Trabalho escravo: adolescente é resgatado em fazenda de ex-juiz do trabalho
Um adolescente de 17 anos foi encontrado em condição análoga à de escravo em uma carvoaria do juiz do Trabalho aposentado Antônio Amado Vieira, em Itacambira (MG), segundo auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
De acordo com o relatório da operação, o jovem atuou 23 dias sem registro, sem treinamento e sem equipamentos de proteção. O adolescente retirava os galhos dos troncos de eucaliptos e os cortava com uma foice para alimentar os fornos da carvoaria.
Tanto o uso da foice para corte de madeira quanto o trabalho ao ar livre sem proteção adequada são proibidos por lei para menores de 18 anos. Essas atividades estão enquadradas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, descritas pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Ainda segundo o relatório, o jovem havia recebido apenas boné, botina, luva e caneleira, acessórios considerados insuficientes pela fiscalização para garantir sua proteção.
Os auditores fiscais também relataram que o adolescente percorria de moto, sozinho, 40 quilômetros diariamente na ida e volta do trabalho. Em sua garupa, levava um galão de gasolina para ser usado na motosserra e outros veículos.
"Apesar de o contrato ter sido curto, ele corria um grande risco nesse período", afirma Rogério Lopes Costa Reis, auditor-fiscal do trabalho que coordenou a operação realizada no fim de janeiro deste ano.
O ex-juiz do trabalho pagou R$ 9.275,25 em verbas rescisórias e fundo de garantia, além de R$ 2 mil por danos morais individuais ao adolescente . Ele ainda desembolsou R$ 3 mil por danos morais coletivos.
Ex-juiz diz que culpa é do pai do adolescente
Em depoimento ao Ministério do Trabalho, Vieira afirmou que a contratação do jovem com menos de 18 anos "foi um acidente de percurso". Segundo seu relato, ele estava viajando quando um de seus funcionários pediu para que contratasse seu filho. Sem atentar para idade, autorizou.
Em resposta à Repórter Brasil, o advogado Saulo José Serpa Vieira, que também é filho do ex-juiz, contou uma versão diferente, colocando a culpa sobre o pai do menor de idade.
"O proprietário desconhecia a existência de trabalhador menor de idade no local, e que este fato deu-se por infeliz atitude do pai dele que entendeu naquele momento que era o melhor para o filho estar trabalhando próximo à ele, do que sem serviço em casa, não se atentando para a ilicitude do trabalho para menores de 18 anos" (Confira abaixo a resposta na íntegra).
Para Costa Reis há uma tentativa de desvinculação do problema por parte do ex-juiz. "Se tivesse registrado, veria que o funcionário tinha menos de 18 anos", diz o auditor fiscal do Trabalho. "Ele, um juiz do trabalho, óbvio que ele sabia dos impedimentos, ou deveria saber pelo menos", acrescenta.
Falta de água, banheiro e primeiros socorros
Com 300 hectares, a Fazenda Tamanduá tem aproximadamente metade de sua área plantada com eucaliptos. É de lá que os sete trabalhadores encontrados pela fiscalização tiram a madeira que abastecem os 21 fornos que produzem o carvão vegetal.
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Quero receberOs auditores fiscais relataram que não havia banheiros nem água potável no local. Os trabalhadores eram obrigados a trazer galões de água de casa e compartilhar entre si ou a beber de uma nascente próxima sem tratamento, nem proteção para evitar que animais tivessem acesso à ela. A fiscalização também verificou que não havia material de primeiros socorros.
Os seis trabalhadores encontrados na fazenda junto ao adolescente também não tinham realizado o exame admissional — que só foi feito após a visita dos auditores.
De acordo com o advogado do ex-juiz, a frente de trabalho ficava próxima ao alojamento, onde havia água potável, banheiros e área para repouso. Além disso, o advogado afirma que eles estão recorrendo do enquadramento de trabalho análogo ao de escravo.
Um dos argumentos é que o adolescente não residia no local de trabalho, recebia um salário acima do mínimo e realizava uma jornada abaixo das 44 horas semanais. Além disso, o advogado sustenta que os outros seis trabalhadores encontrados na fazenda na mesma condição do jovem de 17 não foram enquadrados como trabalhadores em condições análogas à de escravo.
