Suicídio que despertou Primavera Árabe se banalizou na Tunísia, diz estudo
Natalia Román.
Túnis, 20 dez (EFE).- Passados sete anos desde que o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo na cidade de Ben Arous, na Tunísia, aquele gesto simbólico que serviu para dar início à já asfixiada "Primavera Árabe" se transformou em uma macabra rotina que nem sequer aparece nas manchetes dos jornais.
Esta definição é da psicóloga Donia Remili, autora do estudo "Suicídio por imolação com fogo", que analisa como um ato emblemático que gerou uma onda de protestos nunca antes vista e comoveu o planeta foi reduzido a "algo banal".
"Na Tunísia, o suicídio se transformou em um emblema por causa de Mohamed Bouazizi, seguido de uma lenda que levou à sua imitação inclusive além das fronteiras e se tornou uma epidemia nacional", explicou a autora à Agência Efe.
O vendedor ambulante, de 26 anos, ateou fogo ao próprio corpo no dia 17 de dezembro de 2010, após ser vítima de um caso de abuso de autoridade, quando um policial confiscou as frutas e verduras que o jovem pretendia vender.
Natural da cidade rural de Sidi Bouzid, formado em informática e desempregado, Mohamed Bouazizi agiu em desespero em frente à Câmara Municipal para tentar recuperar a única fonte de renda da família.
Um ato que o tornou símbolo nacional entre os tunisianos que, como ele, sofriam com a pobreza e o desemprego e que incentivou milhares de pessoas a saírem às ruas para reivindicar direitos, trabalho e justiça.
Assim começou a chamada "Revolução de Jasmim", que em menos de um mês deu fim aos 23 anos de ditadura de Zine El Abidine Ben Ali. Esse episódio marcou o antes e o depois, o que Donia Remili classifica como "banalização do suicídio".
Estatísticas do Fórum Tunisiano de Direitos Econômicos e Sociais (FTDES) apontam que houve 153 suicídios e tentativas em 2014, 498 em 2015 e 792 em 2016, mas a maioria dos casos já não têm mais repercussão midiática.
Quando Remili iniciou o estudo, em 2011, a primeira dificuldade que encontrou foi a falta de números. O suicídio era um tabu social, proibido tanto no código civil como na religião, que condenavam a prática. O caso Bouazizi mudou a visão sobre o assunto.
"A proibição se transformou em uma licença" e o suicídio começou a ser utilizado como ferramenta "para se defender, para se oferecer em sacrifício por uma causa que é a dignidade, a busca do emprego e a liberdade, denunciar a injustiça e a pobreza".
O perfil do suicida e a análise geográfica mostram um padrão que não mudou desde que Bouzizi mudou o curso da história. A vítima corresponde a um homem por volta dos 30 anos com baixo nível de instrução - analfabetos em alguns casos -, condição socioeconômica muito precária, geralmente procedente de regiões rurais e com reivindicações básicas como educação ou acesso à eletricidade.
"A desigualdade de oportunidades causa um sentimento de vergonha e de culpabilidade entre os seus habitantes", segundo o estudo, mas os números atuais mostram como a escolha do lugar também não já é algo aleatório.
Cerca de 87% escolhem lugares públicos como Câmaras Municipais ou delegacias de polícia para chamar a atenção do governo e lançar uma mensagem: "vocês não fazem nada por nós", além de realizarem "uma cena que chama a atenção da sociedade, testemunha de seu sofrimento".
Ao crescimento deste fenômeno é preciso somar o papel dos veículos de comunicação, que quase transformaram o ato de Bouazizi em "uma moda", segundo o estudo. É o chamado "efeito Werther" (nome inspirado no romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Johann Wolfgang von Goethe"), ou suicídio por imitação.
Um suicídio midiático pode causar "um efeito de contágio entre aqueles indivíduos vulneráveis que se sentem identificados e que decidem imitar o seu gesto", explicou a psicóloga, que também critica a classe política, a qual acusa de não saber lidar com a situação. Dias atrás, uma mulher ameaçou atear fogo ao próprio corpo para reivindicar uma ajuda social para o marido doente.
"O responsável governamental tentou acalmar a situação atendendo às demandas. Agora toda a cidade reivindica esses mesmos direitos alegando que esta mulher não é a única que sofre", afirmou a psicóloga.
Nos últimos anos foram feitos grandes avanços na prevenção do suicídio, como a criação em 2014 do Observatório Social Tunisiano e o lançamento da Comissão para a Luta contra o Suicídio no ano seguinte.
"É preciso envolver todo o mundo, algo que ainda não é visto", concluiu Remili.
