Opinião: Por que a visita de Bolsonaro aos EUA foi positiva para o Brasil
Visita aos EUA foi sucesso para o brasileiro, que conseguiu alcançar mais concessões que o esperado. Acenos de Trump pressionam outros parceiros do Brasil a se posicionarem, opina Alexander Busch.Foi a primeira visita de Estado do presidente brasileiro – e, surpreendentemente, a viagem foi bem-sucedida para Jair Bolsonaro.
Durante a jornada, o presidente populista de direita conseguiu marcar pontos, e não foi só entre seus apoiadores. Também para os militares e a economia, ele conseguiu obter mais nos EUA do que era esperado.
Para isso, não precisou fazer maiores concessões, fora demonstrar que está completamente alinhado com as ideias e a visão de mundo do presidente americano, Donald Trump. Mas isso não é surpresa. Repetidamente, Bolsonaro expressa sua admiração por Trump.
Em Washington, o presidente brasileiro executou uma lista de trabalho baseada em sua política interna. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. E, para os militares, ele conseguiu confirmar que o Brasil poderá obter fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) o status de aliado preferencial (Major Non-Nato-Ally, ou MNNA, em inglês), tendo acesso, por exemplo, ao financiamento para aquisição de equipamento militar americano.
Trump também chegou a mencionar a Bolsonaro que o Brasil poderia até ser integrado na aliança como membro de fato, ao mesmo admitindo que, para isso, teria "que falar com muitas pessoas". Mas, por enquanto, não há espaço para o Brasil do Atlântico Sul na aliança do Atlântico Norte.
Ainda assim, trata-se de uma valorização surpreendentemente nítida do Brasil como parceiro militar-estratégico dos Estados Unidos. Com isso, naturalmente, Trump cumpre sua própria agenda: infiltrando parceiros novos, mais fracos e alinhados com ele fora da Europa e dos EUA, o presidente americano fortalece sua própria posição como superpotência.
Também é atrativa a operação conjunta da base de lançamento de foguetes e satélites de Alcântara, no norte do Brasil, é atraente para os militares, que esperam lucrar com isso e e com a transferência de tecnologia.
O empresariado brasileiro ficou feliz pelo fato de o programa econômico liberal de Bolsonaro ter ganho novo impulso em Washington. Trump confirmou que vai apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube da elite dos países industrializados. Até agora, os Estados Unidos resistiam à ideia. E, sem a aprovação de Washington, nenhum país é admitido na OCDE.
Ainda deverá levar alguns anos até que o Brasil seja integrado na organização. Mas, para as reformas econômicas planejadas pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, a previsão de uma adesão do país sul-americano à OCDE tem efeito acelerador.
É que o Brasil teria que se preparar para a filiação: com modernizações no aparato de Estado, nos mercados financeiros e no sistema bancário. O país teria de abrir suas fronteiras alfandegárias, reduzir subsídios estatais, fechar acordos de dupla tributação com seus parceiros comerciais.
Em suma: o Brasil jogaria de forma mais aberta e de acordo com as regras do mercado internacional – mas, em contrapartida, obteria um acesso melhor a crédito e investimentos. Isso tudo não passa de especulação futura, já que a agenda de reformas é longa e complexa. Mas ela aponta na direção certa.
Para obter o apoio de Trump para a OCDE, o Brasil assegurou que deverá abrir mão do status especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra. Com a condição, ou Tratamento Especial e Diferenciado para países em desenvolvimento (TED), países podem conseguir condições preferenciais em rodadas de negociação, além de barganhar entre si o acesso aos mercados, sem que este acesso tenha que ser compartilhado com todos os países-membros.
Porém, o Brasil usou pouco essa posição até agora, já que é competitivo no âmbito de seus produtos de exportação mais importantes, oriundos do setor agrícola e da mineração, e porque possui uma balança comercial equilibrada. Assim, o Brasil não perde quase nada com a concessão.
Para Trump, por outro lado, o consentimento do Brasil é bem-vindo para Trump, já que países como China ou Índia também possuem esse status especial, e os EUA gostariam de classificá-los como nações mais ricas para poder negociar olho no olho em conflitos comerciais.
Com a concessão do Brasil, Trump agora poderá criar divisões entre as grandes economias emergentes. Ainda está em aberto como o Brasil vai justificar o acordo – de abrir mão da posição preferencial na OMC pela entrada na OCDE – na cúpula do grupo Bricas, que acontece em Brasília em novembro.
