Drag queen concorre à Prefeitura de Dresden
Jovem candidata de partido satírico promete festas rave na igreja que é símbolo da cidade. Ela também quer descontrair a região conservadora, que virou centro do movimento "anti-islamização" na Alemanha.
Angela Merkel e Lady Gaga lhe servem de inspiração, e há definitivamente um toque de Marlene Dietrich em seus olhos sensuais de pálpebras pesadas. Lara Liqueur, DJ profissional e drag queen está concorrendo à Prefeitura de Dresden, no leste da Alemanha. Sua promessa eleitoral é ambiciosa: curar a alma ferida da cidade, atormentada por manifestações anti-islâmicas e memórias da destruição durante a guerra.
"Quero ser a tia de Dresden, a mamãezinha, sua melhor amiga. Quero que todos venham e chorem no meu ombro e, então, se sintam melhor a respeito de tudo", afirmou Liqueur em entrevista à DW.
Ela é candidata pelo partido Die Partei (O Partido), fundado por redatores da revista satírica 'Titanic' e que lançou uma campanha para reconstruir o Muro de Berlim. No ano passado, o líder da legenda, Martin Sonneborn, conseguiu votos suficientes para assumir uma cadeira no Parlamento Europeu.
A plataforma de campanha de Liqueur é ousada. Ela inclui a demolição da Frauenkirche, igreja destruída na Segunda Guerra Mundial e que foi reconstruída após a Reunificação, para simbolizar o renascimento da cidade. Se a drag queen ganhar as eleições em 7 de junho, promete que a imponente cúpula da igreja será a primeira coisa a desaparecer, permitindo um verão glorioso com festas rave entre as paredes sagradas do edifício.
"Eventos ao ar livre atraem multidões maiores, e a acústica nunca é tão boa com o telhado lá em cima", argumenta, com voz grave e sarcástica e uma autoconfiança que encobre seus 19 anos de idade. Durante a entrevista, ela puxa para baixo o curto vestido vermelho, que insiste em subir, descobrindo suas longas pernas.
"Vamos restaurá-la, retomando seu estado pós-bombardeio", promete. "E as pedras serão usadas para reconstruir o Muro de Berlim, mas esse não é meu departamento. Isso faz parte da política nacional do partido, que fica a cargo do senhor Sonneborn."
Liqueur vem saboreando a atenção da mídia desde que sua candidatura foi anunciada, no início deste mês. Até mesmo o "Bild", tabloide mais vendido da Alemanha, publicou uma matéria sobre ela.
"Toque de ironia" na política
Alguns comentaristas afirmam que a drag queen pode ser exatamente do que a cidade, amargamente dividida, precisa agora. A reputação do lugar sofreu após o surgimento do Pegida, movimento anti-islâmico que abalou a política alemã, com alegações de que o país está sendo invadido por muçulmanos. As passeatas realizadas às segundas-feiras atraem milhares de pessoas, e outras milhares foram às ruas em protesto contra o movimento.
"As reivindicações dos manifestantes [do Pegida] são tão pouco claras que é difícil se envolver num debate construtivo com eles", acredita Mark Arenhövel, analista político da Universidade Técnica de Dresden. É legítimo criticar e se revoltar, mas o movimento continua fortemente marcado pelo preconceito, diz.
"Talvez nós apenas tenhamos que conviver com o fenômeno e lidar com ele através da sátira. Um toque de ironia definitivamente seria bom para nossa cultura política, embora haja o risco de que ele possa levar a uma polarização ainda maior", afirma o especialista.
Dresden, localizada na antiga parte comunista do país, tem uma considerável base de eleitores da extrema direita. Esta é atribuída, em parte, a uma sensação duradoura de trauma, causada pelo ataque aéreo aliado, que destruiu a bela cidade barroca em fevereiro de 1945.
Numa eleição estadual no ano passado, quase 15% dos eleitores votaram no ultradireitista Partido Nacional Democrata da Alemanha (NPD) ou no eurocético Alternativa para a Alemanha (AfD).
"Proibição de manifestação de idiotas"
Numa aparente tentativa de cortejar a extrema direita, o Die Partei optou, em sua logomarca de campanha, por uma tipografia negra e gótica.
"Lara Liqueur é a única que pode salvar a imagem esfarrapada de Dresden", disse o líder Sonneborn. "Uma das nossas primeiras medidas será a proibição geral de manifestações de idiotas. Já existem manifestações demais no leste da Alemanha. Não foi para isso que derrubamos o Muro de Berlim."
Liqueur vê pessoas de todas as cores e credos como admiradores em potencial. "Só tenho uma mensagem para o Pegida: vote em mim. Estou concorrendo para devolver a Dresden sua dignidade", afirma a candidata. "Podemos ter cultura ao nosso redor, mas tudo é limitado a quadros e edifícios antigos. Para mim, cultura é quando 200 homens ficam bêbados e têm uma grande noite."
Segundo ela, a cidade precisa agora de muita aguardente. "É muito mais fácil falar com as pessoas quando elas já beberam umas. Você pode se sentar com qualquer pessoa de qualquer crença ou convicção política e ter uma conversa agradável."
Nenhuma pesquisa de opinião foi feita depois que Liqueur anunciou sua candidatura à prefeitura de Dresden. Parece pouco provável que a cidade, profundamente conservadora, venha a eleger uma drag queen de um partido satírico.
Mesmo assim, a jovem já está ansiosa para governar. "Até junho, eu terei 100% nas pesquisas. Mais de 100%. Você vai ver", prevê, arrumando cuidadosamente o cabelo.
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