Congresso aprova PEC da Transição: Lula vence '1º round', mas Centrão 'segue poderoso'
Aprovada na Câmara e no Senado nesta quarta-feira (21/12), proposta amplia teto de gastos em R$ 145 bilhões e permite que novo governo cumpra promessa de pagar o Auxílio Brasil de R$ 600.
A aprovação do texto-base da PEC da Transição em dois turnos no Senado nesta quarta-feira (21/12), após votação favorável na Câmara dos Deputados, representou a vitória de um primeiro "round" no duelo político entre o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam no entanto, que Lira e o Centrão "seguem poderosos", e o presidente da Câmara poderá revidar a derrota caso seja reeleito em fevereiro para o comando da Câmara.
A PEC da Transição é o apelido dado a uma proposta de emenda constitucional desenhada por aliados de Lula. Como é uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), não há necessidade de sanção presidencial. O texto deve ser promulgado ainda nesta quarta-feira.
A proposta prevê a ampliação do teto de gastos em até R$ 145 bilhões por um ano, o que, em tese, permitirá que o novo governo cumpra uma de suas principais promessas de campanha: pagar o Auxílio Brasil de R$ 600 em 2023.
O texto também permite que pelo menos R$ 23 bilhões resultantes de arrecadação extraordinária possam ser destinados a investimentos.
O duelo
A PEC da Transição tem sido vista como o primeiro "round" do embate entre Lula e Lira, porque os dois tinham interesses conflitantes em relação à medida.
Lula era o principal interessado na aprovação da matéria, porque ela abre espaço orçamentário para que ele cumpra algumas das suas promessas de campanha sem correr o risco de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o que poderia dar margens para um pedido de impeachment.
Do outro, Lira, segundo especialistas, teria usado a tramitação da PEC para pressionar o novo governo por cargos e o Supremo Tribunal Federal (STF) para manter as chamadas emendas de relator-geral do Orçamento.
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Essas emendas ganharam o apelido de "orçamento secreto" por serem emendas que não contêm todas as informações sobre seus verdadeiros autores nem eram suficientemente claras em relação à aplicação dos recursos.
Seus críticos afirmam que elas abriam brechas para corrupção e vêm sendo vistas como uma das fontes de poder de Lira.
Para Lula, ceder cargos a Lira poderia trazer problemas dentro de sua aliança. Além disso, manter o orçamento secreto intacto também colocaria o petista em uma situação incômoda, porque, durante a campanha, ele se posicionou contra o esquema e porque isso preservaria o poder de Lira sobre os parlamentares.
Duas decisões do STF deram fôlego a Lula no embate. Uma decisão em caráter liminar do ministro Gilmar Mendes permitiu que os gastos com o Auxílio Brasil possam ser feitos extrapolando o teto de gastos. A decisão era, na prática, uma espécie de "salvo-conduto" para o novo governo caso a PEC não fosse aprovada.
A segunda foi o julgamento que declarou a inconstitucionalidade das emendas de relator, mecanismo defendido por Lira e diversos aliados do chamado Centrão.
Para o professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Claudio Couto, a aprovação PEC é uma vitória "imensa" de Lula.
"A balança de poder entre Executivo e Legislativo volta a ficar mais favorável ao presidente, desempoderando em alguma medida os presidentes das duas Casas, principalmente o da Câmara", diz Couto.
Para a professora de Ciência Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Deysi Cioccari, as decisões do STF sobre o Auxílio Brasil e o orçamento secreto ajudaram Lula a sair na frente de Lira nesse primeiro embate.
"Lula sai na frente pelos dois reveses que Lira tomou nesta semana. A redução da vigência da PEC (de dois para um ano) é uma minivitória de Lira, mas a verdade é que o jogo foi redesenhado. Lira já não é absoluto, não enquanto não se articular novamente pra garantir a recondução à presidência da Câmara", diz Cioccari.
A ressalva feita pela professora se deve por conta da diferença entre o que foi sugerido pela equipe de Lula e o que foi aprovado.
Inicialmente, o time do petista sugeriu que as despesas do Auxílio Brasil de R$ 600 e mais um bônus de R$ 150 por família com crianças de até 6 anos de idade ficassem fora do teto de gastos por período indeterminado. Depois, o prazo caiu para quatro anos. No Senado, foi aprovado com dois anos. Na Câmara, porém, caiu para um ? prazo que acabou sendo confirmado na volta do texto ao Senado.
"Lula sai forte no sentido de mostrar pra Lira que não é tolo como (o presidente Jair) Bolsonaro que não sabia articular, mas, ao mesmo tempo, ele sabe que um embate muito direto pode desgastar seu futuro governo a ponto de inviabilizar o primeiro ano. Lira flutua e vai ter que mover a próxima peça do jogo e demonstrar astúcia. Lula 1 x 0 Lira", afirma Cioccari.
Para Couto, o fato de o texto aprovado ser diferente do proposto e liberar o estouro do teto de gastos por um período significativamente menor do que o desejado pelo governo não diminuem o peso da vitória de Lula sobre Lira.
"Dá para dizer que é uma vitória imensa se desde o começo (das negociações) o novo governo tinha isso (a mudança no texto) como viável. Como em muitas negociações, começa-se pedindo muito para finalmente chegar naquilo que se precisa", avalia o professor.
Lira segue poderoso
Mas Claudio Couto e Deysi Cioccari avaliam que Arthur Lira ainda continua poderoso e poderá revidar a derrota. Isso seria ainda mais factível se ele se reeleger como presidente da Câmara.
O cargo é um dos mais cobiçados da política, porque concentra uma série de atribuições consideradas estratégicas para o sucesso de um governo.
Cabe ao presidente da Câmara, por exemplo, decidir pela abertura ou não de processos de impeachment e montar a pauta do que será votado na Câmara.
Em parte por isso e para manter um bom relacionamento com Lira, o presidente Lula conseguiu fazer com que o PT declarasse apoio à reeleição do deputado. Em entrevistas, o petista vem repetindo que seria um equívoco político interferir na eleição da presidência da Câmara e atuar contra o atual presidente da casa.
Lula relembrou o episódio ocorrido em 2005 quando o PT tentou emplacar o nome do então deputado petista Luis Eduardo Greenhalgh para a presidência da Câmara, mas acabou perdendo a disputa para o então deputado Severino Cavalcanti, que estava no PP de Pernambuco na época e era considerado um parlamentar do chamado "baixo clero", termo usado para designar políticos pouco expressivos.
"O segundo round vai ser a definição da presidência da Câmara. Se Lira chegar com fôlego, é bom se preparar, porque ele não se acomoda bem com manifestações simplistas de poder. Virá um jogo duro, e ele deverá exigir ministérios, estatais, etc", afirma Cioccari.
Couto afirma que Lira deixou de ser o "imperador do Japão", imagem usada por Lula durante a campanha para se referir ao deputado. "Mas segue muito poderoso, como todo presidente da Câmara bem articulado e hábil, mas bem menos poderoso do que era até aqui", avalia.
Couto diz, no entanto, que a vitória de Lula sobre Lira pode ser relativizada por conta de uma alteração no texto da PEC que destina R$ 9,85 bilhões para que o relator-geral do Orçamento possa fazer indicação de emendas parlamentares.
Segundo o cientista político, essa manobra pareceu uma tentativa de "drible" à decisão do STF que julgou o orçamento secreto inconstitucional.
"Ao que parece, é sim uma tentativa de drible. Precisa ver se o STF vai engolir essa manobra. Vamos ver se o drible se concretiza. Caso se concretize, a vitória (de Lula) diminui de tamanho."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64046976
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