Venezuela completa 100 dias de protestos contra o governo
Centenas de milhares vão às ruas quase diariamente, exigindo a deposição de Maduro. Persistência e escala das manifestações, que já deixaram mais de 90 mortos, surpreendem especialistas. E não há fim à vista.Em 1º de abril de 2017, começou na Venezuela uma onda de protestos antigovernamentais de massa, a segunda registrada durante a presidência de Nicolás Maduro e a quarta desde o despontar da "era chavista", em 1999.Poucos dias antes do início dos protestos deste ano, seguindo ordens de Maduro, o Supremo Tribunal de Justiça despojara o Parlamento de seus poderes. Em reação, a maior aliança de partidos oposicionistas do país, a Mesa da Unidade Democrática (MUD), conclamou o povo a marchar contra o "golpe de Estado", mesmo sem o aval das autoridades pertinentes.Leia mais: Cresce temor de escalada da violência na VenezuelaNos protestos quase diários nas ruas da capital Caracas, têm sido constantes os choques violentos entre forças de segurança e manifestantes. A participação dos "colectivos", grupos paramilitares apoiados pelo regime, contribui decisivamente para o agravamento da situação. Muitos dos manifestantes mais jovens reagem à repressão policial portando máscaras contra gás, capacetes, escudos e até mesmo armas de fogo improvisadas.Estado à beira da falênciaApós 100 dias de protestos, a espiral da violência parece não ter fim. Daniel León, colaborador acadêmico do Instituto de Ciência Política da Universidade de Leipzig, faz um balanço destes três meses e dez dias de desobediência civil"É inevitável comparar estes protestos com os de 2014 e constatar em que medida se acirrou a crise nacional", afirma. "Três anos atrás, a situação social, econômica, política e institucional do país era precária. A opacidade das eleições presidenciais de 2013 mantinha a oposição exaltada, mas não havia níveis de desabastecimento e conflito, nem problemas de governabilidade como os que colocam a Venezuela a um passo de se converter num Estado falido."Os protestos continuados e até mesmo os pelo menos 90 mortos resultantes parecem não ter qualquer impacto sobre o aparato de poder venezuelano."Nem todas as manifestações dão frutos políticos a curto prazo, como ocorreu com os protestos da Euromaidan na Ucrânia, ou as revoltas de 2011 no Egito. Outros fatores desempenharam um papel importante nesses casos; por exemplo: esses países são mais sensíveis à pressão internacional do que a Venezuela", aponta León.Ainda assim, "o que os protestos conseguirão, se se mantiverem por um prazo longo, é incomodar o regime, fazendo com que os escalões baixos e médios das forças de segurança se desgastem e aumentando o custo de Maduro se aferrar ao poder", afirma o pesquisador.Sem perspectiva de fimQuando a aliança oposicionista MUD convocou aos protestos, no fim de março, não se contava que eles se prolongariam tanto assim."Por sua duração, diversidade e caráter multitudinário, eu diria que esta série de protestos tem sido uma surpresa", avalia Héctor Briceño, do Centro de Estudos do Desenvolvimento (Cendes), adjunto à Universidade Central da Venezuela."No último trimestre de 2016, quando os ânimos estavam acalorados pela anulação do referendo sobre a revogação do mandato de Maduro, a MUD pediu a seus seguidores que deixassem as ruas, a fim de possibilitar o diálogo com o governo. Essa negociação fracassou, e os líderes oposicionistas ficaram muito malvistos. Por isso, falo de uma surpresa."No entanto, a irritação com o regime Maduro parece ser bem mais forte do que a decepção com a oposição, deduz o especialista em desenvolvimento."Muita gente se mobiliza e protesta de maneira autônoma, sem atender a nem esperar pelas convocações da MUD. Até em bairros pobres, usualmente considerados bastiões chavistas, se registraram manifestações espontâneas. Pode ser que seu matiz dominante não seja político, mas não se pode subestimar o protesto social", diz.Briceño admite que, a esta altura, esperaria "desdobramentos mais numerosos da elite chavista, tanto civil como militar", em reação à dureza da repressão estatal e suas violações sistemáticas dos direitos humanos. Ele considera que a meta tácita das manifestações é o racha do chavismo, contudo o "punhado de deserções ocorridas até agora é valioso, mas insuficiente".No momento, nem Briceño nem León conseguem vislumbrar o fim dos protestos de massa na Venezuela. "A oposição não tem muitas opções na mão para fazer frente a esse tipo de governo", diz Briceño. E a população só se acalmará quando a MUD e os chavistas que renegam Maduro – os quais começam a gravitar em torno da procuradora-geral Luisa Ortega Díaz – estiverem numa posição forte para negociar a rendição do regime.
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