Mas, para os principais parceiros comerciais do país, fica a questão de como eles devem reagir à aproximação entre Brasil e EUA. Uma questão que vale tanto para a China quanto para a Europa e para a América Latina. É improvável que eles vão assistir ao alinhamento entre brasileiros e americanos de braços cruzados.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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Durante a jornada, o presidente populista de direita conseguiu marcar pontos, e não foi só entre seus apoiadores. Também para os militares e a economia, ele conseguiu obter mais nos EUA do que era esperado.
Para isso, não precisou fazer maiores concessões, fora demonstrar que está completamente alinhado com as ideias e a visão de mundo do presidente americano, Donald Trump. Mas isso não é surpresa. Repetidamente, Bolsonaro expressa sua admiração por Trump.
Em Washington, o presidente brasileiro executou uma lista de trabalho baseada em sua política interna. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. E, para os militares, ele conseguiu confirmar que o Brasil poderá obter fora da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) o status de aliado preferencial (Major Non-Nato-Ally, ou MNNA, em inglês), tendo acesso, por exemplo, ao financiamento para aquisição de equipamento militar americano.
Trump também chegou a mencionar a Bolsonaro que o Brasil poderia até ser integrado na aliança como membro de fato, ao mesmo admitindo que, para isso, teria "que falar com muitas pessoas". Mas, por enquanto, não há espaço para o Brasil do Atlântico Sul na aliança do Atlântico Norte.
Ainda assim, trata-se de uma valorização surpreendentemente nítida do Brasil como parceiro militar-estratégico dos Estados Unidos. Com isso, naturalmente, Trump cumpre sua própria agenda: infiltrando parceiros novos, mais fracos e alinhados com ele fora da Europa e dos EUA, o presidente americano fortalece sua própria posição como superpotência.
Também é atrativa a operação conjunta da base de lançamento de foguetes e satélites de Alcântara, no norte do Brasil, é atraente para os militares, que esperam lucrar com isso e e com a transferência de tecnologia.
O empresariado brasileiro ficou feliz pelo fato de o programa econômico liberal de Bolsonaro ter ganho novo impulso em Washington. Trump confirmou que vai apoiar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube da elite dos países industrializados. Até agora, os Estados Unidos resistiam à ideia. E, sem a aprovação de Washington, nenhum país é admitido na OCDE.
Ainda deverá levar alguns anos até que o Brasil seja integrado na organização. Mas, para as reformas econômicas planejadas pelo ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, a previsão de uma adesão do país sul-americano à OCDE tem efeito acelerador.
É que o Brasil teria que se preparar para a filiação: com modernizações no aparato de Estado, nos mercados financeiros e no sistema bancário. O país teria de abrir suas fronteiras alfandegárias, reduzir subsídios estatais, fechar acordos de dupla tributação com seus parceiros comerciais.
Em suma: o Brasil jogaria de forma mais aberta e de acordo com as regras do mercado internacional – mas, em contrapartida, obteria um acesso melhor a crédito e investimentos. Isso tudo não passa de especulação futura, já que a agenda de reformas é longa e complexa. Mas ela aponta na direção certa.
Para obter o apoio de Trump para a OCDE, o Brasil assegurou que deverá abrir mão do status especial de país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC) em Genebra. Com a condição, ou Tratamento Especial e Diferenciado para países em desenvolvimento (TED), países podem conseguir condições preferenciais em rodadas de negociação, além de barganhar entre si o acesso aos mercados, sem que este acesso tenha que ser compartilhado com todos os países-membros.
Porém, o Brasil usou pouco essa posição até agora, já que é competitivo no âmbito de seus produtos de exportação mais importantes, oriundos do setor agrícola e da mineração, e porque possui uma balança comercial equilibrada. Assim, o Brasil não perde quase nada com a concessão.
Para Trump, por outro lado, o consentimento do Brasil é bem-vindo para Trump, já que países como China ou Índia também possuem esse status especial, e os EUA gostariam de classificá-los como nações mais ricas para poder negociar olho no olho em conflitos comerciais.
Com a concessão do Brasil, Trump agora poderá criar divisões entre as grandes economias emergentes. Ainda está em aberto como o Brasil vai justificar o acordo – de abrir mão da posição preferencial na OMC pela entrada na OCDE – na cúpula do grupo Bricas, que acontece em Brasília em novembro.
Mas, para os principais parceiros comerciais do país, fica a questão de como eles devem reagir à aproximação entre Brasil e EUA. Uma questão que vale tanto para a China quanto para a Europa e para a América Latina. É improvável que eles vão assistir ao alinhamento entre brasileiros e americanos de braços cruzados.
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
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