"Informa o proprietário que firmou TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com o Ministério Público do Trabalho, tendo cumprido todas as obrigações junto ao menor, e que por este mesmo motivo compreende como ilegal a cutuação com fundamento no trabalho escravo, encontrando-se pendente de julgamento a defesa apresentada", afirmou a defesa em resposta aos questionamentos da reportagem.
R$ 920 mil em autuações ambientais
Natural de Bocaiúva (MG), Antônio Vieira aposentou-se como juiz regional do trabalho do Mato Grosso do Sul em 1998. Além das duas fazendas de carvão em Itacambira, o magistrado tem três fazendas de criação de gado para corte em Urucuia e Pintópolis, a cerca de 330 km de sua cidade natal.
Em 2011, Antônio Vieira recebeu R$ 20 mil do governo de Minas Gerais por meio do Bolsa Verde, programa de incentivo financeiro a produtores que preservam o meio ambiente. Naquele mesmo ano, foi autuado pela Secretaria de Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável por desmatar mais de 132 hectares de uma floresta que estava em regeneração em uma de suas fazendas. Hoje o local é utilizado para a criação de gado.
Desde então, o ex-juiz já foi autuado em mais de R$ 920 mil por desmatamento, danos ambientais e uso de barragem sem autorização pelo órgão estadual.
Em resposta à Repórter Brasil, o advogado Saulo José Serpa Vieira afirmou que as autuações por desmatamento foram aplicadas de forma equivocada.
"Cumpre destacar que nos dois casos as autuações deram-se sem consulta do autuado que não teve a oportunidade, antes da lavratura dos autos de infração, de apresentar os documentos que comprovavam a legalidade de suas intervenções, que, repete-se, não constituíram qualquer tipo de desmatamento e não houve a derrubada de uma única árvore nos locais de intervenção, mas limpeza de áreas de pastagem pré-existentes".
Carvoarias na nova 'lista suja' do trabalho escravo
A produção de carvão vegetal é a atividade que mais incluiu nomes de empregadores na chamada "lista suja" do trabalho escravo divulgada no último dia 05, pelo governo federal .
Nos últimos 10 anos, 1.083 pessoas em situações análogas à de escravo foram resgatadas de carvoarias, segundo dados do Ministério do Trabalho sistematizados pela Repórter Brasil e pela Comissão Pastoral da Terra. Minas Gerais foi o estado que mais registrou resgates em carvoarias.
"Geralmente são pessoas mais vulneráveis [que trabalham em carvoarias], que ficam muitas vezes em condições degradantes de alojamento, de trabalho, sem qualquer equipamento de proteção, respirando fumaça que tem dióxido de carbono e que faz um mal danado para a saúde", finaliza o auditor-fiscal do trabalho Rogério Lopes Costa Reis.
Outro lado
Nota do advogado Saulo José Serpa Vieira, que defende o ex-juiz:
Sobre o incidente envolvendo o Menor no imóvel do Proprietário, tem-se a esclarecer o seguinte: Não houve resgate do Menor nem trabalho em condições análogas a de escravo. A prova disso reside no depoimento do próprio Menor, à época com 17 anos e 09 meses, que informou, em apertada síntese, à autoridade fiscalizadora no momento da fiscalização o seguinte: (i) que o próprio Menor pediu ao Pai para trabalhar na fazenda, e não houve oposição nem do pai nem da mãe, registrando que o Pai do Menor já trabalhava na localidade com carteira assinada; (ii) que recebeu EPIS para realizar o trabalho; (iii) que a remuneração a ser recebida daria entre R$3.000,00 a R$4.000,00 mensais. (iv) que o trabalho era próximo ao alojamento onde havia água potável, banheiros e local para repouso e se deslocava para lá a pé devido a proximidade; (v) que trabalhava de segunda a sexta feira, e ainda declarou "que não sentiu cansaço pela atividade exercida"; (vi) que continuava a residir na casa da mãe, e que possuía namorada com quem encontrava nos finais de semana.
