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Em construção há 30 anos, Ferrovia Norte-Sul é parábola do que deu errado no país

Alexander Busch*

01/08/2018 06h22Atualizada em 27/03/2019 15h28

Planejada para interligar o Pará ao Rio Grande do Sul, a Ferrovia Norte-Sul está em construção há mais de 30 anos. Sua história é uma parábola sobre o que deu errado no Brasil.

A coluna do dia 13 de maio de 1987 publicada na "Folha de S. Paulo" soou como uma bomba. Nela, o jornalista Jânio de Freitas afirmava que os vencedores da licitação para a construção da ferrovia já eram conhecidos no dia anterior. Ele pôde provar isso com um simples truque: nos classificados, ele havia listado dias antes as 18 construtoras e suas rotas designadas num anúncio.

A informação havia sido vazada para ele por um informante. Com a publicação disfarçada, Freitas queria evitar que o edital de concorrência fosse simplesmente interrompido, e o escândalo, abafado.

O total da encomenda girava em torno de US$ 2,5 bilhões. Na época, tratava-se de uma das maiores licitações de projeto ferroviário do mundo. Com uma extensão de 4.500 quilômetros, a linha férrea deveria interligar as minas e as fazendas do interior brasileiro com os portos na Região Amazônica e a aglomeração industrial em torno de São Paulo, até o sul do país.

A revelação de Freitas foi celebrada no Brasil como uma vitória da seleção. Os militares acabavam de deixar o poder, e a censura de anos havia sido abolida. O furo jornalístico de Freitas mostrou que a mídia não havia perdido a sua ferocidade como quarto poder após os anos de chumbo.

Três décadas depois, pode-se dizer: a euforia mostrou-se prematura. O processo de licitação foi suspenso um ano depois. Ninguém foi condenado ou mesmo preso. A Ferrovia Norte-Sul ainda não está terminada. É uma parábola do que deu errado no Brasil e do porquê de esta terra tupiniquim continuar a ser -80 anos após o surgimento do epíteto cunhado por Stefan Zweig- "O país do futuro".

Vinte anos e quatro presidentes após a coluna de Freitas, foi inaugurado um primeiro trecho com a modesta extensão de 215 quilômetros. O presidente n° 5 inaugurou, em 2007, uma rota de 720 quilômetros em direção ao norte. Ela interliga fazendas e fábricas de celulose com a Amazônia. Nos trens de 80 vagões cabe tanta soja quanto em 200 caminhões.

Assim, raramente o trecho ferroviário fica sobrecarregado. Colocar mais volume de cargas sobre os trilhos não seria nenhum problema. A estrada de ligação para o sul foi concluída há quatro anos. No entanto, no trecho de 855 quilômetros, as estações de traslado foram "esquecidas". Ou seja, até hoje circulam para lá somente trens de teste. Da parte sul da ferrovia, 90% estão supostamente prontos. A conexão com São Paulo deveria ficar pronta em 2018. Mas, com a crise no Brasil, vai atrasar.

Conclusão: dos planejados 4.500 quilômetros de trilhos, foram colocados 1.575 quilômetros, que pouco são utilizados. Isso também se deve ao fato de a organização da Ferrovia Norte-Sul ter sido erroneamente assentada desde o início: uma empresa estatal chamada Valec operava as ferrovias. Ela também estabelecia as tarifas que os agricultores e comerciantes deveriam pagar pelo frete. E, finalmente, a empresa também funcionava como órgão de supervisão. Ou seja, ela era responsável por sua auditoria.

Para os grandes agricultores e comerciantes, a concentração de poder era suspeita. Eles continuaram a apostar nos caminhões para levar a sua produção aos portos. Atualmente, o presidente de longa data da Valec, como também seu filho, estão atrás das grades. Eles foram condenados a anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de cartel.

Também as construtoras que jogaram com cartas sujas no primeiro escândalo há 31 anos estão novamente envolvidas no grande escândalo de corrupção no Brasil. Elas se chamam Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Mendes Jr.

Se elas tivessem sido condenadas na época, disse Freitas no ano passado, durante o 30° aniversário do furo jornalístico, as relações entre as construtoras, o Estado e a política teriam se desenvolvido de forma diferente. Uma riqueza incalculável foi perdida para os brasileiros nessas três décadas, que poderia ter sido usada na educação, saúde, moradia e segurança.

*Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.