinheiro. Lógico que o deputado vai influenciar também, dirigindo os recursos para os locais das suas bases, mas a partir de um plano onde o governo estabelece as suas prioridades", defendeu Zarattini.

Queiroz, do Diap, ressalta que as emendas do relator não são uma despesa impositiva, ou seja, sua liberação pelo governo não é obrigatória. Por isso, ele avalia que Lula terá condição de fazer essas mudanças (dar transparência e definir áreas prioritárias).

Para tornar essas despesas impositivas, Lira teria que conseguir alterar a Constituição, o que exige o apoio de ao menos três quintos dos deputados e senadores.

Na avaliação de Queiroz, isso não é viável no momento porque o tema é impopular na sociedade e o PT deve ter uma base suficientemente ampla para evitar uma alteração do tipo no texto constitucional.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63803460