O que mudou na indústria têxtil de Bangladesh cinco anos após tragédia
Desabamento do edifício Rana Plaza deixou mais de mil mortos e se tornou símbolo da exploração inescrupulosa no setor. Desde então, iniciativas voluntárias tentam melhorar proteção dos funcionários no local de trabalho.Há cinco anos, no dia 24 de abril de 2013, 1.135 pessoas morreram após o desabamento do edifício Rana Plaza, prédio que abrigava fábricas têxteis na periferia de Daca, em Bangladesh. Quase 2.500 funcionários ficaram feridos e até hoje sofrem as consequências da tragédia. O imóvel deveria ter sido interditado no dia anterior ao colapso por causa de fissuras na estrutura, mas os proprietários das fábricas obrigaram mulheres e homens a irem trabalhar.
"Eles não queriam chamar isso de indenização porque não queriam assumir a responsabilidade", denuncia Kalpona Akter, fundadora do Centro de Solidariedade dos Trabalhadores de Bangladesh, uma das organizações de direitos trabalhistas mais conhecidas do país asiático.
"Quando começamos a fazer as nossas reivindicações, exigimos 71 milhões de dólares em indenizações. No final, chegamos a 30 milhões para todas as vítimas porque tivemos de abdicar das indenizações por danos morais", lembra a ativista. Akter viajou à Alemanha por ocasião dos cinco anos da catástrofe para relatar sobre as condições da indústria têxtil em Bangladesh.
Leia também: É possível comprar roupas de Bangladesh sem culpa?
"Ainda assim, o Rana Plaza é um exemplo que as vítimas também conseguem fazer valer seus direitos", afirma Bernd Hinzmann, da rede de desenvolvimento alemã Inkota, uma associação de organizações e iniciativas críticas da globalização. Há anos, a rede se empenha na aliança internacional Clean Clothes Campaign (Campanha Roupas Limpas, em tradução livre), maior associação de sindicatos e organizações não-governamentais da indústria da moda.
"Devido a uma campanha internacional de longo prazo, foi possível conseguir o estabelecimento de um modelo padrão de cálculo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, vítimas e suas famílias obtiveram indenizações", explica Hinzmann.
Depois da catástrofe do Rana Plaza, criou-se um fundo internacional, o Rana Plaza Donors Trust Fund (Fundo Fiduciário de Doadores Rana Plaza, em tradução livre). Porém, a participação era voluntária e apenas uma parte das empresas que tinham suas produções no Rana Plaza contribuiu.
Por outro lado, o fundo foi aberto também para contribuições solidárias de outras empresas, organizações e pessoas físicas. No dia 8 de junho de 2015, mais de dois anos depois da tragédia, a OIT finalmente anunciou que o objetivo de 30 milhões de dólares para indenizar as vítimas tinha sido atingido.
Segundo Hinzmann, não existe uma indenização garantida pelo Estado ou tratamento médico para os sobreviventes em Bangladesh. "Esta é uma grande lacuna em vários países, não apenas em Bangladesh. Não existe uma legislação nacional, seguro contra acidentes ou seguro desemprego", afirma o especialista.
Aliança por produtos têxteis sustentáveis
Na Alemanha, o ministro do Desenvolvimento Gerd Müller criou a Aliança para Produtos Têxteis Sustentáveis pouco depois da catástrofe. Desde então, empresas, sindicatos, associações e representantes do governo se encontram regularmente com o objetivo de melhorar os padrões sociais e ecológicos na produção têxtil mundial.
Mesmo que a aliança tenha sido criticada por causa das despesas com a burocracia, a iniciativa conseguiu causar uma mudança de comportamento, afirma Hinzmann. Quando a população protestou por salários mínimos em Bangladesh em 2016, por exemplo, líderes sindicais foram presos de maneira direcionada e centrais sindicais foram fechadas.
"Precisamos reagir a partir da aliança por produtos têxteis sustentáveis", diz Hinzmann. "Foi interessante que, naquele momento, a opinião de que aquelas ações foram antidemocráticas foi unânime – também entre os representantes das empresas."