A narrativa emitida pelo próprio Menor afasta, sem dúvidas, a qualificação da Fiscalização de que o trabalho realizado pelo Menor dava-se em condições análogas a de escravo, e de que teria sido resgatado no local, visto que o Menor nem residia no imóvel Rural, e, conforme declarado pelo Menor, recebia remuneração acima do mínimo, trabalhou com EPIS, e exerceu jornada de trabalho abaixo de 44 horas semanais, elementos que afastam o trabalho tido como degradante, onde o trabalhador é submetido a uma condição sub-humana de trabalho.
Destaca ainda que a maior prova da inexistência de trabalho em condições análogas a de escravo na presente situação reside no fato de que no imóvel rural objeto da fiscalização haviam outros 06 empregados que trabalhavam nas mesmas condições do Menor, inclusive o Pai dele, e, no entanto, a fiscalização enquadrou apenas o menor como trabalhador em condições análogas à de escravo, deixando de fora os demais 06 empregados que lá trabalhavam.
Por fim, importante ainda explicar que o Proprietário desconhecia a existência de trabalhador menor de idade no local, e que este fato deu-se por infeliz atitude do Pai dele que entendeu naquele momento que era o melhor para o filho estar trabalhando próximo à Ele, do que sem serviço em casa, não se atentando para a ilicitude do trabalho para menores de 18 anos. Importante salientar que o trabalho do Menor na propriedade deu-se por apenas 18 dias, de 03 de janeiro 2023 à 26 janeiro de 2023, época de festividades e férias, motivo pelo qual o Proprietário ainda não havia organizado o registro do Empregado e, por consequência, verificado a menoridade.
Por fim, informa o Proprietário que firmou TAC com o Ministério Público do Trabalho, tendo cumprido todas as obrigações junto ao Menor, e que por este mesmo motivo compreende como ilegal a Autuação com fundamento no Trabalho escravo, encontrando-se pendente de julgamento a defesa apresentada.
Sobre as autuações que dizem respeito a supostos atos de desmatamento cumpre esclarecer o seguinte. A primeira Autuação deu-se no ano de 2011, sob uma área de 132 hectares e não 134 mil hectares conforme questionado pela jornalista no email, e a Autuação equivocou-se ao considerar desmatamento a realização de limpeza de pastagem sob área formada com autorização do órgão ambiental no ano de 2004 e que encontrava-se antropizada (consolidada) com pastagens desde então. Ademais a intervenção foi parcial no terreno de pastagens e teve como objetivo a implantação de um sistema silvipastoril com o plantio de árvores de eucalipto com distância de aproximadamente 10 metros uma da outra mantendo no meio a pastagem pré-existente. Logo, não houve a derrubada de uma única árvore na área objeto da autuação.
Sobre esta Autuação, importante ainda destacar que a implantação do sistema silvipastoril ocorreu através de uma parceria entre o Autuado e o próprio Órgão Ambiental à época, o IEF (Insituto Estadual de Floresta), que forneceu mudas e outros implementos e contou ainda com assistência técnica do órgão que vistoriou a área antes e após o plantio, inclusive registrando nos relatórios a pré existência da pastagem.
No que toca a segunda Autuação, ocorrida em 2018, houve a autuação por suposto desmate de uma área de 257,33 hectares, no entanto, além de tratar-se da mesma área que fora transformada em pastagem no ano de 2004 e conservada desde então, neste caso o Autuado possuía processo de intervenção ambiental autorizando lhe a limpeza de área sem aproveitamento lenhoso, fato que afasta, sem dúvidas, as razões da Autuação.
Cumpre destacar que nos dois casos as Autuações deram-se sem consulta do Autuado que não teve a oportunidade, antes da lavratura dos Autos de Infração, de apresentar os documentos que comprovavam a legalidade de suas intervenções, que, repete-se, não constituíram qualquer tipo de desmatamento e não houve a derrubada de uma única árvore nos locais de intervenção, mas limpeza de áreas de pastagem pré-existentes. Com estas considerações, espera ter esclarecido os fatos.
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