Com caixa cheio, próximo prefeito herdará maior orçamento da história de SP

A Prefeitura de São Paulo vive bonança financeira rara no Brasil: desde 2016, seu endividamento despenca e o caixa engorda. Apesar dos cofres abarrotados, o serviço público na capital segue mal avaliado pelo paulistano —um desafio que caberá ao próximo prefeito, que no ano que vem terá à disposição R$ 119 bilhões, o maior orçamento da história da cidade.

O que aconteceu

A renegociação da dívida paulistana com a União mudou o rumo da capital. Em 2016, São Paulo trocou o índice de inflação que corrigia sua dívida —então o IGP-DI (Índice Geral de Preços- Disponibilidade Interna) mais juros de 9%— pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e juros de 4% ao ano. Com o acordo, a dívida caiu de R$ 138,8 bilhões, em 2015, para R$ 68,7 bilhões no ano seguinte, em valores corrigidos pela inflação. "[A diferença] Equivale a dez anos de investimentos da cidade de São Paulo", afirmou o então prefeito Fernando Haddad (PT).

Sem o acordo, a dívida paulistana chegaria ao final da década insustentável. "Em 2030, isso causaria a paralisia completa da cidade, e serviços seriam cortados", completou na ocasião Luís Felipe Arellano, então subsecretário do Tesouro Municipal.

A gestão Ricardo Nunes (MDB) também renegociou dívidas. Em 2022, a prefeitura cedeu ao governo federal o Campo de Marte, um aeroporto na zona norte da cidade para helicópteros e aviões de pequeno porte. Em troca, teve R$ 24 bilhões de sua dívida perdoados pela União.

A prefeitura também reduziu seu endividamento com a reforma da Previdência municipal. A gestão diminuiu em R$ 5,6 bilhões seu déficit anual previdenciário ao cobrar 14% de contribuição de aposentados que recebem mais de um salário mínimo (R$ 1.640 no estado de SP), entre outras mudanças.

A atual gestão também atribui outras razões para o caixa cheio. Em nota, menciona a revisão da legislação tributária municipal, "amplo programa de desestatizações e concessões que soma R$ 2,1 bilhões de arrecadação em outorgas".

Haddad renegociou a dívida, depois Nunes permutou o Campo de Marte. Isso tudo deu mais capacidade para São Paulo investir.
Sergio Andrade, cientista político

Cofres cheios

Com o tempo, o endividamento começou a cair. A dívida paulistana, que chegou a R$ 156 bilhões em 2012 (montante atualizado pela inflação a valor presente) —, em abril deste ano estava em R$ 22 bilhões, queda 86%.

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O dinheiro em caixa também começou a crescer. Se em 2012 a prefeitura tinha R$ 11,2 bilhões para gastar, esse valor chegou a R$ 33,8 bilhões em 2022 e a R$ 26,7 bilhões em junho deste ano.

Maior orçamento da história

O orçamento da capital paulista cresceu 42% desde 2012. Passou de R$ 78,6 bilhões para R$ 111,8 bilhões em 2024. A cifra é maior que o orçamento do estado do Rio (R$ 104,6 bi) e é pouco menor que o de Minas (R$ 114,4 bi). Em relação às capitais, é quase seis vezes o de Belo Horizonte (R$ 19,6 bi) e é mais de duas vezes o da capital fluminense (R$ 45,7 bilhões). O maior orçamento do Brasil é o do estado de São Paulo: R$ 328 bilhões.

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Bolada

O prefeito que vencer as eleições de outubro vai herdar uma bolada. A previsão é de que o orçamento da cidade alcance R$ 119 bilhões no ano que vem, o maior da história de São Paulo.

Graças a esse aumento, os investimentos da prefeitura dispararam. Após alocar R$ 12,7 bilhões em 2023, a prefeitura espera desembolsar R$ 15 bilhões este ano, frente aos R$ 4,4 bilhões de 2021, primeiro ano após a reeleição de Bruno Covas (1980-2021).

Sobra dinheiro e desaprovação

"Sem dúvida, estamos tratando de uma situação fiscal muito positiva neste momento", diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, em sua coluna no UOL. "A questão que se coloca é: a saúde financeira de São Paulo está se traduzindo em melhoria das políticas públicas, dos equipamentos e serviços oferecidos e das condições de vida da população?".

Próximo prefeito terá orçamento de R$ 122,7 bilhões no ano que vem
Próximo prefeito terá orçamento de R$ 122,7 bilhões no ano que vem Imagem: Prefeitura de São Paulo/Divulgação
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A resposta é que o paulistano avalia mal os serviços públicos oferecidos na cidade. A capital paulista está em 9º lugar em um ranking de avaliação dos serviços públicos nas capitais brasileiras. Ficou com nota 5,53 em uma escala de 0 a 10, atrás de Curitiba —em primeiro, com 6,72 — Palmas, Vitória, Campo Grande, Florianópolis, Porto Alegre, Cuiabá e Belo Horizonte. Procurada, a prefeitura não se manifestou.