Fim do prazo para inspeções de segurança
Depois da tragédia do Rana Plaza e com pressão política maciça, foi estabelecido um acordo entre fábricas e sindicatos para a prevenção de incêndios e a garantia de segurança de edifícios. O "Bangladesh Accord" (Acordo de Bangladesh) obriga empresas têxteis nacionais e internacionais que produzem no país a se submeterem a controles regulares da segurança e da estrutura anti-incêndio.
"Realizaram todas as inspeções de segurança e encontraram mais de 130 mil problemas que, nesse meio tempo, já foram solucionados", relata Akter. "Isso vale para as 1600 fábricas que assinaram o acordo de prevenção contra incêndios e segurança. Mas existem mais de 4500 fábricas no país inteiro", pondera. A ativista calcula que o acordo proteja cerca de metade de um total de quatro milhões de funcionários da indústria têxtil de Bangladesh.
O acordo, válido por cinco anos, deverá ser substituído por um novo pacto, mais amplo. O "Bangladesh Accord", que foi assinado por mais de 200 empresas, expira em maio deste ano. "Pleiteamos que as empresas assinem também o acordo de 2018 para que as melhorias sejam contínuas", destaca Hinzmann.
O novo acordo deverá, por exemplo, conter um mecanismo de denúncias e deverá valer não só para os produtores de vestuário, mas para as fábricas de outros produtos têxteis. Segundo o site da iniciativa, mais de 140 empresas e dois sindicatos assinaram o novo pacto.
Medidas voluntárias são insuficientes
Em última instância, diz Hinzmann, as experiências mostram que, até agora, medidas voluntárias não são suficientes para regular a segurança no trabalho, padrões sociais e consequências de acidentes.
"É que, finalmente, o Rana Plaza iniciou algo como uma convocação. Outras catástrofes, como o incêndio na fábrica têxtil Tazreen [em 2012, que matou ao menos 111 funcionários em Bangladesh] e na Ali Enterprises [no Paquistão, também em 2012, vitimando 254 pessoas], também aconteceram. Nos anos seguintes [ao Rana Plaza], houve explosões em fábricas têxteis porque, por exemplo, o controle de sistemas de caldeiras não é parte desse acordo", relembra.
Por isso, Hinzmann exige regras vinculantes que valham não apenas para as fábricas locais, mas também para as empresas cujos produtos são fabricados a baixo custo em Bangladesh. "Precisamos de um quadro legal, nos moldes do que foi formulado pela União Europeia. Trata-se de implementar uma proteção vinculante, obrigatória e legal aos direitos humanos no local de trabalho", explica.
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A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App | Instagram
"Eles não queriam chamar isso de indenização porque não queriam assumir a responsabilidade", denuncia Kalpona Akter, fundadora do Centro de Solidariedade dos Trabalhadores de Bangladesh, uma das organizações de direitos trabalhistas mais conhecidas do país asiático.
"Quando começamos a fazer as nossas reivindicações, exigimos 71 milhões de dólares em indenizações. No final, chegamos a 30 milhões para todas as vítimas porque tivemos de abdicar das indenizações por danos morais", lembra a ativista. Akter viajou à Alemanha por ocasião dos cinco anos da catástrofe para relatar sobre as condições da indústria têxtil em Bangladesh.
Leia também: É possível comprar roupas de Bangladesh sem culpa?
"Ainda assim, o Rana Plaza é um exemplo que as vítimas também conseguem fazer valer seus direitos", afirma Bernd Hinzmann, da rede de desenvolvimento alemã Inkota, uma associação de organizações e iniciativas críticas da globalização. Há anos, a rede se empenha na aliança internacional Clean Clothes Campaign (Campanha Roupas Limpas, em tradução livre), maior associação de sindicatos e organizações não-governamentais da indústria da moda.
"Devido a uma campanha internacional de longo prazo, foi possível conseguir o estabelecimento de um modelo padrão de cálculo pela Organização Internacional do Trabalho (OIT). Assim, vítimas e suas famílias obtiveram indenizações", explica Hinzmann.
Depois da catástrofe do Rana Plaza, criou-se um fundo internacional, o Rana Plaza Donors Trust Fund (Fundo Fiduciário de Doadores Rana Plaza, em tradução livre). Porém, a participação era voluntária e apenas uma parte das empresas que tinham suas produções no Rana Plaza contribuiu.
