Amputações, eletricidade limitada e alta prematura colocam saúde de Gaza em estado crítico
Muletas e pinos ensanguentados nas pernas, como os usados pelo jovem Wadie Ras, identificam os feridos nos protestos em hospitais de Gaza, onde centenas de pessoas com ferimentos se submetem a complexos tratamentos, a sequelas físicas de longa - ou perpétua - duração e a em um sistema de saúde frágil.
Diante da gravidade do ferimento produzido "por bala explosiva" do Exército israelense, Ras foi o primeiro a ser operado no Hospital Al-Shifa, no dia 14 de maio, quando mais de 60 palestinos morreram e 1.300 ficaram feridos na Grande Marcha do Retorno, agravada pela mudança da embaixada dos Estados Unidos para Jerusalém. O Exército de Israel disse que os protestos, que deixaram 114 palestinos mortos, foram organizados pelo movimento Hamas e utilizados para cometer "ataques terroristas", por isso responderam em legítima defesa.
A Anistia Internacional considera que o grande número de feridos, principalmente nas extremidades inferiores, mais parece ao de períodos de guerra do que ao de uma manifestação e afirma que foram utilizados rifles de atiradores de elite, que trabalham com munição de caça, que se expande e se espalha dentro do corpo.
"Muitos vão precisar de reabilitação ortopédica e depois de tratamentos reconstrutivos e físicos. Além de todo o impacto que representa para a pessoa que vai ter limitações de locomoção, existe o impacto econômico que isso terá na sociedade", advertiu Gabriel Salazar, coordenador de saúde do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
O palestino Ali Mohammed Abu Hashem deu entrada em 13 de abril e precisou da amputação imediata da perna direita por ferimento de bala. Ele é uma das 26 pessoas que até o momento perderam alguma extremidade entre os mais de 3 mil feridos nos protestos, conforme dados do Ministério da Saúde da Faixa de Gaza.
"Depois de 27 dias de tratamento, a inflamação está controlada e o ferimento finalmente fechou. Espero que a situação melhore", disse Shifa, que divide um quarto no hospital com outros cinco feridos nos protestos.
Salazar explicou que durante oito semanas houve uma demanda grande e que o centro médico recebia centenas de pacientes por dia. Muitos receberam alta prematuramente para abrir espaço em meio ao alerta das últimas mobilizações de 14 e 15 de maio.
A alta precoce - o que significa enviar a pessoa para casa, em muitos casos, com recursos limitados e alto nível de pobreza -, aumenta o risco de infecção do paciente, que precisa, em média, de duas ou três cirurgias e, em casos mais complicados, amputações.
No último dia 14 foi registrado o maior número de mortes em Gaza desde a operação militar israelense de 2014. Naquela ocasião, dois mil palestinos morreram em 50 dias, um episódio de crise que fez os médicos aprenderem e planejarem formas de enfrentar emergências com certa capacidade.
"Um setor de saúde frágil em si põe uma situação tão aguda quanto importante, na qual a maioria dos casos é complexa e crítica e tem dificuldades. Qualquer hospital da Europa teria enfrentado desafios", disse Salazar.
O sistema de saúde público de Gaza, região isolada há 11 anos pelo bloqueio, sofre com a limitação de equipamentos, materiais e remédios por ser dependente do Ministério da Saúde da Autoridade Nacional Palestina (ANP), na Cisjordânia, e devido às restrições israelenses.
A energia elétrica, que só está habilitada por quatro ou seis horas por dia, e as deficiências de saneamento tornam a situação ainda mais delicada.
Os protestos conhecidos como a Grande Marcha do Retorno, promovidos por setores sociais e políticos para reivindicar o direito dos refugiados a voltarem para as suas cidades de origem, levaram um grande número de jovens apolíticos a manifestar a frustração com a falta de oportunidades.
Agora, esses mesmos jovens enfrentam meses ou semanas de tratamento, diante de um futuro incerto, que pode derivar uma falta de mobilidade temporária ou até permanente.
"Embora não tenhamos novos casos, vamos ter remanescentes que precisam de cirurgia. A falta de provisões e capacidade não vai acabar agora", alertou o especialista, que ressaltou as consequências psicológicas que tudo isso terá em uma sociedade que já se sente castigada e abandonada.
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