Nunes não repassa verba e pais fazem rifa contra 'calorão' em creche
Famílias de alunos do CEI (Centro de Educação Infantil) Jamir Dagir, uma creche municipal da zona oeste de São Paulo (SP), estão recorrendo a uma rifa para instalar, no próximo mês, películas redutoras de calor nos vidros das salas da escola. A medida tem por objetivo reduzir a temperatura dentro da unidade no próximo ano letivo.
A iniciativa foi organizada após os pais receberem a notícia de que a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) destinaria um valor cerca de 80% menor do que o esperado para o fim deste ano, comprometendo melhorias previstas na creche. Os CEIs atendem crianças de até 3 anos e 11 meses.
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"Fomos informados pela diretora que não seria possível comprar mais nada do que estava planejado para enfrentar o calor por causa dessa redução de verbas", conta Giane Silvestre, mãe de um menino de 3 anos e integrante do Conselho de Escola do CEI Jamir Dagir, que tem mais de cem alunos. "Então, começamos a nos mobilizar para levantar esses recursos", complementa.
Uma EMEI (Escola Municipal de Educação Infantil) da zona leste da capital paulista também teve suas ações de enfrentamento ao calor prejudicadas. O valor repassado pela prefeitura é quase 85% menor do que o esperado.
À Repórter Brasil, a diretora —que prefere não se identificar— afirmou que a instalação de ventiladores, aparelhos de ar condicionado, bebedouros de água gelada, brinquedão com água e grama no parquinho teve de ser cancelada. As EMEIs atendem crianças de até 5 anos e 11 meses.
"A redução do repasse impactou também outras demandas. A gente vai ter de começar o ano fazendo uma escolha de Sofia. Compramos material pedagógico ou fazemos o corte de mato? Pintamos as salas ou guardamos o dinheiro para eventualidades?", lamenta a diretora.
Com mais de 300 alunos, a escola é uma das 229 da rede municipal de São Paulo que apresentam temperaturas de superfície pelo menos 3,57ºC mais quentes do que as médias das temperaturas de superfície do perímetros urbano do município, segundo estudo recente do Instituto Alana.
Prefeitura diz já ter repassado R$ 370 milhões em 2024
As escolas municipais da capital paulista recebem boa parte de seus recursos da SME (Secretaria Municipal de Educação) por meio do PTRF (Programa de Transferência de Recursos Financeiros). Com essa verba, custeiam projetos e iniciativas pedagógicas e fazem manutenções e pequenos reparos. Medidas estruturais são atribuição da prefeitura.
Para 2024, segundo uma portaria da SME publicada em abril, estavam previstos três repasses, divididos em recursos ordinários e extraordinários. Os extraordinários têm valor quatro vezes superior aos dos ordinários. No entanto, o terceiro repasse, programado para o fim do ano, não contará com a destinação extra.
De acordo com a mesma portaria, os repasses extraordinários estão sujeitos à disponibilidade orçamentária —ou seja, a prefeitura não é obrigada a executá-los, se não houver recursos.
Porém, as escolas municipais costumam incluí-los em seus planejamentos, uma vez que os aportes vinham ocorrendo normalmente nos últimos anos. Até agora, nem o CEI Jamir Dagir nem a EMEI da Zona Leste receberam o terceiro repasse.
"A gente tem de se virar para conseguir resolver o problema, mas não pode normalizar. Temos de cobrar explicações para essa redução de verbas. Sabemos que não há nenhuma crise financeira na Prefeitura que justifique isso", diz a integrante do Conselho de Escola do CEI Jamir Dagir. Em junho deste ano, a administração contava com R$ 26,7 bilhões em caixa.
Em nota enviada à reportagem, a administração Nunes não respondeu se deixará de fazer o aporte extraordinário no último repasse deste ano. A gestão sustenta que os valores do PTRF em 2023 tiveram um aumento de 90% em relação aos quatro anos anteriores.
"Quanto aos repasses deste ano, já somaram mais de R$ 370 milhões. O pagamento da terceira e última parcela foi iniciado com mais de R$10 milhões já encaminhados às unidades educacionais", diz o texto. Veja a nota na íntegra aqui.
Calor afeta crianças e professores
"A escola funciona em um prédio antigo. Parece um caixote de cimento, erguido por uma estrutura de metal", diz Julia Mattos, outra integrante do Conselho de Escola do CEI Jamir.
Segundo Giane Silvestre, há muitas queixas sobre o calor extremo. "Quando está muito quente, as professoras não conseguem ficar nas salas com as crianças. Precisam procurar outro espaço para ficar, como o pátio", relata. "Em vários momentos, as professoras têm de deixar as crianças sem roupa, só de fralda ou de cueca e calcinha", ilustra.
A diretora da EMEI da Zona Leste ouvida pela reportagem relata que crianças e adultos muitas vezes passam mal em razão do forte calor dentro da unidade, incluindo ela própria. "Minha pressão baixou, tive um princípio de desmaio e fui ao pronto atendimento. O médico falou que eu estava desidratada."
"Temos seis salas de aula e mais três ambientes. Em duas salas não há ventilador. Em outras há aparelhos antigos, que fazem muito barulho. O professor não ouve a criança e a criança tem de gritar. Aí a criança do lado fica nervosa", conta.
Segundo a diretora, a cada repasse a escola ia trocando os ventiladores antigos por outros mais modernos e maiores. "Priorizamos o refeitório porque era um lugar insalubre, era impossível ficar lá dentro. Então, trocamos os ventiladores e colocamos cortinas blecaute", conta. "Íamos fazer isso também nos outros ambientes, mas não vai ter dinheiro."
Ela e outro funcionário chegaram a levar ventiladores próprios para a escola. "E teve um que montamos fazendo uma gambiarra, juntando peças de dois outros quebrados", relata.
Valores previstos são usados no planejamento anual das escolas
"Todos os programas previstos em uma escola passam pelo Conselho de Escola. Com base no seu projeto político-pedagógico, faz-se o planejamento do ano com base nas verbas que serão repassadas", diz Norma Santos, presidenta do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo).
"Depois do segundo turno das eleições municipais, em que Ricardo Nunes foi reeleito, veio a surpresa de que o terceiro repasse do PTRF viria sem o aporte extraordinário, ou seja, uma redução muito drástica dos valores", acrescenta.
Ela explica que as unidades escolares costumam planejar medidas de manutenção e melhoria do ambiente escolar para o mês de janeiro, durante as férias, para receber as crianças em fevereiro. Escolas que, por exemplo, receberam R$ 300 mil no segundo repasse, vão receber R$ 40 mil agora. "Com esse valor não é possível executar o que estava previsto", destaca.
Santos conta que o Sinesp solicitou uma reunião com o secretário municipal de Educação, Fernando Padula, mas não foi atendido.
Maciel Nascimento, secretário de Políticas para as Trabalhadoras e Trabalhadores da Educação do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), explica que mesmo que determinada escola tenha recursos, algumas soluções continuam dependendo da gestão municipal.
"No caso da atual redução, não é possível executar o planejamento por falta de dinheiro. No entanto, o dinheiro não garante que a unidade escolar consiga fazer o que precisa. Porque algumas questões dependem de contratos estabelecidos pela Secretaria Municipal de Educação. Como uma reforma grande, por exemplo", exemplifica.