Colônia Dignidade, a seita mais tenebrosa do século XX
Júlia Talarn Rabascall.
Villa Baviera (Chile), 8 jul (EFE).- Eram os primeiros meses de 1962 e Helmut Schaffrick se sentia afortunado. Acompanhado de sua esposa e seus sete filhos, se afastava em um navio de uma Alemanha em ruínas. No horizonte avistava um paraíso cristão onde começaria uma nova vida junto a outros 300 compatriotas.
Sua viagem terminaria em uma área de floresta do sul do Chile, onde erigiriam uma comunidade para ajudar os mais necessitados e a chamariam de Colônia Dignidade.
Para financiá-la, os Schaffrick, como outras famílias, tinham vendido as casas onde viviam em um pequeno povoado do norte da Alemanha. Helmut e sua esposa Emi reuniram 30.000 marcos que entregaram a seu líder e guia espiritual, Paul Schäfer.
Schäfer era quase analfabeto, de aspecto diminuto e sérias incapacidades físicas. Só tinha um pulmão, lhe faltava um olho e também vários metros de intestino. No entanto, estava dotado de um incomensurável poder de convicção.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Schäfer foi enfermeiro do Exército nazista. Depois, no meio de uma Alemanha desorientada, começou a recrutar fiéis das comunidades batistas. Em breve, formou um grupo de devotos, entre eles crianças das quais abusava sexualmente.
Quando a procuradoria começou a investigar, Schäfer fugiu para o Chile com a maioria de seus adeptos. Pelo menos 90 crianças viajaram sem seus pais. Schäfer lhes disse que seria uma estadia temporária. Assim começou um inferno que durou quase 50 anos.
"Vieram enganados. Pensavam que construiriam um lugar onde fariam o bem e viveriam como bons cristãos. Só encontraram escravidão e sofrimento", contou Horst, um dos filhos do casal Schaffrick.
Instalados em um sítio isolado entre rios e montanhas, Schäfer - ajudado por um pequeno círculo de fiéis seguidores - reteve os documentos dos colonos e impôs um "ferrenho regime totalitário", segundo relatou o advogado Winfried Hempel, nascido na Colônia Dignidade.
Como as outras famílias, Helmut e Emi foram separados e seus filhos ficaram a cargo de impiedosas tutoras. Os contatos, absolutamente proibidos, eram duramente castigados. "A família é algo carnal, uma porcaria, o que verdadeiramente importa é a comunidade", pregava Schäfer.
Helmut, a quem a guerra prostrou em uma cadeira de rodas, nunca aceitou aquilo. Chamava seus filhos quando os via de longe, mas Schäfer inibiu seu desespero a base de sedativos e eletrochoques. Acabou submetido por extenuantes jornadas trabalhistas de 16 horas. Sete dias por semana.
O infernal sistema de trabalho, os brutais castigos e a implacável vigilância permitiram a Schäfer erigir uma disciplinada microssociedade, regida por um poder absoluto e um deus vingativo.
Sensores de movimento, armadilhas e câmeras de vigilância protegiam o reino de Schäfer do "maléfico mundo exterior", sobre o qual estava proibido falar.
Para os que nasceram e cresceram nesse universo de horror, a pedofilia, os castigos e a escravidão eram a única realidade.
Do lado de fora, a Colônia Dignidade era um "exemplar sítio autárquico" que gozava da simpatia da extrema-direita chilena. Durante o governo da Unidade Popular (1970-1973), os colonos cavaram trincheiras e alçaram uma cerca elétrica para se proteger da "invasão marxista". Nunca pensaram que estavam erguendo os muros de sua própria prisão.
Após o golpe militar de 1973, Schäfer ofereceu suas instalações à polícia secreta de Augusto Pinochet. A Colônia Dignidade se transformou em peça-chave do aparelho repressor da ditadura.
Os porões onde armazenavam as batatas se transformaram em um centro de sofisticadas torturas e insuportáveis interrogatórios dirigidos pelo próprio Schäfer. Cerca de 350 pessoas foram torturadas. Mais de uma centena foram assassinadas e enterradas em algum lugar da propriedade.
Finalmente, a democracia conseguiu rachar os impenetráveis muros da Colônia Dignidade. Schäfer fugiu em 1997, quando a Justiça começou a investigá-lo. No entanto, um "conselho de anciãos" manteve o regime até 2005, quando Schäfer foi detido na Argentina e preso no Chile, onde morreu cinco anos depois.
Quando o mundo exterior penetrou finalmente na comunidade, os colonos ficaram aturdidos. Alguns tinham 50 anos e nunca tinham escutado falar de sexo, televisão ou dinheiro. Estavam perdidos. Muitos retornaram à Alemanha, outros decidiram ficar.
Hoje, a Colônia Dignidade se chama Villa Baviera e se reinventou como complexo turístico. A maioria da centena de colonos que ainda vive ali luta para refazer sua vida e aprender a conviver com a sombra de Schäfer.
Villa Baviera (Chile), 8 jul (EFE).- Eram os primeiros meses de 1962 e Helmut Schaffrick se sentia afortunado. Acompanhado de sua esposa e seus sete filhos, se afastava em um navio de uma Alemanha em ruínas. No horizonte avistava um paraíso cristão onde começaria uma nova vida junto a outros 300 compatriotas.
Sua viagem terminaria em uma área de floresta do sul do Chile, onde erigiriam uma comunidade para ajudar os mais necessitados e a chamariam de Colônia Dignidade.
Para financiá-la, os Schaffrick, como outras famílias, tinham vendido as casas onde viviam em um pequeno povoado do norte da Alemanha. Helmut e sua esposa Emi reuniram 30.000 marcos que entregaram a seu líder e guia espiritual, Paul Schäfer.
Schäfer era quase analfabeto, de aspecto diminuto e sérias incapacidades físicas. Só tinha um pulmão, lhe faltava um olho e também vários metros de intestino. No entanto, estava dotado de um incomensurável poder de convicção.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Schäfer foi enfermeiro do Exército nazista. Depois, no meio de uma Alemanha desorientada, começou a recrutar fiéis das comunidades batistas. Em breve, formou um grupo de devotos, entre eles crianças das quais abusava sexualmente.
Quando a procuradoria começou a investigar, Schäfer fugiu para o Chile com a maioria de seus adeptos. Pelo menos 90 crianças viajaram sem seus pais. Schäfer lhes disse que seria uma estadia temporária. Assim começou um inferno que durou quase 50 anos.
"Vieram enganados. Pensavam que construiriam um lugar onde fariam o bem e viveriam como bons cristãos. Só encontraram escravidão e sofrimento", contou Horst, um dos filhos do casal Schaffrick.
Instalados em um sítio isolado entre rios e montanhas, Schäfer - ajudado por um pequeno círculo de fiéis seguidores - reteve os documentos dos colonos e impôs um "ferrenho regime totalitário", segundo relatou o advogado Winfried Hempel, nascido na Colônia Dignidade.
Como as outras famílias, Helmut e Emi foram separados e seus filhos ficaram a cargo de impiedosas tutoras. Os contatos, absolutamente proibidos, eram duramente castigados. "A família é algo carnal, uma porcaria, o que verdadeiramente importa é a comunidade", pregava Schäfer.
Helmut, a quem a guerra prostrou em uma cadeira de rodas, nunca aceitou aquilo. Chamava seus filhos quando os via de longe, mas Schäfer inibiu seu desespero a base de sedativos e eletrochoques. Acabou submetido por extenuantes jornadas trabalhistas de 16 horas. Sete dias por semana.
O infernal sistema de trabalho, os brutais castigos e a implacável vigilância permitiram a Schäfer erigir uma disciplinada microssociedade, regida por um poder absoluto e um deus vingativo.
Sensores de movimento, armadilhas e câmeras de vigilância protegiam o reino de Schäfer do "maléfico mundo exterior", sobre o qual estava proibido falar.
Para os que nasceram e cresceram nesse universo de horror, a pedofilia, os castigos e a escravidão eram a única realidade.
Do lado de fora, a Colônia Dignidade era um "exemplar sítio autárquico" que gozava da simpatia da extrema-direita chilena. Durante o governo da Unidade Popular (1970-1973), os colonos cavaram trincheiras e alçaram uma cerca elétrica para se proteger da "invasão marxista". Nunca pensaram que estavam erguendo os muros de sua própria prisão.
Após o golpe militar de 1973, Schäfer ofereceu suas instalações à polícia secreta de Augusto Pinochet. A Colônia Dignidade se transformou em peça-chave do aparelho repressor da ditadura.
Os porões onde armazenavam as batatas se transformaram em um centro de sofisticadas torturas e insuportáveis interrogatórios dirigidos pelo próprio Schäfer. Cerca de 350 pessoas foram torturadas. Mais de uma centena foram assassinadas e enterradas em algum lugar da propriedade.
Finalmente, a democracia conseguiu rachar os impenetráveis muros da Colônia Dignidade. Schäfer fugiu em 1997, quando a Justiça começou a investigá-lo. No entanto, um "conselho de anciãos" manteve o regime até 2005, quando Schäfer foi detido na Argentina e preso no Chile, onde morreu cinco anos depois.
Quando o mundo exterior penetrou finalmente na comunidade, os colonos ficaram aturdidos. Alguns tinham 50 anos e nunca tinham escutado falar de sexo, televisão ou dinheiro. Estavam perdidos. Muitos retornaram à Alemanha, outros decidiram ficar.
Hoje, a Colônia Dignidade se chama Villa Baviera e se reinventou como complexo turístico. A maioria da centena de colonos que ainda vive ali luta para refazer sua vida e aprender a conviver com a sombra de Schäfer.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.