O Brasil na imprensa alemã (24/10)
Discurso de Jair Bolsonaro exaltando figura do coronel Ustra, que dirigiu centro de tortura durante ditadura, foi destaque. Jornais também apontam erros da esquerda e compra de mensagens no Whatsapp.Süddeutsche Zeitung – O modelo terrível de Bolsonaro, 24/10/2018
Quando Jair Bolsonaro se dirigiu à tribuna para votar a favor do impeachment da presidente de esquerda Dilma Rousseff, em 2016, disse diante dos deputados que dedicava seu voto ao coronel Alberto Brilhante Ustra. O que, naquela altura, foi minimizado como uma observação insana de um cínico deputado de pouca importância, hoje faz gelar o sangue nas veias de muitos brasileiros de orientação democrática.
No próximo domingo (28/10), Bolsonaro provavelmente será eleito o próximo presidente. Aquele que ele elogiou publicamente era um notório torturador. Os homens de Ustra torturaram muitos opositores durante a ditadura militar brasileira, incluindo Dilma Rousseff, que se tornaria presidente.
Com frequência, Bolsonaro descreve essa ditadura – que durou quase vinte anos – como uma espécie de modelo. Essa semana mesmo ele anunciou "limpezas" de opositores políticos no país. Não há dúvida: os planos desse homem são radicais.
Os coronéis que tomaram o poder em 1964 no Brasil também se autodenominavam "revolucionários". E a situação de partida se assemelhava à atual. Anos antes, o país havia se polarizado extremamente entre esquerda e direita. Governava o presidente esquerdista João Goulart, que apostava no apoio das massas pobres, mas não conseguia conter a crise econômica e a inflação.
Quem ficou teve de contar com perseguição e prisão, como o jornalista e político Carlos Lacerda – ou a então estudante Dilma Rousseff. Ela e muitos outros foram torturados pelos homens do coronel Ustra. Ele chefiava o DOI-Codi. A tortura era sistemática. Mais tarde, as vítimas relataram o sofrimento imputado com instrumentos como cadeiras elétricas e pau de arara, enquanto jovens soldados assistiam "com fins educativos".
Sob o ex-presidente Lula, houve tímidas tentativas de reconstituir os crimes da ditadura. Em 2008, uma Comissão da Verdade declarou Ustra um torturador. Com o fim da era da esquerda, essas tentativas também deverão acabar.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – Endosso de empresários ricos, 22/10/2018
E agora, uma semana antes do segundo turno, o demônio está à solta. Segundo pesquisa do diário Folha de S. Paulo, empresas especializadas foram incumbidas com a disseminação em massa de mensagens e notícias falsas para impulsionar a campanha de Bolsonaro.
As revelações também não deverão influenciar o resultado da eleição no próximo domingo. Entre outras coisas, Bolsonaro disse que não precisa de informações falsas para vencer Haddad, que a verdade basta. Provavelmente, ele tem razão. A rejeição ao PT de Haddad, partido ainda controlado da prisão pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado após acusações de corrupção, aparenta ser maior no Brasil do que a rejeição a Bolsonaro, que exalta a ditadura militar e deseja que o país volte a ser o dos anos 1960. Mas Haddad finalmente encontrou algo com que arranhar a imagem de moralista de Bolsonaro – e, ao mesmo tempo, justificar sua ameaça de derrota: a culpa é do Whatsapp e da disseminação de informações falsas.
Die Tageszeitung – Os erros da esquerda, 22/10/2018
Quando pregadores e generais definem o rumo da marcha do governo, essa acaba sendo uma perspectiva muito perigosa para a democracia. Essa tendência não existe apenas no Brasil. Mas, se vencer lá, poderá se fixar em toda a região.
Esse risco ainda é reforçado pelo golpe que a derrota do PT significa para todas as forças de esquerda e progressistas da América Latina. Uma derrota que não foi sofrida apenas nas urnas eleitorais, mas principalmente no plano ideológico e moral.
Não faz muitos anos que, na região, o PT representava uma alternativa prudente, inteligente e bem-sucedida àqueles governos de esquerda cujos resultados hoje são visíveis na Venezuela. Mas, de lá para cá, a direita latino-americana pôde consolidar a interpretação de que o PT é um exemplo flagrante de "populismo", incuravelmente corrupto e ineficiente.
O pior é que parte disso é até verdade. Os governos de Lula e Rousseff até exerceram uma política que se diferenciava da de seus antecessores. Mas eles mesmos não conseguiram ser radicalmente diferentes. Isso teria incluído colocar um fim à corrupção endêmica na política brasileira e realizar reformas estruturais progressivas em áreas chave como o sistema judiciário e os meios de comunicação de massa.
Principalmente por causa disso, eles não conseguiram modificar a consciência social cultural e ideologicamente. Os sucessos no combate à pobreza e à fome não causaram uma transformação na consciência. Hoje em dia, eles pagam exatamente por essa carência. Mas os custos recaem não apenas sobre os brasileiros, mas sobre a esquerda em toda a América Latina.