Túnis, 20 dez (EFE).- Passados sete anos desde que o vendedor ambulante Mohamed Bouazizi ateou fogo ao próprio corpo na cidade de Ben Arous, na Tunísia, aquele gesto simbólico que serviu para dar início à já asfixiada "Primavera Árabe" se transformou em uma macabra rotina que nem sequer aparece nas manchetes dos jornais.
Esta definição é da psicóloga Donia Remili, autora do estudo "Suicídio por imolação com fogo", que analisa como um ato emblemático que gerou uma onda de protestos nunca antes vista e comoveu o planeta foi reduzido a "algo banal".
"Na Tunísia, o suicídio se transformou em um emblema por causa de Mohamed Bouazizi, seguido de uma lenda que levou à sua imitação inclusive além das fronteiras e se tornou uma epidemia nacional", explicou a autora à Agência Efe.
O vendedor ambulante, de 26 anos, ateou fogo ao próprio corpo no dia 17 de dezembro de 2010, após ser vítima de um caso de abuso de autoridade, quando um policial confiscou as frutas e verduras que o jovem pretendia vender.
Natural da cidade rural de Sidi Bouzid, formado em informática e desempregado, Mohamed Bouazizi agiu em desespero em frente à Câmara Municipal para tentar recuperar a única fonte de renda da família.
Um ato que o tornou símbolo nacional entre os tunisianos que, como ele, sofriam com a pobreza e o desemprego e que incentivou milhares de pessoas a saírem às ruas para reivindicar direitos, trabalho e justiça.
Assim começou a chamada "Revolução de Jasmim", que em menos de um mês deu fim aos 23 anos de ditadura de Zine El Abidine Ben Ali. Esse episódio marcou o antes e o depois, o que Donia Remili classifica como "banalização do suicídio".
Estatísticas do Fórum Tunisiano de Direitos Econômicos e Sociais (FTDES) apontam que houve 153 suicídios e tentativas em 2014, 498 em 2015 e 792 em 2016, mas a maioria dos casos já não têm mais repercussão midiática.
Quando Remili iniciou o estudo, em 2011, a primeira dificuldade que encontrou foi a falta de números. O suicídio era um tabu social, proibido tanto no código civil como na religião, que condenavam a prática. O caso Bouazizi mudou a visão sobre o assunto.
"A proibição se transformou em uma licença" e o suicídio começou a ser utilizado como ferramenta "para se defender, para se oferecer em sacrifício por uma causa que é a dignidade, a busca do emprego e a liberdade, denunciar a injustiça e a pobreza".
O perfil do suicida e a análise geográfica mostram um padrão que não mudou desde que Bouzizi mudou o curso da história. A vítima corresponde a um homem por volta dos 30 anos com baixo nível de instrução - analfabetos em alguns casos -, condição socioeconômica muito precária, geralmente procedente de regiões rurais e com reivindicações básicas como educação ou acesso à eletricidade.
"A desigualdade de oportunidades causa um sentimento de vergonha e de culpabilidade entre os seus habitantes", segundo o estudo, mas os números atuais mostram como a escolha do lugar também não já é algo aleatório.
Cerca de 87% escolhem lugares públicos como Câmaras Municipais ou delegacias de polícia para chamar a atenção do governo e lançar uma mensagem: "vocês não fazem nada por nós", além de realizarem "uma cena que chama a atenção da sociedade, testemunha de seu sofrimento".
Ao crescimento deste fenômeno é preciso somar o papel dos veículos de comunicação, que quase transformaram o ato de Bouazizi em "uma moda", segundo o estudo. É o chamado "efeito Werther" (nome inspirado no romance "Os Sofrimentos do Jovem Werther", de Johann Wolfgang von Goethe"), ou suicídio por imitação.
Um suicídio midiático pode causar "um efeito de contágio entre aqueles indivíduos vulneráveis que se sentem identificados e que decidem imitar o seu gesto", explicou a psicóloga, que também critica a classe política, a qual acusa de não saber lidar com a situação. Dias atrás, uma mulher ameaçou atear fogo ao próprio corpo para reivindicar uma ajuda social para o marido doente.
"O responsável governamental tentou acalmar a situação atendendo às demandas. Agora toda a cidade reivindica esses mesmos direitos alegando que esta mulher não é a única que sofre", afirmou a psicóloga.
Nos últimos anos foram feitos grandes avanços na prevenção do suicídio, como a criação em 2014 do Observatório Social Tunisiano e o lançamento da Comissão para a Luta contra o Suicídio no ano seguinte.
"É preciso envolver todo o mundo, algo que ainda não é visto", concluiu Remili.
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