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Nova crise política ameaça a Ucrânia

Roman Goncharenko (av)

20/02/2016 14h13

Dois anos após a troca de poder em Kiev, o país enfrenta uma nova reviravolta política. Enquanto as reformas se arrastam e a corrupção recrudesce, a coalizão de governo ucraniana se esfacela.

Agora o posto em perigo é o do primeiro-ministro Arseniy Yatsenyuk, que assumiu o poder naquela época. Na sexta-feira (19/02), rompeu-se oficialmente a coalizão governamental pró-Ocidente, com o anúncio da saída do partido Autoajuda, seguindo o exemplo recente do Pátria, da ex-premiê Yulia Timoshenko. Ambas as legendas exigem eleições antecipadas.

O tempo corre contra o Parlamento, onde os dois grupos políticos restantes em Kiev, a Frente Popular de Yatsenyuk e o Bloco Poroshenko, do presidente, não mais detêm a maioria. Caso não se forme uma nova aliança num prazo de 30 dias, Petro Poroshenko pode dissolver o Parlamento. O Partido Radical Ucraniano, populista de direita, que abandonara a coligação em agosto, almeja participar novamente do governo.

"Ainda é cedo demais para sepultar a atual coalizão", comentou à DW o especialista em política ucraniana Jaroslaw Makitra. No lugar da atual aliança de cinco partidos, especula, uma trinca política poderia assumir o governo.

Advertência ao chefe de governo

A crise no governo ucraniano se agravou na última terça-feira, quando o presidente Poroshenko propôs que Yatsenyuk renunciasse. Mas, apesar de o Parlamento ter classificado o trabalho de seu governo como "insatisfatório", surpreendentemente o primeiro-ministro saiu vitorioso na subsequente moção de desconfiança.

Em Kiev, muitos veem nisso uma advertência a Yatsenyuk, no estilo "nós podemos derrubá-lo, mas o melhor é você ir por conta própria". Pois está óbvio que houve suficientes votos por uma moção de censura. E se todos os deputados do Bloco Poroshenko votado, o chefe de governo seria obrigado a se retirar.

No entanto, mais de 20 deles se abstiveram. Para alguns parlamentares da legenda do presidente, isso é sinal de uma "contrarrevolução dos oligarcas" e de "conspiração".

A Constituição da Ucrânia é uma explicação possível: nela, o país está definido como uma democracia parlamentar, em que o premiê tem mais poder do que o chefe de Estado. Até o momento, a pressão do Ocidente evitou uma rivalidade aberta entre Poroshenko e Yatsenyuk, mas tudo indica que isso são tempos passados.

Observadores como o prestigiado jornalista de Kiev Vitali Portnikov acreditam que o presidente deseja um primeiro-ministro leal a seu lado, além do controle sobre dois ministérios-chave: o do Interior e o da Justiça, atualmente ocupados por apoiadores de Yatsenyuk.

Esperança perdida na Frente Popular

Ao ser eleito pelo Parlamento, em 27 de fevereiro de 2014, com 371 votos, Arseniy Yatsenyuk, na época com 39 anos, era visto como um arauto da esperança. Em seu discurso de posse, ele não prometeu sucessos rápidos, e denominou "kamikaze" o seu primeiro gabinete: uma tropa de suicidas políticos.

A comparação também se aplica ao segundo governo, que Yatsenyuk lidera desde dezembro de 2014. Embora consagrado como principal força política nas eleições antecipadas, sua Frente Popular perdeu rapidamente o apoio do eleitorado, apresentando cotas de apenas um dígito nas pesquisas de opinião.

Poroshenko baseou nesse fato seu apelo por uma reestruturação radical do governo. Antes, em entrevista à DW, o ex-ministro da Economia, Aivaras Abromavicius, também sugerira que o premiê deveria renunciar: "Para restabelecer a confiança perdida", disse então.

Volta aos velhos hábitos políticos

Como ativista estudantil, Yelizaveta Shchepetilnikova participou do conselho de coordenação do movimento pró-ocidental da Maidan, a Praça da Independência de Kiev, ao lado de Yatsenyuk, no inverno de 2013-2014, tão decisivo para o destino da Ucrânia.

Hoje ela estuda nos Estados Unidos, e olha com apreensão os acontecimentos em seu país. "Infelizmente estamos vivenciando um retorno às intrigas políticas." Ela se preocupa com o esfacelamento da coalizão de governo e adverte sobre o perigo de uma desestabilização.

Dois anos após a revolução da Maidan, o balanço de Shchepetilnikova é ambivalente. "De um lado, há muitos sucessos. Sobretudo a sociedade civil tem agora mais influência sobre os acontecimentos no país", reconhece a ativista. Contudo o velho sistema na política e economia continua presente. É preciso combater mais a corrupção: "Nós esperávamos mais."

Ela considera como expressão de "profundo desprezo" pelas vítimas, o fato de até hoje não ter sido esclarecido definitivamente o assassinato de dezenas de manifestantes da Praça da Independência, em 20 de fevereiro de 2014.

"Há muita gente no sistema que não quer nenhuma mudança", afirma a estudante ucraniana. Esse é certamente um dos motivos por que, na última terça-feira, o procurador geral da Ucrânia Viktor Shokin foi instado pelo presidente a renunciar, e o fez. Há meses Shokin estava sob pressão do Ocidente.

Crimeia e separatistas como problemas maiores

O balanço que analistas e observadores fazem dos novos governantes em Kiev é igualmente ambivalente. Na época economicamente abalada, a Ucrânia conseguiu se estabilizar, graças à ajuda do Ocidente. No entanto a maior parte da população sofreu uma dramática perda de qualidade de vida. Segundo dados oficiais, em 2015 a inflação circulou pelos 50%, e a economia minguou.

E, no entanto, a revolução da Maidan não era voltada apenas contra a corrupção, mas também por um futuro do país na União Europeia. Mas, com o bloco europeu em plena crise migratória sem precedentes, apenas poucos otimistas conseguem acreditar num ingresso teórico da Ucrânia na UE.

Desde o início deste ano, a zona de livre-comércio com a UE é realidade, mas deverá demorar bastante até que os ucranianos comuns se beneficiem do acordo. A única reforma palpável em direção à Europa é o fim da obrigatoriedade de visto, prometida por Poroshenko e Yatsenyuk aos cidadãos ucranianos para os próximos meses. Contudo até essa medida está agora ameaçada, já que Kiev não agiliza a aprovação das leis necessárias.

Ainda assim, ativistas como Yelizaveta Shchepetilnikova consideram que os maiores problemas nacionais são outros: a anexação da península da Crimeia, por meios questionáveis, pela Rússia; e o conflito continuado com os separatistas pró-Moscou no leste do país. Sem sua solução, a crise na Ucrânia ainda está longe de ter uma solução.