RK/ots
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
| WhatsApp | App | Instagram | Newsletter
Quando Jair Bolsonaro se dirigiu à tribuna para votar a favor do impeachment da presidente de esquerda Dilma Rousseff, em 2016, disse diante dos deputados que dedicava seu voto ao coronel Alberto Brilhante Ustra. O que, naquela altura, foi minimizado como uma observação insana de um cínico deputado de pouca importância, hoje faz gelar o sangue nas veias de muitos brasileiros de orientação democrática.
No próximo domingo (28/10), Bolsonaro provavelmente será eleito o próximo presidente. Aquele que ele elogiou publicamente era um notório torturador. Os homens de Ustra torturaram muitos opositores durante a ditadura militar brasileira, incluindo Dilma Rousseff, que se tornaria presidente.
Com frequência, Bolsonaro descreve essa ditadura – que durou quase vinte anos – como uma espécie de modelo. Essa semana mesmo ele anunciou "limpezas" de opositores políticos no país. Não há dúvida: os planos desse homem são radicais.
Os coronéis que tomaram o poder em 1964 no Brasil também se autodenominavam "revolucionários". E a situação de partida se assemelhava à atual. Anos antes, o país havia se polarizado extremamente entre esquerda e direita. Governava o presidente esquerdista João Goulart, que apostava no apoio das massas pobres, mas não conseguia conter a crise econômica e a inflação.
Quem ficou teve de contar com perseguição e prisão, como o jornalista e político Carlos Lacerda – ou a então estudante Dilma Rousseff. Ela e muitos outros foram torturados pelos homens do coronel Ustra. Ele chefiava o DOI-Codi. A tortura era sistemática. Mais tarde, as vítimas relataram o sofrimento imputado com instrumentos como cadeiras elétricas e pau de arara, enquanto jovens soldados assistiam "com fins educativos".
Sob o ex-presidente Lula, houve tímidas tentativas de reconstituir os crimes da ditadura. Em 2008, uma Comissão da Verdade declarou Ustra um torturador. Com o fim da era da esquerda, essas tentativas também deverão acabar.
Frankfurter Allgemeine Zeitung – Endosso de empresários ricos, 22/10/2018
E agora, uma semana antes do segundo turno, o demônio está à solta. Segundo pesquisa do diário Folha de S. Paulo, empresas especializadas foram incumbidas com a disseminação em massa de mensagens e notícias falsas para impulsionar a campanha de Bolsonaro.
As revelações também não deverão influenciar o resultado da eleição no próximo domingo. Entre outras coisas, Bolsonaro disse que não precisa de informações falsas para vencer Haddad, que a verdade basta. Provavelmente, ele tem razão. A rejeição ao PT de Haddad, partido ainda controlado da prisão pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado após acusações de corrupção, aparenta ser maior no Brasil do que a rejeição a Bolsonaro, que exalta a ditadura militar e deseja que o país volte a ser o dos anos 1960. Mas Haddad finalmente encontrou algo com que arranhar a imagem de moralista de Bolsonaro – e, ao mesmo tempo, justificar sua ameaça de derrota: a culpa é do Whatsapp e da disseminação de informações falsas.
Die Tageszeitung – Os erros da esquerda, 22/10/2018
Quando pregadores e generais definem o rumo da marcha do governo, essa acaba sendo uma perspectiva muito perigosa para a democracia. Essa tendência não existe apenas no Brasil. Mas, se vencer lá, poderá se fixar em toda a região.
Esse risco ainda é reforçado pelo golpe que a derrota do PT significa para todas as forças de esquerda e progressistas da América Latina. Uma derrota que não foi sofrida apenas nas urnas eleitorais, mas principalmente no plano ideológico e moral.
Não faz muitos anos que, na região, o PT representava uma alternativa prudente, inteligente e bem-sucedida àqueles governos de esquerda cujos resultados hoje são visíveis na Venezuela. Mas, de lá para cá, a direita latino-americana pôde consolidar a interpretação de que o PT é um exemplo flagrante de "populismo", incuravelmente corrupto e ineficiente.
O pior é que parte disso é até verdade. Os governos de Lula e Rousseff até exerceram uma política que se diferenciava da de seus antecessores. Mas eles mesmos não conseguiram ser radicalmente diferentes. Isso teria incluído colocar um fim à corrupção endêmica na política brasileira e realizar reformas estruturais progressivas em áreas chave como o sistema judiciário e os meios de comunicação de massa.
Principalmente por causa disso, eles não conseguiram modificar a consciência social cultural e ideologicamente. Os sucessos no combate à pobreza e à fome não causaram uma transformação na consciência. Hoje em dia, eles pagam exatamente por essa carência. Mas os custos recaem não apenas sobre os brasileiros, mas sobre a esquerda em toda a América Latina.
RK/ots
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
| WhatsApp | App | Instagram | Newsletter
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.