Projetos de lei podem alterar licença-maternidade
Aumento do afastamento para 180 dias e da estabilidade gestacional no emprego e adicional de insalubridade são algumas das propostas que tramitam no Congresso.Em 2011, a executiva de marketing de uma empresa multinacional no Brasil Vivian Abukater se tornou mãe e, ao voltar ao trabalho depois de quatro meses de licença-maternidade, teve uma surpresa.
"Três meses após eu retornar da licença-maternidade, fui demitida. Caí nas estatísticas que apontam que 48% das mulheres são demitidas após a licença", conta a empresária
Ela se refere a uma pesquisa de 2017 da Fundação Getúlio Vargas que mostrou que quase metade das 247 mil mulheres que participaram do estudo foram demitidas em até 12 meses após o nascimento do filho.
Trabalhadoras contratadas pelo regime de Consolidação das Leis do Trabalho têm direito à licença-maternidade de 120 dias, e servidoras públicas federais a 180 dias. Desde 2008, o governo concede benefícios fiscais a empresas privadas que concedam o afastamento de 180 dias.
Além disso, desde 1988, os custos da licença-maternidade são pagos pela Previdência Social, e não pelo empregador, a fim de diminuir preconceitos e discriminações contra trabalhadoras gestantes e lactantes.
A fim de impedir – ou retardar – a demissão durante a licença-maternidade, desde 1988 o código trabalhista concede estabilidade no emprego para gestantes desde o dia de confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Esse período da estabilidade não cobre, contudo, a licença-maternidade das trabalhadoras que tiveram direito a 180 dias de afastamento, que podem ser demitidas no último mês da licença-maternidade.
Para reparar essa irregularidade, em fevereiro foi apresentado o PL 189, que propõe ampliar em um mês a estabilidade no emprego das trabalhadoras que tiveram 180 dias de afastamento. O projeto ainda precisa ser analisado pelas comissões de Cidadania e de Constituição e Justiça da Câmara.
Outro projeto de lei apresentado no Congresso Nacional em 2019 foi o PL 11239, que propõe que gestantes e lactantes se afastem de trabalhos insalubres com direito a receber adicional de insalubridade durante todo o período de afastamento.
Atualmente, o afastamento dessas trabalhadoras de atividades insalubres é permitido após atestado médico. Se aprovado o PL 11239, que tramita em regime de urgência, o afastamento será regra em qualquer caso.
O mais recente projeto sobre trabalhadoras gestantes e lactantes apresentado no Congresso foi o PL 241, de 2017, que prorroga o início de licença-maternidade em caso de internação do recém-nascido ou da mãe.
Pela lei atual, se um recém-nascido prematuro fica internada por 45 dias, por exemplo, este período é contado na licença da mãe. O projeto propõe que o afastamento seja contado a partir do momento que mãe e bebê tiveram alta hospitalar. O PL 241 ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, além desses projetos, o mais urgente é o PL 10.062, que amplia para 180 dias, ou seis meses, a licença-maternidade para todas as trabalhadoras. O projeto está em tramitação no Congresso desde 2018.
"A defesa pela ampliação da licença-maternidade é uma luta histórica da Sociedade Brasileira de Pediatria, que defende que a licença-maternidade seja, no mínimo, de seis meses, sendo que um ano seria o tempo mais adequado para esse tipo de licença", defende a médica e presidente da entidade, a pediatra Luciana Rodrigues Silva.
Ruptura brusca
Para a mãe e consultora paulistana Eva*, que não quis se identificar, a licença-maternidade de 120 dias é uma ruptura brusca entre mãe e filho. "O bebê que já tem que ir para uma creche aos quatro meses de idade adoece a todo momento”, explica a consultora, contando que o filho, que até então não tinha tido nenhum problema de saúde desde o parto, passou a ter resfriados e viroses constantes desde que começou a frequentar a creche, há seis meses.
