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Por que Maduro está cada vez mais isolado na América Latina

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa à mídia no Palácio Miraflores, em Caracas, Venezuela, 2 de agosto de 2024 Imagem: Leonardo Fernandez Viloria/REUTERS

Da Deutsche Welle

03/08/2024 19h11Atualizada em 04/08/2024 00h25

Venezuelano é pressionado também por governos latino-americanos de esquerda após se autodeclarar reeleito sem escrutínio do resultado. Países agem mais por questões democráticas do que ideológicas, dizem especialistas. Ao apoio que os regimes autoritários de Cuba e Nicarágua deram a Nicolás Maduro na Venezuela não se somaram muitos outros na América Latina. Honduras e Bolívia felicitaram o líder chavista, mas, diante das críticas da oposição, o governo de La Paz justificou ter agido apenas por respeito ao protocolo.

Já o Peru foi o primeiro a reconhecer a vitória eleitoral do candidato da oposição, Edmundo González Urrutia, sendo depois seguido por Argentina, Uruguai, Equador, Costa Rica e Panamá.

Maduro também está sob pressão de outros países - inclusive os comandados por governos de esquerda, como Chile, Colômbia, Brasil e México -, que exigem a publicação de todas as atas eleitorais e o escrutínio das contagens. Passados seis dias desde a eleição, realizada em 28 de julho, esses documentos ainda não foram apresentados por Caracas.

A oposição afirma que González tem 67% dos votos. Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão controlado pelo regime chavista, alega que Maduro venceu com 51% dos votos contra 44% do opositor.

A dúvida sobre os resultados alardeados por Maduro também não vem só desses países. A ONG Centro Carter, uma das poucas entidades independentes que puderam acompanhar precariamente o pleito, constatou violações não só na contagem e divulgação dos votos, mas também ao longo de todo o período que precedeu a votação, com tolhimento do direito ao voto e perseguição da oposição.

Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros a partir de atas eleitorais reunidas pela oposição também aponta vitória de González, com 66,1% dos votos. Já uma análise da agência de notícias Associated Press do mesmo material conclui que a oposição venceu por vantagem "significativa", com 6,89 milhões de votos contra 3,13 milhões de Maduro.

"Divisão saudável" da esquerda

Historiador e professor da Universidade de Lima, Daniel Aurelio Parodi vê a esquerda dividida em todo o mundo; enquanto uma "se manteve radical, pseudomarxista, autoritária", outra se voltou mais para a social-democracia e para agendas culturais progressistas. Esse fenômeno, segundo ele, também ocorre na América Latina.

"O que está acontecendo com a Colômbia de [Gustavo] Petro; com Lula, no Brasil; com [Gabriel] Boric, no Chile, que teve um papel de muito protagonismo, é que estão sinalizando distância do regime autoritário de esquerda de Nicolás Maduro", analisa. "Estamos diante de uma divisão saudável, parece-me, da esquerda latino-americana. A maioria dos países de esquerda, que são de esquerda democrática, estão se somando aos países liberais democráticos, de outra ideologia, que estão condenando tanto a ditadura de Maduro quanto a aparente fraude eleitoral."

"Postura é guiada menos por afinidade ideológica e mais por defesa da democracia"

Diretor do Grupo de Estudos da Democracia da Universidade do Rosário, na Colômbia, Yann Basset diz que a atitude do regime venezuelano obriga esses países a assumirem posições baseados na defesa dos princípios democráticos. "Mas há matizes", ressalta.

O especialista diz que é difícil defender um regime que não abriu os resultados eleitorais e se autoproclamou vencedor mesmo assim. "Isso não é justificável sob nenhum padrão de eleições democráticas. Por isso, os únicos países que reconheceram a vitória de Maduro são países autoritários ou semi-autoritários", explica.

