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Série de vídeos denuncia tortura e estupro em prisões da Rússia

18.fev.2021 - Homem passa por enorme pilha de neve na Praça Vermelha, em Moscou, na Rússia, após uma série de fortes nevascas - Yuri Kadobnov/AFP
18.fev.2021 - Homem passa por enorme pilha de neve na Praça Vermelha, em Moscou, na Rússia, após uma série de fortes nevascas Imagem: Yuri Kadobnov/AFP

Roman Goncharenko

09/10/2021 12h53

Uma série de vídeos com torturas em prisões da Rússia vieram à tona recentemente. Em diversas penitenciárias, detentos sofriam abusos sexuais durante interrogatórios e eram filmados. Com receio de uma reação popular, o governo agiu rapidamente.

E um dos vídeos, um homem é violentado com um cabo de vassoura. A vítima grita e pede misericórdia. Seu torturador, um homem de roupa preta, não para, xinga em voz calma e pergunta repetidamente: "Tem alguma coisa para dizer? Se lembrou?" O vídeo tem a está marcado com a data 18 de fevereiro de 2020, às 22h29.

O local seria o hospital presidiário para tuberculosos da cidade de Saratov, no sudeste da Rússia. Aparentemente o vídeo foi feito com uma câmera corporal, como as que portam policiais ou oficiais de Justiça. As imagens foram divulgadas na terça-feira (05), juntamente com outros.

"O caráter cotidiano da tortura apavora", escreveu o analista político, blogueiro e colunista da DW Fjodor Krascheninnikow. "É inimaginável que, no século 21, numa instituição estatal, sejam realizados rituais e filmados para um banco de dados alicerçado nos meios criminosos."

Abu Ghraib russo

Não é a primeira vez que há notícias sobre filmagens internas de torturas em penitenciárias russas. Desta vez, a repercussão remete ao escândalo do Exército americano na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. O atual banco de dados foi encaminhado ao projeto online russo Gulagu, e documenta torturas em diversas instituições penais, sobretudo Saratov e Irkutsk, na Sibéria.

Gulagu — cujo nome significa em russo "Não ao Gulag", numa alusão ao sistema soviético de colônias penais — foi fundado em 2011 por Vladimir Osechkin, que se engaja pelos direitos dos presidiários. Em meados de 2021, o site foi bloqueado pelas autoridades russas. Osechkin vive e trabalha no exílio, num Estado europeu.

As comprometedoras gravações foram enviadas a sua equipe no primeiro trimestre do ano, de início uma a uma e anonimamente, relatou ele à DW. Depois um jovem se apresentou, pedindo ajuda em sua fuga para o Ocidente, na qualidade de testemunha-chave. Ele possuía mais de 40 gigabytes de provas, na forma de vídeos, fotos e documentos.

"Primeiro pensamos: isso é uma doideira, um romance policial", recorda Osechkin.

O informante revelou ser um especialista em tecnologia da informação que também estivera preso, sendo mais tarde recrutado como "ajudante" com acesso ao banco de dados. Depois de os vídeos serem examinados e classificados como autênticos, o informante recebeu ajuda, encontrando-se agora "em relativa segurança".

Mais de 200 estupros documentados

Vladimir Osechkin faz acusações graves contra o sistema penitenciário russo. "É uma coisa diabólica, uma desumanização. Antes, não podíamos imaginar que alguém pudesse filmar algo assim com uma câmera corporal."

O material examinado abre questionamentos sobre a existência de um sistema perverso e desumano dentro da Justiça penal da Rússia, com salas especiais onde regularmente se interroga, tortura e filma.

Os perpetradores são funcionários carcerários, mas também outros detentos, os quais são recompensados por suas ações com alimentos, drogas ou acesso a prostitutas, relata Osechkin. Tudo é "estruturado", com torturadores, mas também relatores que anotam as atas de interrogatório.

Segundo o ativista dos direitos humanos, estão documentados mais de 200 estupros em diversas instituições. "São coronéis e generais penitenciários, que criaram esse sistema num afã de investigação, para executar ordens." Sua previsão é que haverá "dezenas de processos penais e condenações".

Nova fábrica de torturas a caminho?

Diversos observadores estão espantados com a velocidade com que a liderança russa reagiu às revelações, até agora. Além das investigações de que se encarrega Moscou, vários funcionários foram demitidos e foi iniciada uma auditoria interna. Nos próximos dias, um representante do conselho presidencial de direitos humanos viajará para Saratov.

O porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitri Peskov, prometeu um "inquérito sério", caso as acusações se confirmem. Também Vyacheslav Volodin, presidente do parlamento federal, se manifestou: "Vou ficar em cima". O assunto é especialmente explosivo para o político de alto escalão, que é natural de Saratov e já foi vice-governador da cidade portuária à margem do rio Volga.

Alguns atribuem a rapidez das reações das autoridades a temores por parte de Moscou que o escândalo influencie negativamente o clima entre a população, pois o caso é diferente de revelações sobre elites corruptas, comenta Osechkin.

O ativista está satisfeito com o grande interesse midiático e as decisões rápidas: "A fábrica de torturas foi detida, é uma conquista." Ele só se pergunta se ela não poderia ser reconstituída em outro local, a que o acesso seria mais difícil.