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Chinelos viram símbolo de protesto contra abusos da lei na Indonésia

Chinelos doados pela população em apoio a garoto que foi preso por roubar um par de sandálias de um policial em Palu, Indonésia - AP
Chinelos doados pela população em apoio a garoto que foi preso por roubar um par de sandálias de um policial em Palu, Indonésia Imagem: AP

Paula Regueira Leal

Em Jacarta (Indonésia)

07/01/2012 06h04

Chinelos velhos se tornaram o novo símbolo do protesto dos pobres na Indonésia contra os abusos da Justiça pelo caso de um menino que foi condenado à prisão por roubar um par de sandálias de um policial.

Várias associações a favor dos direitos da criança e três escolas do país iniciaram uma coleta de chinelos em massa, de todos os tamanhos e cores, em solidariedade ao menino e como forma de criticar o sistema judiciário, que é acusado de abusar dos mais fracos.

Milhares de indonésios decidiram colocar suas sandálias em frente às delegacias de todo o país para mostrar sua indignação.

Os calçados arrecadados serão enviados ao sargento Ahmad Rusdi Harahap, dono dos chinelos roubados, que é acusado de abuso de autoridade após bater no menino, junto com dois amigos, durante o interrogatório.

O incidente, que provocou essa onda de mal-estar, ocorreu em novembro de 2010, quando em Palau, capital da província central da ilha de Célebes, um menino de 15 anos furtou um par de chinelos de um policial.

O menino, identificado como A.A.L., foi espancado por três policiais que o indagavam sobre o roubo, ao qual o código penal do país imputa uma pena máxima de cinco anos de prisão.

Os juízes sentenciaram na quarta-feira que o jovem não fosse preso, apesar de considerá-lo culpado pelo furto, e que seria devolvido sob custódia a seus pais.

O caso se tornou símbolo da situação de desamparo legal de milhões de crianças indonésias, que a partir dos 12 anos podem ser julgadas por acusações criminais nesse país.

"A cada ano, mais de sete mil crianças são julgadas na Indonésia por pequenos delitos, sendo que 90% delas passam um período na prisão. Não é coincidência que a maioria seja pobre", explicou o porta-voz da SOS Children's Villages.

Os organizadores da coleta informaram, em comunicado, que essa iniciativa foi idealizada para libertar o menino "da armadilha da Justiça inconsequente do país".

Segundo dados da Comissão para a Proteção das Crianças (KPAI), a cada ano cerca de 6.300 menores indonésios acabam presos junto com adultos.

"Muitos deles são detidos por ofensas leves, como roubo de comida ou roupa", indicou o porta-voz da KPAI, que afirmou que esses jovens precisam de "acompanhamento e supervisão em casa, e não de julgamentos e prisão".

O caso gerou grande repercussão na Indonésia, principalmente nas redes sociais, como Facebook e Twitter, nas quais se tornou o assunto mais comentado nos últimos dias. Até o conservador Conselho de Ulemás da Indonésia (MUI), a máxima autoridade religiosa do país, disse que iniciar um processo contra um menino por roubar sandálias era "excessivo" e que não estava de acordo com os valores islâmicos.

Desde a queda do ditador Suharto, em 1998, a Indonésia viveu um processo de democratização que permitiu a liberdade de expressão, o direito ao voto e outros avanços.

No entanto, o sistema judiciário continua cometendo muitos erros que permitem que o roubo de um par de chinelos possa receber uma pena equivalente ou até superior a um estupro ou a crimes de terrorismo.