Putin leva conflito sírio ao patamar político
Sem Moscou, Assad não teria vencido "Estado Islâmico". Mas isso tem seu custo. Presidente russo tenta, agora, entrar no campo diplomático - e estabelecer uma nova ordem no Oriente Médio conforme os interesses russos.O presidente russo, Vladimir Putin, recebeu nesta semana o ditador sírio, Bashar al-Assad, e os líderes de Irã e Turquia, em encontros que confirmam o papel cada vez mais influente de Moscou no Oriente Médio - e a intenção de levar o conflito sírio do patamar militar ao político.
Em pauta em Sochi, no Mar Negro, esteve a guerra civil síria, que parece estar se aproximando do fim em meio aos constantes avanços obtidos contra o "Estado Islâmico" – em grande parte graças ao apoio militar russo.
Na terça-feira (21/11), na reunião com Assad, transmitida pela TV russa, a atmosfera descontraída, mas ao mesmo tempo concentrada na mesa de negociações, confirmou a impressão de uma cooperação consensual e bem-sucedida.
Foi um sinal importante para as conversas sobre a Síria, realizadas no dia seguinte também em Sochi, entre Putin e os presidentes do Irã, Hassan Rohani, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
Diante da diminuição do interesse americano pela região, Putin está incorporando cada vez mais o papel de mediador – ou novo "arquiteto" do Oriente Médio, como avaliam alguns especialistas.
Guerra em nova fase
Foi principalmente para Rohani e Erdogan que se dirigiu a observação de Putin durante o encontro com Assad, de que a guerra na Síria entra agora numa nova fase. Os esforços conjuntos na luta contra o terrorismo, afirmou o líder russo, estão chegando ao fim.
"Agora, chegou a hora de iniciar o processo político", disse Putin, ressaltando que, para tal, Assad seria o parceiro ideal. "Estou contente que você esteja disposto a trabalhar com qualquer um que queira a paz e uma solução para o conflito", afirmou o chefe do Kremlin ao ditador sírio.
Essa frase foi um ao mesmo tempo um compromisso e uma advertência: um compromisso de Putin junto a Assad e uma advertência para que o líder sírio não fracasse nos consensos e discussões a se seguir. Assad deve ter entendido o recado: ele deve a sua sobrevivência política principalmente à intervenção russa, pois sem as armas e as forças militares de Moscou, ele já teria deixado o poder há anos.
Foi por isso que Assad também aceitou que a Rússia tentasse realizar em Sochi, em 18 de novembro último, um "Congresso Sírio para o Diálogo Nacional". Um total de 33 grupos e partidos políticos da Síria chegou a ser convidado, inclusive das fileiras da oposição – um sinal claro de que a Rússia está disposta a levar o conflito para o nível político.
Para Moscou, esse passo é um enorme alívio militar e econômico. De acordo com o jornal Krasnaya Zvezda, publicado pelo Ministério da Defesa em Moscou, a Força Aérea russa realizou quase 31 mil voos sobre o espaço aéreo sírio até 20 de setembro deste ano, efetuando 92 mil ataques aéreos.
Esse engajamento saiu caro para a Rússia. De acordo com a agência russa de notícias Tas, entre setembro de 2015 e meados de março de 2016, cada dia de missão custou aos cofres russos 2,8 milhões de dólares. Isso explica, em parte, o interesse de Putin em pacificar a Síria – e explica por que ele queria convidar tantos grupos de oposição.
Interesses turcos
O fato de o encontro não ter se realizado não foi culpa do governo sírio, mas do turco. Também foram convidados o curdo Partido da União Democrática (PYD) e as suas aliadas Unidades de Proteção Popular (YPG).
Em Ancara, eles são considerados uma extensão do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), tido na Turquia como uma organização terrorista. O porta-voz de Erdogan, Ibrahim Kalin, declarou que a participação dessas organizações na conferência seria "inaceitável". A Rússia então cancelou o evento.
Nesse ponto, turcos e iranianos estão de acordo. Também em Teerã não se quer dar aos curdos um papel importante. "É de se esperar que os países que participaram da intervenção na Síria persigam, em última análise, os seus próprios interesses estratégicos, sem considerar se isso prejudica ou não o povo sírio", explicou o ex-embaixador holandês na Turquia, Nikolaos van Dam, à revista online Al-Monitor.
Mas, pelo menos nos pontos não controversos, a Rússia parece estar determinada a assegurar o processo político. No mesmo dia em que recebeu Assad, Putin falou ao telefone com o presidente americano, Donald Trump, com o rei Salman da Arábia Saudita, com o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e com Erdogan.
As conversas com os chefes de Estado e governo deverão, provavelmente, fortalecer o mandato de mediador de Putin, escreveu o analista político Abdel Bari Atwan no jornal online Rai al-Youm. Acima de tudo, porém, Putin deverá reorganizar parcialmente o Oriente Médio conforme os interesses russos – com consequências muito além da Síria.
"Putin atraiu o presidente Erdogan na direção do interesse russo e, portanto, para longe da Europa e da Otan. Ele deixou claro que os interesses turcos se encontram nas relações com Irã, Síria, Rússia, Iraque e Egito – e não na proximidade com Washington, Londres, Paris e Bruxelas", apontou o analista político.