Basset vê a postura de países latino-americanos críticos ao processo eleitoral norteada mais por "uma lógica de regime democrático contra autocracia, e não tanto de afinidade ideológica". Tanto que, aponta, entre os que adotaram uma posição mais firme há governos de direita, como Argentina e Uruguai, e de esquerda, como Chile - apesar de governos de esquerda terem sido mais cautelosos.

Mas Basset pondera que governos latino-americanos nem sempre são tão consistentes em sua defesa da democracia na região. Ele cita como exemplo o caso de El Salvador, país governado por Nayib Bukele, acusado de encarcerar inocentes, perseguir críticos e minar o Estado de Direito.

"El Salvador é apoiado por governos de direita, sem [que isso gere] preocupações com os direitos humanos e com os problemas que surgem do ponto de vista da democracia. Acho que ainda há cálculos políticos e afinidades ideológicas que se manifestam claramente nas reações dos governos latino-americanos diante desses tipos de acontecimento."

"Novo cenário é mais de embate entre conservadores e progressistas que entre direita e esquerda"

Parodi, da Universidade de Lima, analisa o fenômeno no contexto global: "Parece-me, com ou sem Maduro, que está se configurando um novo cenário onde conservadores e progressistas se enfrentam, mais do que os antigos direitistas e esquerdistas do século 20."

E a esquerda progressista, ressalta o historiador, pende para a democracia. "É o mundo pós-Guerra Fria, onde caiu o socialismo real da União Soviética; um mundo em que a China decidiu ser politicamente autoritária, mas economicamente capitalista; [um mundo] em que o espaço das esquerdas radicais, das esquerdas autoritárias, se reduz muito na América Latina."

O problema é, afirma Parodi, é que "ambas as posturas, conservadora e progressista, têm muito pouca vocação para o diálogo". "A polarização política é um fenômeno mundial. Estamos ficando sem esse centro em que se respeita a posição do outro, esse centro em que o republicanismo e a democracia são bandeiras."

O impacto na América Latina

Por enquanto, a crise continua na Venezuela. Protestos têm sido duramente reprimidos por Caracas, e a oposição enfrenta intimidações e ameaças. Neste sábado (03/08), a líder oposicionista María Corina Machado juntou-se a manifestantes na rua, mas González, que pela contagem deles venceu o pleito, não. Emissários de Maduro já clamaram pela prisão da dupla, e alguns funcionários que atuaram na campanha buscaram abrigo em embaixadas estrangeiras.

Três perguntas pairam no ar, afirma Parodi, da Universidade de Lima. "Maduro vai se manter no poder desta vez? Caso sim, haverá uma segunda onda migratória? Em tal caso, o que os países da região vão fazer com uma migração tão massiva?"

Outrora uma das mais prósperas nações do continente, a Venezuela, país rico em petróleo, viu sua economia derreter e perdeu quase um terço de sua população na última década. Mais de 7,7 milhões abandonaram o país desde 1999, mas a maior parte dessa migração ocorreu durante o governo de Maduro, que culpa as sanções dos Estados Unidos pela decadência nacional.

"Para a Colômbia seria um retrocesso especialmente complicado. O governo colombiano apostou muito em uma normalização das relações com a Venezuela", diz Yann Basset, da Universidade do Rosário.

É na Colômbia que se assentaram a maioria dos refugiados venezuelanos: 2,9 milhões, segundo dados reunidos em 2023 pela Anistia Internacional.

"Se Maduro ao fim conseguir ficar, vai radicalizar sua postura e deixar a oposição um pouco contra a parede. Não há canais de participação nem de diálogo político", pontua Basset.

O historiador Parodi também não se mostra muito otimista, e conta com um endurecimento ainda maior do regime. "Na América Latina costumamos dizer que as ditaduras se tornam mais repressivas quando se aproximam do fim. Adotam posições defensivas e são absolutamente intolerantes porque se sentem cercadas. A expulsão de sete embaixadores e a ruptura possivelmente ainda maior de relações internacionais nos mostra uma Venezuela quase órfã internacional... É um contexto muito complicado, o que se avizinha."

Com informações de Emilia Rojas Sasse

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