Tragédia anunciada: morango gera guerra pela água e ameaça animais
Uma das maiores regiões úmidas da Europa, Parque Nacional de Doñana sofre com a demanda por morango e está ameaçado de secar. O cultivo extensivo da fruta, que abastece supermercados europeus em vários países, é principal impulsionador deste cenário desastroso.
Centenas de agricultores de morango bombeiam ilegalmente água dos lençóis freáticos na região do parque nacional para irrigar suas plantações. Em vez de agir contra essa prática criminosa, o governo regional conservador da Andaluzia, quer legalizar o cultivo ilegal. A Comissão Europeia, associações ambientais internacionais e o governo federal progressista da Espanha falam de um escândalo.
"A situação é crítica", afirma Eloy Revilla, diretor da estação de pesquisa biológica no parque nacional. Com 1,2 mil km², o Parque Nacional de Doñana é o habitat de cavalos selvagens, águias-imperiais, linces, tartarugas e milhões de aves migratórias.
Revilla aponta para uma estepe castanha-amarela rodeada de pinheiros. Segundo ele, ali fica antigamente uma lagoa rasa, onde milhares de flamingos buscavam por caranguejos, caracóis e larvas de insetos. Devido à diminuição do lençol freático, essa lagoa se transformou num deserto de lama seca.
Cerca de 60% de todas as lagoas do parque já secaram. Elas são fundamentais para a vida rica em espécies na região. Com elas, muitas das espécies ameaçadas que tinham como último refúgio essa reserva nacional única desaparecem.
Cercado por morangos
Enormes plantações se estendem por mais de 100 km² ao norte e oeste do parque. Morangos são cultivados em estufas para abastecerem o mercado europeu. Além do turismo, os negócios com as frutas vermelhas - também a framboesa - são os setores econômicos mais importantes da província de Huelva, no sul da Espanha.
Durante décadas, o número de fazendas de morango na periferia do Parque Nacional de Doñana aumentou - impulsionado principalmente pelo consumo da fruta na Europa. O morango espanhol costuma ser mais barato do que o produzido em países europeus do norte e do centro.
Em 2021, o Tribunal Europeu de Justiça condenou a Espanha pelo roubo de água e pela falta de proteção ao parque nacional. A agência nacional de proteção da água começou a inspecionar os ladrões. A polícia ambiental cimentou centenas de poços ilegais. A repressão nem sempre teve efeito, e alguns agricultores voltaram a explorar os lençóis freáticos em outros pontos.
Mais de 20 redes varejistas europeias apoiaram um apelo da associação de proteção à natureza WWF para que políticos espanhóis e agricultores garantam o cultivo sustentável para não prejudicar a reputação do morango produzido na região.
Guerra pela água
Também entre os agricultores há uma guerra pela água: entre aqueles que possuem os direitos legais de exploração e os que irrigam suas lavouras ilegalmente. Há relatos sobre ameaças feitas aos agricultores que defendem o cultivo sustentável e que querem tomar medidas contra os ladrões de água.
A escassez de água, que só irá aumentar com as mudanças climáticas globais, não está só fazendo o parque secar, como também afeta o cultivo do morango. A associação regional de agricultores Freshuelva estima que a colheita deste ano será 30% menor do que a de 2021.
A emergência de água atinge também os produtores que atuam dentro da lei e que cada vez mais precisam deixar de cultivar a fruta devido à irrigação insuficiente.
O presidente da Junta da Andaluzia, Juanma Moreno, afirma não ter nenhuma relação com a escassez de água e culpa o governo federal pela crise, alegando que este não investe suficientemente na região e não fornece água suficiente para o parque e para os agricultores. Em resposta, Madri afirmou que usará todos os meios para barrar os planos de legalização de Moreno.
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