A violência militar na Síria está chegando ao fim. E, aparentemente, os sírios não deveriam ter muita esperança de autonomia. As forças de intervenção dos tempos de guerra continuam presentes no país: se não militarmente, de forma política.
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Em pauta em Sochi, no Mar Negro, esteve a guerra civil síria, que parece estar se aproximando do fim em meio aos constantes avanços obtidos contra o "Estado Islâmico" – em grande parte graças ao apoio militar russo.
Na terça-feira (21/11), na reunião com Assad, transmitida pela TV russa, a atmosfera descontraída, mas ao mesmo tempo concentrada na mesa de negociações, confirmou a impressão de uma cooperação consensual e bem-sucedida.
Foi um sinal importante para as conversas sobre a Síria, realizadas no dia seguinte também em Sochi, entre Putin e os presidentes do Irã, Hassan Rohani, e da Turquia, Recep Tayyip Erdogan.
Diante da diminuição do interesse americano pela região, Putin está incorporando cada vez mais o papel de mediador – ou novo "arquiteto" do Oriente Médio, como avaliam alguns especialistas.
Guerra em nova fase
Foi principalmente para Rohani e Erdogan que se dirigiu a observação de Putin durante o encontro com Assad, de que a guerra na Síria entra agora numa nova fase. Os esforços conjuntos na luta contra o terrorismo, afirmou o líder russo, estão chegando ao fim.
"Agora, chegou a hora de iniciar o processo político", disse Putin, ressaltando que, para tal, Assad seria o parceiro ideal. "Estou contente que você esteja disposto a trabalhar com qualquer um que queira a paz e uma solução para o conflito", afirmou o chefe do Kremlin ao ditador sírio.
Essa frase foi um ao mesmo tempo um compromisso e uma advertência: um compromisso de Putin junto a Assad e uma advertência para que o líder sírio não fracasse nos consensos e discussões a se seguir. Assad deve ter entendido o recado: ele deve a sua sobrevivência política principalmente à intervenção russa, pois sem as armas e as forças militares de Moscou, ele já teria deixado o poder há anos.
Foi por isso que Assad também aceitou que a Rússia tentasse realizar em Sochi, em 18 de novembro último, um "Congresso Sírio para o Diálogo Nacional". Um total de 33 grupos e partidos políticos da Síria chegou a ser convidado, inclusive das fileiras da oposição – um sinal claro de que a Rússia está disposta a levar o conflito para o nível político.
Para Moscou, esse passo é um enorme alívio militar e econômico. De acordo com o jornal Krasnaya Zvezda, publicado pelo Ministério da Defesa em Moscou, a Força Aérea russa realizou quase 31 mil voos sobre o espaço aéreo sírio até 20 de setembro deste ano, efetuando 92 mil ataques aéreos.
Esse engajamento saiu caro para a Rússia. De acordo com a agência russa de notícias Tas, entre setembro de 2015 e meados de março de 2016, cada dia de missão custou aos cofres russos 2,8 milhões de dólares. Isso explica, em parte, o interesse de Putin em pacificar a Síria – e explica por que ele queria convidar tantos grupos de oposição.
Interesses turcos
O fato de o encontro não ter se realizado não foi culpa do governo sírio, mas do turco. Também foram convidados o curdo Partido da União Democrática (PYD) e as suas aliadas Unidades de Proteção Popular (YPG).
Em Ancara, eles são considerados uma extensão do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), tido na Turquia como uma organização terrorista. O porta-voz de Erdogan, Ibrahim Kalin, declarou que a participação dessas organizações na conferência seria "inaceitável". A Rússia então cancelou o evento.
Nesse ponto, turcos e iranianos estão de acordo. Também em Teerã não se quer dar aos curdos um papel importante. "É de se esperar que os países que participaram da intervenção na Síria persigam, em última análise, os seus próprios interesses estratégicos, sem considerar se isso prejudica ou não o povo sírio", explicou o ex-embaixador holandês na Turquia, Nikolaos van Dam, à revista online Al-Monitor.
Mas, pelo menos nos pontos não controversos, a Rússia parece estar determinada a assegurar o processo político. No mesmo dia em que recebeu Assad, Putin falou ao telefone com o presidente americano, Donald Trump, com o rei Salman da Arábia Saudita, com o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e com Erdogan.
As conversas com os chefes de Estado e governo deverão, provavelmente, fortalecer o mandato de mediador de Putin, escreveu o analista político Abdel Bari Atwan no jornal online Rai al-Youm. Acima de tudo, porém, Putin deverá reorganizar parcialmente o Oriente Médio conforme os interesses russos – com consequências muito além da Síria.
"Putin atraiu o presidente Erdogan na direção do interesse russo e, portanto, para longe da Europa e da Otan. Ele deixou claro que os interesses turcos se encontram nas relações com Irã, Síria, Rússia, Iraque e Egito – e não na proximidade com Washington, Londres, Paris e Bruxelas", apontou o analista político.
A violência militar na Síria está chegando ao fim. E, aparentemente, os sírios não deveriam ter muita esperança de autonomia. As forças de intervenção dos tempos de guerra continuam presentes no país: se não militarmente, de forma política.
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