"Experimente falar para o seu chefe, depois de voltar da licença-maternidade, que precisará sair mais cedo para levar o filho no pediatra. Ou que terá que começar a sair no horário certo do trabalho para conseguir buscar o filho na saída da creche”, desabafa a profissional paulistana, reclamando que, de todas as rupturas causadas pelo fim da licença-maternidade, a pior delas foi a impossibilidade de continuar amamentando o filho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o leite materno seja o único alimento do bebê até os seis meses de vida. A OMS garante que nem mesmo água é preciso ingerir nesse período se a criança estiver recebendo exclusivamente o leite da mãe e em livre demanda.
"Os seis primeiros meses são insubstituíveis para o crescimento e o desenvolvimento integral da criança, sendo que o aleitamento materno nesse período ajuda na prevenção de doenças como a obesidade e infecções durante toda a vida. Já para a mulher, estudos apontam que a amamentação ajuda a reduzir a hemorragia após o parto e previne o câncer de mama e de ovário”, explica Silva.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatra, "se o aleitamento materno fosse adotado de uma forma abrangente, o Brasil teria uma redução de número de mortes de crianças abaixo de cinco anos, por ano, de mais de 800 mil bebês”, afirma a pediatra. Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade entre crianças de zero a 5 anos em 2016 foi de 14,9 em cada mil crianças.
Além da amamentação exclusiva até os seis meses, Silva ressalta que, para que a amamentação seja capaz de promover mudanças na saúde das gerações futuras, também é essencial que o aleitamento nesse período seja em livre demanda.
"Isso significa que o bebê tem que ser amamentado pela mãe em determinados horários que ele escolhe por necessidade biológica, psicológica, afetiva e emocional. A livre demanda imposta por cada bebê deve ser respeitada”.
"Mesmo que empresas mais modernas disponibilizem uma sala para amamentação durante o trabalho, é praticamente impossível interromper o serviço para amamentar em livre demanda o seu filho”, conta a consultora Eva.
O bem-estar emocional é outra questão que deve orientar o aumento da licença-maternidade no Brasil. "A mãe, ao oferecer o seio ao filho, transmite-lhe segurança, prazer e conforto emocional. O amor e presença materno nesse período é tão importante para o desenvolvimento emocional da criança quanto o leite materno é para o desenvolvimento do organismo”, explica a pediatra.
Se o Governo quer oferecer saúde e qualidade de vida às futuras gerações, deve dar condições para o aleitamento materno exclusivo. Aprovar o PL 10.062 é urgente”, defende Silva.
Penalização
Em 2011, a empresária Ana Laura Castro estava em período de experiência no trabalho. "Ao descobrir que estava grávida, fui dispensada", conta. Sem ter direito a uma licença-maternidade, resolveu que não voltaria mais ao mercado como empregada.
Ela percebeu que muitas brasileiras viviam a mesma situação. Uma pesquisa da Rede Mulher Empreendedora de 2017 relevou que 55% das empreendedoras no Brasil são mães e 75% delas optaram por esse caminho para conseguir recolocação profissional após a maternidade. Ana Laura teve a ideia de criar uma rede de mães empreendedoras, onde pudessem trocar experiências, se capacitarem e encontrar público consumidor para seus produtos.
Nascia assim, em 2015, a Rede Maternativa, uma ponte entre consumidores e mães empreendedoras que conta com 23 mil mulheres de todo o Brasil. Uma dessas mulheres é Vivian, que conheceu Ana Laura por meio da rede e, desde 2018, se tornaram sócias. A Rede Maternativa é a primeira startup de impacto social do Brasil que tem como propósito discutir e transformar a relação entre mães e trabalho.
Desde 2015, a startup cresceu tanto que passou a atender empresas. "Nesses 4 anos escutando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado, desenvolvemos uma metodologia para compartilhar esse conhecimento com as empresas, para que elas repensem suas práticas e melhorem seus ambientes de trabalho”, explicou Vivian.
As empresárias defendem que os projetos de leis sobre licença-maternidade também deveriam olhar para a hostilidade do mercado de trabalho com a maternidade. "Os cuidados básicos com os filhos, como a amamentação, ainda que essencial, é apenas uma face dessa história”, afirma Vivian.
"Seja pelas demissões após o parto, seja pela grande dificuldade de conciliar a maternidade com o trabalho em ambientes corporativos pouco flexíveis, a penalização das mães trabalhadoras no mercado de trabalho é uma realidade vivida por todas".
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"Três meses após eu retornar da licença-maternidade, fui demitida. Caí nas estatísticas que apontam que 48% das mulheres são demitidas após a licença", conta a empresária
Ela se refere a uma pesquisa de 2017 da Fundação Getúlio Vargas que mostrou que quase metade das 247 mil mulheres que participaram do estudo foram demitidas em até 12 meses após o nascimento do filho.
Trabalhadoras contratadas pelo regime de Consolidação das Leis do Trabalho têm direito à licença-maternidade de 120 dias, e servidoras públicas federais a 180 dias. Desde 2008, o governo concede benefícios fiscais a empresas privadas que concedam o afastamento de 180 dias.
Além disso, desde 1988, os custos da licença-maternidade são pagos pela Previdência Social, e não pelo empregador, a fim de diminuir preconceitos e discriminações contra trabalhadoras gestantes e lactantes.
A fim de impedir – ou retardar – a demissão durante a licença-maternidade, desde 1988 o código trabalhista concede estabilidade no emprego para gestantes desde o dia de confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Esse período da estabilidade não cobre, contudo, a licença-maternidade das trabalhadoras que tiveram direito a 180 dias de afastamento, que podem ser demitidas no último mês da licença-maternidade.
Para reparar essa irregularidade, em fevereiro foi apresentado o PL 189, que propõe ampliar em um mês a estabilidade no emprego das trabalhadoras que tiveram 180 dias de afastamento. O projeto ainda precisa ser analisado pelas comissões de Cidadania e de Constituição e Justiça da Câmara.
Outro projeto de lei apresentado no Congresso Nacional em 2019 foi o PL 11239, que propõe que gestantes e lactantes se afastem de trabalhos insalubres com direito a receber adicional de insalubridade durante todo o período de afastamento.
Atualmente, o afastamento dessas trabalhadoras de atividades insalubres é permitido após atestado médico. Se aprovado o PL 11239, que tramita em regime de urgência, o afastamento será regra em qualquer caso.
O mais recente projeto sobre trabalhadoras gestantes e lactantes apresentado no Congresso foi o PL 241, de 2017, que prorroga o início de licença-maternidade em caso de internação do recém-nascido ou da mãe.
Pela lei atual, se um recém-nascido prematuro fica internada por 45 dias, por exemplo, este período é contado na licença da mãe. O projeto propõe que o afastamento seja contado a partir do momento que mãe e bebê tiveram alta hospitalar. O PL 241 ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Para a Sociedade Brasileira de Pediatria, além desses projetos, o mais urgente é o PL 10.062, que amplia para 180 dias, ou seis meses, a licença-maternidade para todas as trabalhadoras. O projeto está em tramitação no Congresso desde 2018.
"A defesa pela ampliação da licença-maternidade é uma luta histórica da Sociedade Brasileira de Pediatria, que defende que a licença-maternidade seja, no mínimo, de seis meses, sendo que um ano seria o tempo mais adequado para esse tipo de licença", defende a médica e presidente da entidade, a pediatra Luciana Rodrigues Silva.
Ruptura brusca
Para a mãe e consultora paulistana Eva*, que não quis se identificar, a licença-maternidade de 120 dias é uma ruptura brusca entre mãe e filho. "O bebê que já tem que ir para uma creche aos quatro meses de idade adoece a todo momento”, explica a consultora, contando que o filho, que até então não tinha tido nenhum problema de saúde desde o parto, passou a ter resfriados e viroses constantes desde que começou a frequentar a creche, há seis meses.
"Experimente falar para o seu chefe, depois de voltar da licença-maternidade, que precisará sair mais cedo para levar o filho no pediatra. Ou que terá que começar a sair no horário certo do trabalho para conseguir buscar o filho na saída da creche”, desabafa a profissional paulistana, reclamando que, de todas as rupturas causadas pelo fim da licença-maternidade, a pior delas foi a impossibilidade de continuar amamentando o filho.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o leite materno seja o único alimento do bebê até os seis meses de vida. A OMS garante que nem mesmo água é preciso ingerir nesse período se a criança estiver recebendo exclusivamente o leite da mãe e em livre demanda.
