Falta de profissionais no Mais Médicos afeta 6 milhões de brasileiros
Oito meses após encerramento de parceria que garantia 8 mil médicos cubanos, programa federal ainda não conseguiu preencher 2.149 vagas, prejudicando o atendimento básico em 705 municípios.
O Brasil tem hoje 2.149 vagas do programa Mais Médicos não preenchidas, o que equivale a 12% do total. Das posições ociosas, 2.042 estão em regiões que não foram contempladas pelo único edital lançado neste ano, segundo dados obtidos pela DW Brasil via Lei de Acesso à Informação.
Devido a essa situação, a União é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF), que estima um prejuízo direto no atendimento básico de saúde de mais de 6 milhões de brasileiros, moradores dos 705 municípios onde há vagas ociosas.
O único edital lançado em 2019, em maio, teve como objetivo preencher postos em municípios com maior vulnerabilidade social, que representam cerca de 72% das cidades registradas e 57% das vagas do Mais Médicos.
A cidade com maior número de vagas para médicos ociosas é Fortaleza, com 78 postos vagos. A capital cearense supera até mesmo São Paulo (70), a maior cidade do país. Enquadrada na categoria capitais e regiões metropolitanas, Fortaleza não recebeu médicos novos em 2019.
"Temos um programa de residência em atenção primária com 150 vagas, com custo anual de R$ 24 milhões. Isso seria reduzido pela metade se tivéssemos hoje os 78 profissionais que estão faltando no Mais Médicos", diz Joana Maciel, secretária da Saúde da capital cearense.
O número total de vagas do Mais Médicos é 18.337. Mais de 8 mil delas foram ocupadas por cubanos até novembro do ano passado, quando Cuba abandonou o programa em resposta a declarações do recém-eleito presidente, Jair Bolsonaro. A parceria entre os dois países foi iniciada em 2013, no governo de Dilma Rousseff.
Dois editais foram lançados pelo Ministério da Saúde ainda em 2018 para ocupar as vagas deixadas pelos cubanos. Mas de lá para cá muitos dos profissionais selecionados desistiram do programa, e essas vagas não foram preenchidas. O estado de São Paulo é o que soma mais vagas ociosas: 488.
Prejuízo para municípios
Os profissionais que participam do Mais Médicos recebem uma bolsa-formação de R$ 11,8 mil do governo federal, e os municípios fornecem moradia e transporte. Sem os médicos do programa, as prefeituras precisam contratar diretamente o médico e arcar com custos como férias e 13º salário.
De acordo com um cálculo da Federação Catarinense de Municípios (Fecam), uma prefeitura gasta em média R$ 256 mil por ano para contratar um médico diretamente. Essa é a opção de muitos municípios de Santa Catarina, que soma 145 vagas abertas, o equivalente a 25% das 569 do programa no estado. O percentual é superior apenas no Distrito Federal, onde 38% das vagas do programa estão ociosas.
Cerca de 4 mil municípios estão cadastrados no Mais Médicos. Eles são divididos em oito perfis, de acordo com dados socioeconômicos do IBGE. O edital lançado em 2019 pelo Ministério da Saúde previa a chamada de médicos apenas para os perfis de 4 a 8, de municípios considerados mais vulneráveis. Isso ajuda a explicar por que Santa Catarina foi o estado mais afetado em termos percentuais: são 177 cidades entre os perfis de 1 e 3, e apenas 38 nos perfis de 4 a 8.
Glademir Aroldi, presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), afirma que os gastos com a contratação direta de médicos chegam num momento em que muitas administrações municipais já operam no vermelho.
"Por lei, a prefeitura não pode gastar mais de 54% do orçamento com pessoal, e essa despesa com médicos entra nessa classificação. Hoje, pelo menos 30% dos municípios do país já estão no limite de gastos com pessoal, então, qualquer despesa extra vai fazer com que eles não consigam fechar as contas dentro da legislação", diz.
Em maio deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) em Santa Catarina entrou com uma ação civil pública para que a União garanta o preenchimento das vagas do Mais Médicos ou recursos para as cidades afetadas em todo o país. Fábio de Oliveira, da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Santa Catarina, usa o cálculo da Fecam para alertar para o prejuízo que pequenos municípios podem ter.
"Temos casos como de Içara, um pequeno município catarinense que tem que tirar do orçamento mais de R$ 1 milhão por ano para contratar substitutos dos médicos que não chegam pelo programa federal. Isso é apenas um exemplo do que ocorre em todos os municípios que estão sem médicos. Por isso, pedimos na liminar o cumprimento imediato do programa", diz o procurador.
Içara fica a 190 quilômetros da capital catarinense, Florianópolis, e tem direito a 15 vagas do Mais Médicos, sendo que nove foram ocupadas por cubanos até novembro. Nove brasileiros foram selecionados para substituí-los através dos editais abertos em 2018, mas sete deles já desistiram do programa. Classificada como região metropolitana, a cidade não foi contemplada no edital de maio deste ano.
O MPF critica o fato de o edital deste ano contemplar apenas parte dos municípios cadastrados. "Isso é errado e não está na lei de 2013 que criou o Mais Médicos. Se o governo quer criar regras novas para o programa, tem que aprovar uma nova lei", critica Oliveira.
Ministério da Saúde elabora novo programa
Sem entrar em detalhes sobre as mudanças pretendidas, o Ministério da Saúde afirma que está elaborando um novo programa para substituir o Mais Médicos, criado em 2013.
Em nota enviada à DW, a pasta disse que trabalha na "elaboração de um novo programa para ampliar a assistência na Atenção Primária". Além disso, o órgão afirmou que estuda a possibilidade de que os cerca de 2 mil médicos cubanos que permaneceram no Brasil após o fim de seus contratos com o programa obtenham permissão para trabalhar como médicos no país.
O ministério reforçou que o edital de maio continua repondo vagas "em cidades mais vulneráveis, em geral pequenas, além dos distritos sanitários indígenas". Questionada sobre a previsão de lançamento de um edital para as cidades que não foram contempladas no de maio, a pasta citou apenas o prolongamento do repasse de verbas.
"O Ministério da Saúde publicou uma portaria no início de abril estendendo para seis meses o prazo de pagamento da verba de custeio repassada às unidades de saúde da família que perderam profissionais do Mais Médicos. A regra anterior cortava o repasse para o posto se ele ficasse sem médico por mais que dois meses. Os gestores dessas localidades que perderam profissionais do Mais Médicos podem utilizar esses recursos também para contratar os próprios médicos", diz o texto.
Em relação à ação civil pública que tramita em Santa Catarina, a nota informa que "cabe apenas ao Ministério da Saúde a definição do quantitativo de vagas a serem abertas no âmbito do Programa Mais Médicos, bem como os municípios em que essas vagas serão alocadas".
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