Topo

Fracassa segunda tentativa de repatriação de rohingyas a Mianmar

22/08/2019 11h35

(Corrige título)

Azad Majumder e Mratt Kyaw Thu

Yangon (Mianmar), 22 ago (EFE).- Nenhum rohingya se apresentou voluntariamente nesta quinta-feira para retornar à Mianmar, um fracasso inicial na segunda tentativa de repatriação em menos de um ano, embora as autoridades de Bangladesh não descartem que nos próximos dias algum refugiado possa mudar de ideia.

Cinco ônibus, dois caminhões e dez microônibus esperavam desde as 9h (meia noite, em Brasília) no campo-26, o mais próximo à fronteira com Mianmar em Teknaf, no sudeste de Bangladesh, desde onde os rohingyas seriam transferidos, mas às 16h (7h, em Brasília), as autoridades locais deram por terminada a operação.

"Não haverá repatriação hoje, mas o processo de entrevistas continuará", afirmou à Efe o encarregado do campo-26, Mohammad Khaled Hossain, enquanto os veículos vazios deixavam o local.

As autoridades de Bangladesh, na presença de representantes da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), entrevistaram até hoje 295 das 1.037 famílias que a Mianmar tinha aceitado repatriar, mas nenhuma delas deu o consentimento, segundo confirmou hoje em comunicado a ONU.

"Até agorra nenhuma das famílias entrevistadas aceitou, mas esperamos que possam mudar de opinião em qualquer momento", revelou o comissário de Bangladesh para a Ajuda aos Refugiados, Abul Kalam, em entrevista coletiva no campo-26 diante de uma grande expectativa midiática.

No entanto, Kalam advertiu que "este processo continuará" até que completem as 1.037 entrevistas, algo que "poderia levar três dias, sete dias" ou inclusive mais tempo.

"Não é possível dizer que trata-se de um fracasso de Bangladesh. Este é um problema entre Mianmar e sua população (...) Acreditamos que em qualquer momento pode haver uma mudança ", concluiu.

Do outro lado da fronteira, o ministro birmanês para o Desenvolvimento Social, Assistência e Reassentamento, Win Myat Aye, reconheceu o fracasso inicial e o atribuiu ao fato de rohingyas "não quererem retornar".

"Acredito que hoje não acontecerá (...) Tentamos tanto o quanto pudemos e estamos esperando", afirmou aos repórteres o ministro, que viajou um dia antes a Sittwe, capital de Rakain, para conhecer desde o terreno a evolução do processo de repatriação.

Esta nova tentativa acontece três dias antes do segundo aniversário do início do êxodo rohingya a Bangladesh.

Tudo começou quando em 25 de agosto de 2017 um grupo rebelde rohingya lançou uma série de ataques contra postos governamentais na região de Rakain, no oeste da Mianmar, o que provocou uma desproporcional resposta do Exército contra esta minoria.

Cerca de 738 mil rohingyas fugiram a Bangladesh e permanecem desde então em campos de refugiados.

Os ataques, acompanhados de denúncias de massacres e estupros, foram qualificados pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU de "limpeza étnica de manual" com indícios de "genocídio".

Apesar do trauma, em novembro as autoridades de ambos os países tentaram, sem sucesso, iniciar o processo de repatriação diante do medo generalizado dos rohingyas, e embora nesta ocasião o ânimo entre os membros desta minoria estava mais calmo, a resposta foi a mesma.

O líder rohingya e ativista Hafez Shahidullah mostrou sua satisfação que o Governo birmanês deseje o retorno da minoria, mas lembrou à Efe que tem "pelo menos cinco exigências que necessitam ser cumpridas" antes de aceitar a repatriação.

Shahidullah reivindicou que um cartão de cidadania na qual a etnia rohingya seja reconhecida, a garantia de segurança com a presença de uma força internacional, a transferência de terrenos que possuíam antes da sua fuga, uma compensação pelas perdas e o desaparecimento de campos de internamento.

Além disso, afrimou que esta nova tentativa de repatriação de maneira repentina gerou muito "incômodo".

"Isso é uma amostra clara de que Mianmar rompe com suas promessas (...) Não haverá repatriação sem falar antes conosco", sentenciou o ativista.

Um dos rohingyas que compareceu hoje a uma das entrevistas com ACNUR no campo-26 foi Nur Hossain, um motorista de 41 anos que fugiu da Mianmar quando começaram os ataques.

Hossain reconheceu à Efe que não voltará à Mianmar com os outros oito membros de sua família, entre eles seis filhas e um filho, até que as autoridades birmanesas aceitem as reivindicações.

Quando garantirem o cumprimento aos pedidos, "sentirei que minha liberdade não será limitada uma vez que retorne", sentenciou Hossain.EFE