Por outro lado, o fundo foi aberto também para contribuições solidárias de outras empresas, organizações e pessoas físicas. No dia 8 de junho de 2015, mais de dois anos depois da tragédia, a OIT finalmente anunciou que o objetivo de 30 milhões de dólares para indenizar as vítimas tinha sido atingido.
Segundo Hinzmann, não existe uma indenização garantida pelo Estado ou tratamento médico para os sobreviventes em Bangladesh. "Esta é uma grande lacuna em vários países, não apenas em Bangladesh. Não existe uma legislação nacional, seguro contra acidentes ou seguro desemprego", afirma o especialista.
Aliança por produtos têxteis sustentáveis
Na Alemanha, o ministro do Desenvolvimento Gerd Müller criou a Aliança para Produtos Têxteis Sustentáveis pouco depois da catástrofe. Desde então, empresas, sindicatos, associações e representantes do governo se encontram regularmente com o objetivo de melhorar os padrões sociais e ecológicos na produção têxtil mundial.
Mesmo que a aliança tenha sido criticada por causa das despesas com a burocracia, a iniciativa conseguiu causar uma mudança de comportamento, afirma Hinzmann. Quando a população protestou por salários mínimos em Bangladesh em 2016, por exemplo, líderes sindicais foram presos de maneira direcionada e centrais sindicais foram fechadas.
"Precisamos reagir a partir da aliança por produtos têxteis sustentáveis", diz Hinzmann. "Foi interessante que, naquele momento, a opinião de que aquelas ações foram antidemocráticas foi unânime – também entre os representantes das empresas."
Fim do prazo para inspeções de segurança
Depois da tragédia do Rana Plaza e com pressão política maciça, foi estabelecido um acordo entre fábricas e sindicatos para a prevenção de incêndios e a garantia de segurança de edifícios. O "Bangladesh Accord" (Acordo de Bangladesh) obriga empresas têxteis nacionais e internacionais que produzem no país a se submeterem a controles regulares da segurança e da estrutura anti-incêndio.
"Realizaram todas as inspeções de segurança e encontraram mais de 130 mil problemas que, nesse meio tempo, já foram solucionados", relata Akter. "Isso vale para as 1600 fábricas que assinaram o acordo de prevenção contra incêndios e segurança. Mas existem mais de 4500 fábricas no país inteiro", pondera. A ativista calcula que o acordo proteja cerca de metade de um total de quatro milhões de funcionários da indústria têxtil de Bangladesh.
O acordo, válido por cinco anos, deverá ser substituído por um novo pacto, mais amplo. O "Bangladesh Accord", que foi assinado por mais de 200 empresas, expira em maio deste ano. "Pleiteamos que as empresas assinem também o acordo de 2018 para que as melhorias sejam contínuas", destaca Hinzmann.
O novo acordo deverá, por exemplo, conter um mecanismo de denúncias e deverá valer não só para os produtores de vestuário, mas para as fábricas de outros produtos têxteis. Segundo o site da iniciativa, mais de 140 empresas e dois sindicatos assinaram o novo pacto.
Medidas voluntárias são insuficientes
Em última instância, diz Hinzmann, as experiências mostram que, até agora, medidas voluntárias não são suficientes para regular a segurança no trabalho, padrões sociais e consequências de acidentes.
"É que, finalmente, o Rana Plaza iniciou algo como uma convocação. Outras catástrofes, como o incêndio na fábrica têxtil Tazreen [em 2012, que matou ao menos 111 funcionários em Bangladesh] e na Ali Enterprises [no Paquistão, também em 2012, vitimando 254 pessoas], também aconteceram. Nos anos seguintes [ao Rana Plaza], houve explosões em fábricas têxteis porque, por exemplo, o controle de sistemas de caldeiras não é parte desse acordo", relembra.
Por isso, Hinzmann exige regras vinculantes que valham não apenas para as fábricas locais, mas também para as empresas cujos produtos são fabricados a baixo custo em Bangladesh. "Precisamos de um quadro legal, nos moldes do que foi formulado pela União Europeia. Trata-se de implementar uma proteção vinculante, obrigatória e legal aos direitos humanos no local de trabalho", explica.
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