OPINIÃO
Gringa e Brasil redescobrem Machado, mas ainda falta lembrar: ele é negro
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"O que vou fazer do resto da minha vida depois que terminá-lo?". Este é o questionamento da escritora e podcaster norte-americana Courtney Henning Novak, após iniciar a leitura do icônico "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis (1839-1908).
Novak publicou um vídeo em suas redes sociais, que viralizou e fez com que a publicação se tornasse uma das mais vendidas na Amazon dos Estados Unidos na categoria da Literatura Latino-Americana e Caribenha.
Por aqui, no entanto, o vídeo jogou lenha em muita fogueira. Por que será que só descobrimos nossos talentos brasileiros quando alguém de fora, principalmente dos Estados Unidos e Europa, falam sobre ele? Por que não aprendemos ou damos valor na escola? E por que tanta gente só se interessa de verdade quando a gringa diz que é bom? São muitas perguntas e muitas camadas de respostas - muitas delas que estão lá no processo cultural da nossa formação enquanto sociedade.
Entre tanta coisa que Novak nos trouxe de reflexão, uma parece ser novamente apagada, e se torna necessário relembrar: Machado de Assis é um escritor negro. Por que isso não é um "mi mi mi", mas importante?
A boa literatura nos abre caminhos para entendermos melhor sobre o mundo e sobre nós mesmos. Machado é este escritor que nos oferece uma perspectiva diferente, um novo olhar sobre o mundo em uma época em que os resquícios da escravização de pessoas negras se refletia na desumanização e alta desigualdade.
Entender que Machado é um autor negro também o coloca na história como o ponto fora da curva, não no sentido da não existência de autores e autoras negras talentosas, mas de ter conseguido furar a bolha do apagamento - mesmo que tardiamente.
Segundo o linguista Gabriel Nascimento, autor de "Racismo Linguístico", a obra de Machado e de outros escritores negros da época eram criticadas por escritores brancos, que justificavam o que chamavam de "má qualidade" literária por conta de suas raízes negras.
"O Machado negro era altamente criticado a ponto de Sílvio Romero [poeta e jurista] chamar 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' de 'a bolorenta pamonha literária'", explica.
Machado de Assis nasceu no Morro do Livramento, atual Morro da Providência, no Rio de Janeiro. Seu pai era um homem negro e sua mãe, uma mulher branca portuguesa. "Menino pobre, tal como muitos jovens negros de hoje, ele se apegou ao mundo da escrita escolarizada como uma forma de aparecer em meio ao mundo racista do século 19", explica Nascimento.
O escritor, no entanto, passou a ganhar terreno em meados do século 20, quando a universidade buscava novas perspectivas para entender o Brasil e se afastar da imagem de um país escravagista.
"Sua linguagem, antes atacada por críticos abertamente racistas, agora era simplesmente vislumbrada pelos usos 'rebuscados' de ênclises e mesóclises que povoam sua literatura. Escritas que, conforme sabemos, ou deveríamos saber, são a apropriação e uso proposital da linguagem para mobilidade social. A escrita era, por si só, uma forma de sobreviver, de viver e de reescrever a própria vida no meio de uma tradição literária elitista"
Gabriel Nascimento, linguista
Mais de cem anos depois de sua morte, se a escrita de Machado passa a ter mais reconhecimento pela sua excelência, a sua origem continua em apagamento. Neste ano, a própria ABL (Academia Brasileira de Letras), recriou Machado de Assis por meio de IA, cujo avatar não tinha sotaque e tinha pele branca.
"O Machado de Assis da escrita passa a ser uma apropriação do mundo branco acadêmico, buscando branqueá-lo justamente por suas escolhas lexicais, seus usos do francês e arcaicos do latim e suas marcas sintáticas. Esse mundo apaga quase que completamente a trajetória real de Machado de Assis para além de suas escritas."
Gabriel Nascimento
Tal processo não é particular da vida e obra de Machado. Poderíamos elencar dezenas de exemplos. O tempo passa, mas os ventos podem ser os mesmos. E se questionar é um bom passo para trazer novos ventos. Fica aqui um deles: que autores ou autoras negras você já leu?
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PEGA A VISÃO
"A Barbie é um nome tão grande e tão forte e, hoje, eu posso dizer que também me tornei tão grande e tão forte como ela. Realmente é uma honra fazer com que as pessoas continuem acreditando e sonhando alto para alcançar seus objetivos, sabendo que é possível."
Rebeca Andrade, ginasta
Rebeca Andrade realizou um sonho e ganhou uma versão personalizada da Barbie, integrando o time de oito atletas que serão homenageadas pela marca. Leia mais aqui.
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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL