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Papa intercede pelos rohingya em Mianmar

Rodion Ebbighausen

27/11/2017 09h43

Em visita a países com pouca presença católica, Francisco busca interceder na crise migratória da minoria muçulmana. Para evitar controvérsias, líder da Igreja Católica é aconselhado a evitar o termo rohingya.

A viagem do papa Francisco a Mianmar e Bangladesh, nesta segunda-feira (27), transcorre em momento turbulento na região, principalmente devido à crise dos rohingyas. A violência e o consequente deslocamento enfrentados pela minoria muçulmana, que comumente habita o norte do estado de Rakhine, no noroeste de Mianmar, foram alvos de um minucioso escrutínio em todo o mundo.

Em agosto último, a violência voltou a assolar a região, depois que o Exército da Salvação Arakan Rohingya (Arsa) invadiu vários postos policiais e matou 12 pessoas, segundo dados do governo local. A Arsa afirmou ter agido para garantir os direitos da minoria.

A reação das Forças Armadas de Minamar foi rápida e brutal. Desde o lançamento de seu contra-ataque, cerca de 600 mil rohingyas fugiram para a vizinha Bangladesh. A ONU e organizações dos direitos humanos como a Anistia Internacional falam de limpeza étnica e acusam soldados de "crimes contra a humanidade", inclusive assassinando, estuprando e queimando aldeias inteiras. Os militares, no entanto, negam veementemente ter cometido atrocidades contra a minoria rohingya.

O papa Francisco, que tem se mostrado forte defensor dos direitos humanos, pediu repetidamente solidariedade com os membros de uma das comunidades mais perseguidas no mundo. Em agosto, ele pediu o fim da violência e "direitos completos" para a minoria muçulmana, invocando sua "plena proximidade com nossos irmãos e irmãs rohingyas perseguidos".

Rohingya ou muçulmanos do estado de Rakhine?

Antes da visita papal, o arcebispo de Yangun, Charles Maung Bo, encontrou-se com o papa em Roma e recomendou que o líder da Igreja Católica não usasse o polêmico termo "Rohingya" em Mianmar. Em vez disso, foi sugerido que o papa Francisco use "muçulmanos do estado de Rakhine", para evitar controvérsias.

Grande parte da maioria budista de Mianmar rejeita o termo "rohingya" e se recusa a reconhecê-los como um grupo étnico ou como cidadãos de Myanmar. Mesmo o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, vencedor do Prêmio Nobel da Paz e autor de um relatório da comissão consultiva sobre o estado de Rakhine, indicou que o papa não deveria usar o termo.

Grupos de direitos humanos, em contrapartida, instaram Francisco a levantar a questão durante sua visita. "Para os rohingyas, muito pouco sobrou além de seu nome, após anos de apatridia, restrições discriminatórias do direito de deslocação e do acesso a serviços sociais essenciais, além de serem alvos de um exército que os submeteu a limpeza étnica e a atrocidades", disse Phil Robertson, vice-diretor da Human Rights Watch (HRW) na Ásia. "O papa definitivamente deve defender os rohingyas usando o nome 'rohingya'."

Ato de equilíbrio

Não está claro se o papa Francisco vai seguir ou não o conselho de usar um termo como "muçulmanos do estado de Rakhine". O Vaticano não faz comentários sobre discursos papais antes das viagens. A Rádio Vaticano citou arcebispo de Yangun dizendo que a visita papal se concentrará em especial na coexistência pacífica de diferentes comunidades religiosas.

Há anos a situação social em Mianmar é intranquila. O arcebispo Bo enfatizou que o papa pode ajudar a acabar com a espiral da violência. Tendo isso em vista, aconselhou-o a se encontrar com o chefe do Exército de Mianmar, o general Min Aung Hlaing. Como comandante supremo das Forças Armadas, o general possui um tremendo poder e exerce um impacto significativo na política do país.

"Por 60 anos, a Igreja não teve nenhum diálogo com o Exército. E agora que começou um relacionamento, esperamos que o diálogo melhore", disse Bo. Por fim, o arcebispo aconselhou o papa a encontrar-se com birmaneses influentes que trabalham em prol do diálogo e da harmonia inter-religiosa.

Paz e amor

O lema da visita papal é "paz e amor". O símbolo da jornada, designado pela Igreja Católica, mostra o papa com uma pomba da paz ao lado de um esboço do país asiático nas cores do arco-íris, representando a diversidade étnica e religiosa; tudo cercado pelas bandeiras do Vaticano e de Mianmar em formas de coração.

Os católicos são uma das menores comunidades religiosas de Mianmar, representando apenas 1,2% (660 mil) da população do país, de 53 milhões. Até então foi divulgado que o papa se encontrará com o presidente de Mianmar, Htin Kyaw, e a conselheira do Estado, Aung San Suu Kyi. Depois de um encontro ecumênico de paz interreligiosa, entre outros eventos com monges budistas, uma missa pública está prevista para a quarta. Em seguida Francisco segue para Bangladesh.

Católicos bengalis sob ameaça

Bangladesh tem sido palco de repetidos incidentes de violência contra católicos, nos últimos anos. Em 2001, muçulmanos radicais detonaram uma bomba numa missa, causando nove mortes. Entre 2014 e 2016, houve numerosos ataques violentos, em que casas de católicos foram incendiadas e sacerdotes, atacados.

"A situação atual enfrentada pelos católicos em Bangladesh é difícil, mas estável", assegurou à DW Rana Dasgupta, advogada que comanda uma organização representante das comunidades religiosas minoritárias de Bangladesh. "Mas tenho medo de que a situação piore quatro ou cinco meses antes das eleições."

As eleições gerais estão agendadas para o fim do próximo ano. Nas semanas anteriores aos pleitos dos últimos anos, sempre houve um aumento da violência contra minorias. Dasgupta espera que a visita do papa Francisco incentive a compreensão e a compaixão entre as diversas comunidades religiosas, sobretudo num momento em que extremistas parecem ganhar força na sociedade.

A comunidade católica em Bangladesh é ainda menor do que a de Mianmar, com apenas 375 mil adeptos – cerca de 0,2% da população total de 165 milhões. No país do sul asiático, o líder da Igreja Católica deve visitar memoriais em homenagem aos mártires da guerra de libertação de Bangladesh de 1971. Ele também se reunirá com o presidente Abdul Hamid, e o primeiro-ministro Sheikh Hasina. No fim da viagem, está agendado um encontro com clérigos, bem como uma visita ao orfanato das monjas de Madre Teresa, na capital Dhaka.