Só 10% dos caçadores caçaram javali e o uso das armas é incerto, diz TCU

Entre 2019 e 2022, apenas 10,37% dos caçadores registrados no país saíram para caçar.

Dos 574.661 registros no período, apenas 59.610 fizeram um pedido ao Ibama para caçar. Assim, o destino e o uso das armas em circulação são incertos.

O diagnóstico está presente em um relatório sigiloso do TCU (Tribunal de Contas da União) feito a pedido da Câmara dos Deputados, em Brasília, e obtido pelo UOL.

Na última sexta (1º), reportagem do UOL mostrou que o Exército ignorou alertas do Ibama de que a caça ao javali foi usada como pretexto para a compra e transporte de armas.

Segundo documentos do órgão ambiental obtidos pela reportagem, 111 mil pessoas cadastradas, em 2022, jamais haviam caçado. A situação foi considerada "fraude" pelo Ibama.

Os militares são responsáveis pelos registros e fiscalização do armamento dos CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores). O Ibama autoriza e monitora as caçadas.

A auditoria do TCU afirma que, dos 50 maiores acervos de caça no Brasil, apenas em 22 deles os caçadores haviam feito pedido para caçar.

O javali é o único animal com permissão para ser caçado legalmente no país. Durante o governo Bolsonaro, porém, o relatório aponta desvio de finalidade.

"Somente uma pequena parte dos caçadores registrados efetivamente realizam o abate dos javalis exóticos, de modo que há uma redução do potencial de controle dessas espécies", diz o texto.

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"Esse desvio finalístico" também "amplia as oportunidades de extravios para fins criminosos".

Menos burocracia

Uma das causas apontada pelos auditores foi a burocracia menor para comprar uma arma de caça em relação aos atiradores e colecionadores, que precisavam comprovar endereços, cofres e assiduidade a um clube de tiro, como no caso dos atiradores desportivos.

"O segundo atributo - isto é, a realização de abate de animais com a observância das normas ambientais -, por outro lado, não goza da mesma objetividade, dado que, por exemplo, o resultado da caça é incerto, ou seja, não há como garantir o efetivo abate, fazendo com que a comprovação normalmente tenha natureza declaratória", diz o texto.

Segundo o Exército, o número de registros de caça saltou de 44.821 em 2019 para 258.315 em 2022. Já as Guias de Tráfego, documento essencial para comprar e carregar uma arma de fogo, saltaram de 5.740 em 2019 para 140.202 em dezembro de 2022.

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O registro como caçador permitia ter até 30 armas e 90 mil munições, inclusive de uso restrito. A permissão caiu para seis armas e três mil munições anuais.

Outros achados

O Exército também emitiu licenças de CACs para condenados por crimes como tráfico de drogas e homicídio, para potenciais "laranjas" do crime organizado, para pessoas com mandados de prisão em aberto e até para brasileiros registrados como mortos.

Durante o governo Bolsonaro, 5.235 pessoas em cumprimento de pena puderam obter, renovar ou manter o registro como CAC. Destes, 1.504 estavam com processos penais em aberto. Outros 2.690 eram foragidos da Justiça.

O Estatuto do Desarmamento, de 2003, veda a concessão de uso de armas a quem responde a inquérito policial ou criminal.

Também há a suspeita de 22.493 CACs eram laranjas por constarem no CadÚnico como pessoas de baixa renda que não teriam dinheiro para a compra de armas de fogo. Outras 94 CACs constam como mortas.

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O raio-x do TCU foi feito a partir de dados do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas de Fogo (Sigma), do Exército, com o cruzamento de dados do sistema nacional de mandado de prisão, de execução de pena, dados prisionais e bancos de material genético.

O Exército Brasileiro foi acionado pela reportagem, mas ainda não emitiu nota. O posicionamento será acrescentado assim, ou se, for feito.

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