Os dados são da Pesquisa de Qualidade do Serviço Público, da Agenda Pública. "Investigamos educação, saúde, proteção social, desenvolvimento econômico, mobilidade e gestão da qualidade em 26 capitais", diz Sergio Andrade, cientista político e diretor da Agenda Pública. A partir de dados oficiais, a pesquisa avaliou os indicadores de desempenho, oferta e efetividade desses serviços. Em seguida, ouviu 3.000 pessoas das dez maiores capitais em outubro de 2023 a partir de amostras de gênero, idade e classe social do Pnad 2023 e Censo 2010. A margem de erro é de três pontos percentuais para mais ou menos.

Desafios para o próximo prefeito

O principal problema da cidade, segundo o paulistano, é a segurança pública. Mas a pesquisa não se debruçou sobre o tema porque ele é atribuição do governo estadual. "O assunto aparece nas eleições municipais porque é usado pelas campanhas para atrair o eleitor", diz o cientista político.

Saúde foi o segundo problema com mais queixas. São Paulo é a 13ª entre as 26 capitais. 61% dos entrevistados reclamam da falta de médicos na capital, e 51% dizem que não tem remédio no posto. Outros 51% estão insatisfeitos com a infraestrutura dos centros de saúde e, para 54%, o número deles é insuficiente.

A prefeitura refuta o diagnóstico sobre o sistema de saúde municipal. Cita em nota as 474 UBSs (Unidades Básicas de Saúde) da cidade, 30 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento), 30 hospitais municipais, "uma ampliação de serviços de saúde comprovada por dados oficiais". "O esforço do Município na Saúde nos últimos anos foi reconhecido inclusive pelo Instituto Datafolha, que, em abril deste ano, apontou que o SUS da capital é o melhor serviço público da cidade."

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Paulistanos reclamam dos serviços de saúde prestados na capital
Paulistanos reclamam dos serviços de saúde prestados na capital Imagem: Reprodução

Quando o assunto é Proteção Social, São Paulo é a terceira pior capital. Tem nota 3, longe de Vitória, a primeira colocada, com 8. Cerca de 1,3 milhão de famílias vivem na pobreza e extrema pobreza na capital, mas o número de centros de referência por 100 mil habitantes é inferior a 1.

A prefeitura diz ter a maior rede socioassistencial da América Latina. Afirma que 2 milhões de pessoas são atendidas em programas de transferência de renda e que seu programa de segurança alimentar foi "elogiado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura". "Programas como o Cozinha Escola, Banco de Alimentos e Armazém Solidário (...) já entregaram 9.627.080 refeições neste ano para a população vulnerável em todas as regiões da cidade", diz em nota.

Em Educação, a cidade mais rica do Brasil só ocupa a 8ª colocação. "Quando perguntamos sobre quantidade de creches e escolas, menos de 20% se dizem satisfeitos. Sobre a qualidade de infraestrutura e qualidade de ensino, 14% aprovam, em média", diz o pesquisador, que é membro do Conselho Nacional de Transparência, Integridade e Combate à Corrupção.

Sobre o tema, a prefeitura lembra que a rede municipal "não possui fila para creches". "Desde o ano passado, foram inauguradas 26 unidades de Educação Infantil", com 550 mil crianças de 0 a 5 anos matriculadas. Seu Programa de Transferência de Recursos Financeiros prevê investir R$ 600 milhões este ano para a educação, frente os R$ 297 milhões em 2020.

Para Felipe Salto, "esses números são espantosos". "Sobretudo quando cotejados com a situação fiscal e financeira acima exposta", afirma.

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Arquivo - Vista de barracas e moradores em situação de rua, debaixo do Minhocão em São Paulo
Arquivo - Vista de barracas e moradores em situação de rua, debaixo do Minhocão em São Paulo Imagem: Tomzé Fonseca/Futura Press/Folhapress

O tamanho de São Paulo colabora para a má avaliação. "São Paulo tem investimento, mas ele não se reverte em satisfação", diz o cientista. "O tamanho da cidade importa, mas a má avaliação é porque os serviços não são distribuídos igualmente. Quem mora em regiões centrais tem mais acesso e por isso avalia melhor os serviços públicos, que chegam em menor e pior qualidade na periferia, que os avalia pior."

Essa má avaliação pode interferir nas eleições. Em tese, diz o cientista, Nunes deveria ser "o franco favorito por dispor de um orçamento tão grande". "Mas cabe aos candidatos concorrentes explorar essa contradição."

A prefeitura critica a metodologia da pesquisa, e cita a utilização de "dados antigos". "A falta de informações precisas impossibilita uma avaliação criteriosa sobre a confiabilidade dos resultados", diz em nota. No entanto, apenas um dado é de 2010, a do Atlas de Vulnerabilidade Social, por ser o último dado disponibilizado pelo Ipea. "E não interfere nas conclusões", diz a Agenda Pública. "Os dados oficiais mais recentes foram usados em todos os casos." O trabalho foi realizado em conjunto com organizações como ENAP (Escola Nacional de Administração Pública), Gov.br, Ideia e Instituto República.

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