"Os seis primeiros meses são insubstituíveis para o crescimento e o desenvolvimento integral da criança, sendo que o aleitamento materno nesse período ajuda na prevenção de doenças como a obesidade e infecções durante toda a vida. Já para a mulher, estudos apontam que a amamentação ajuda a reduzir a hemorragia após o parto e previne o câncer de mama e de ovário”, explica Silva.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatra, "se o aleitamento materno fosse adotado de uma forma abrangente, o Brasil teria uma redução de número de mortes de crianças abaixo de cinco anos, por ano, de mais de 800 mil bebês”, afirma a pediatra. Segundo os últimos dados do Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade entre crianças de zero a 5 anos em 2016 foi de 14,9 em cada mil crianças.
Além da amamentação exclusiva até os seis meses, Silva ressalta que, para que a amamentação seja capaz de promover mudanças na saúde das gerações futuras, também é essencial que o aleitamento nesse período seja em livre demanda.
"Isso significa que o bebê tem que ser amamentado pela mãe em determinados horários que ele escolhe por necessidade biológica, psicológica, afetiva e emocional. A livre demanda imposta por cada bebê deve ser respeitada”.
"Mesmo que empresas mais modernas disponibilizem uma sala para amamentação durante o trabalho, é praticamente impossível interromper o serviço para amamentar em livre demanda o seu filho”, conta a consultora Eva.
O bem-estar emocional é outra questão que deve orientar o aumento da licença-maternidade no Brasil. "A mãe, ao oferecer o seio ao filho, transmite-lhe segurança, prazer e conforto emocional. O amor e presença materno nesse período é tão importante para o desenvolvimento emocional da criança quanto o leite materno é para o desenvolvimento do organismo”, explica a pediatra.
Se o Governo quer oferecer saúde e qualidade de vida às futuras gerações, deve dar condições para o aleitamento materno exclusivo. Aprovar o PL 10.062 é urgente”, defende Silva.
Penalização
Em 2011, a empresária Ana Laura Castro estava em período de experiência no trabalho. "Ao descobrir que estava grávida, fui dispensada", conta. Sem ter direito a uma licença-maternidade, resolveu que não voltaria mais ao mercado como empregada.
Ela percebeu que muitas brasileiras viviam a mesma situação. Uma pesquisa da Rede Mulher Empreendedora de 2017 relevou que 55% das empreendedoras no Brasil são mães e 75% delas optaram por esse caminho para conseguir recolocação profissional após a maternidade. Ana Laura teve a ideia de criar uma rede de mães empreendedoras, onde pudessem trocar experiências, se capacitarem e encontrar público consumidor para seus produtos.
Nascia assim, em 2015, a Rede Maternativa, uma ponte entre consumidores e mães empreendedoras que conta com 23 mil mulheres de todo o Brasil. Uma dessas mulheres é Vivian, que conheceu Ana Laura por meio da rede e, desde 2018, se tornaram sócias. A Rede Maternativa é a primeira startup de impacto social do Brasil que tem como propósito discutir e transformar a relação entre mães e trabalho.
Desde 2015, a startup cresceu tanto que passou a atender empresas. "Nesses 4 anos escutando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres no mercado, desenvolvemos uma metodologia para compartilhar esse conhecimento com as empresas, para que elas repensem suas práticas e melhorem seus ambientes de trabalho”, explicou Vivian.
As empresárias defendem que os projetos de leis sobre licença-maternidade também deveriam olhar para a hostilidade do mercado de trabalho com a maternidade. "Os cuidados básicos com os filhos, como a amamentação, ainda que essencial, é apenas uma face dessa história”, afirma Vivian.
"Seja pelas demissões após o parto, seja pela grande dificuldade de conciliar a maternidade com o trabalho em ambientes corporativos pouco flexíveis, a penalização das mães trabalhadoras no mercado de trabalho é uma realidade vivida por todas".
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