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Médicos argentinos dão consultas "de presente" a pessoas com poucos recursos

31/12/2018 09h57

Tom Gil.

Buenos Aires, 31 dez (EFE).- Diante da saturação do sistema de saúde da Argentina, médicos e voluntários da ONG "Me regalás una hora?" ("Me presenteie uma hora?", em tradução livre) tentam "descomprimir" as listas de espera nos hospitais com consultas gratuitas para pessoas que vivem na rua ou se encontram em situação de vulnerabilidade.

A iniciativa, que começou há quatro anos com o cardiologista Mariano Masciocchi em uma paróquia do bairro de Almagro, em Buenos Aires, gerou uma onda de solidariedade na saúde argentina partindo da ideia de pedir a seus integrantes uma hora de seu tempo.

"Às vezes significa deixar de tomar um café em um bar ou não ir a uma aula de dança, e nessa hora você pode dar um montão de coisas, mais do que você imagina, a uma pessoa que não tem nada", explica à Agência Efe Masciocchi, presidente da ONG.

O médico argentino decidiu iniciar este projeto em 2014, ano da morte de seu pai e de seu divórcio, dois fatos que o fizeram repensar sua vida e perceber que "não estava fazendo nada pelos demais".

"Estes sopapos que a vida me deu naquele momento me serviram para tentar sair dessa bolha", conta o cardiologista.

No entanto, durante os dois primeiros anos em que ia todo sábado de manhã à paróquia de San Carlos, só atendia um ou dois pacientes, quando tinha capacidade para dar 15 consultas.

Uma carta divulgada nas redes sociais mudou esta "frustrante" situação e, atualmente, a ONG faz várias consultas médicas por semana e atende a cerca de 500 pacientes por mês.

"Em Buenos Aires há muitas pessoas em situação de rua, gente que vive nas calçadas cobertas com papelões e que passam muitas inclemências tanto no verão, com temperaturas terríveis que podem chegar a 40 graus, como no inverno, com temperaturas que podem chegar a zero", comenta Masciocchi.

Karen Arauz, médica boliviana integrante da direção da ONG, detalha que as pessoas atendidas nas paróquias e na rua apresentam todo tipo de dificuldades, desde quadros gripais pelas temperaturas no inverno, problemas de pele derivados da falta de higiene, infecções, hipertensão e diabetes.

Para tratá-los, os médicos contam com uma rede de cerca de 60 voluntários, entre os quais há enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, pediatras, cardiologistas e muitas pessoas sem conhecimentos médicos que também dedicam seu tempo, além de 30 especialistas em outras áreas.

O fundador da associação civil esclarece que uma "paróquia nunca vai ser um hospital". Lá os médicos voluntários oferecem atendimento médico primário e podem receitar remédios se acharem necessário, mas sua função não é substituir a saúde pública, e sim "descomprimir" suas saturadas listas de espera.

No entanto, desta forma os profissionais da saúde podem dar mais atenção a seus pacientes, o que nos hospitais é difícil de proporcionar devido ao ritmo frenético de trabalho.

De fato, muitas vezes as pessoas em situação de rua agradecem mais por este tipo de tratamento próximo, com abraços, apertos de mão e amigáveis tapas nas costas, do que a própria consulta médica.

"Há pessoas que viveram na rua há 20 anos e o povo que passa por elas sem nem sequer nota-las. Eles nos contavam: 'Nós nos sentimos como mobília da cidade de Buenos Aires'", relata Karen, ao destacar como estas pessoas valorizam muito mais os gestos de amabilidade e a atenção dos voluntários.

Após chegar a várias províncias argentinas, como Santiago del Estero e San Juan, um dos objetivos da ONG para o ano que vem é se expandir e chegar a países como Bolívia, Colômbia e Venezuela, onde conta com colaboradores.

Além disso, não satisfeitos com seu trabalho, os médicos se propuseram a melhorar a qualidade do tratamento às pessoas com poucos recursos que atendem, para que essa hora que "dão de presente" seja mais proveitosa. EFE