ESTREIA-Terceiro "As mil e uma noites" focaliza Xerazade e um concurso de pássaros
SÃO PAULO (Reuters) - A terceira e última parte do antiépico da austeridade e opressão “As mil e uma noites”, do português Miguel Gomes, tem como subtítulo “O Encantado”, e logo fica claro o porquê. Se até então trabalhou numa chave mais ou menos realista – estruturalmente inspirado na famosa obra árabe – aqui, a fantasia explode com todas as cores na sua primeira metade, protagonizada por Xerazade (Crista Alfaiate), até então apenas narradora.
Ela também é “a encantada”, e a acompanhamos em suas divagações com o pai (Americo Silva) e aspirações amorosas. A cada noite, uma nova história, mas ele teme que a inspiração da moça logo acabe, pois isso custará a vida dela. Entre uma narrativa, enquanto nada no mar, ela conhece Paddleman (Carloto Cotta), dono de “um aparelho reprodutor excelente” e “pai de mais de 200 meninos”, diz o letreiro (ao som, aliás, de “Fala”, da banda brasileira Secos & Molhados).
Toda essa parte é uma espécie de interlúdio poético, banhado por um sol mediterrâneo e a beleza dos corpos e dos sons – a trilha ainda inclui “Son of a Gun”, de Lee Hazlewood, “Samba da Minha Terra”, cantada pelos Novos Baianos, e “Perfidia”, na interpretação da própria Alfaiate – faz lembrar uma espécie de comunidade hippie perdida no tempo.
Mas, a cada cena, um novo estranhamento, especialmente quando a protagonista e seu pai dão um passeio numa roda-gigante (lá conhecida como Grande Roda), e cruzam com o próprio Gomes no caminho.
A segunda história, com o título peculiar de “O inebriante canto dos tentilhões”, acompanha competições ilegais de cantos de pássaros e traz à tona um país devastado pelo desemprego e melancolia. Esse é o momento mais documental dos três filmes, quando o diretor acompanha os verdadeiros donos de tentilhões que colocam suas aves em Chelas, um bairro de Lisboa, para disputar uma competição – algo, aliás, proibido em Portugal. A figura central é Chico Chapas – que também interpretou Simão Sem Tripas, no “Segundo Volume, O Desolado”.
Este segmento do terceiro filme talvez seja o mais exigente de toda a trilogia. Seu ritmo peculiar é compensado pelas figuras humanas e as aves, e suas histórias. São, em sua maioria, homens desempregados e aves engaioladas – ambos condenados a um futuro sem opções de uma vida melhor.
Apesar de todo o peso da crise econômica e seus reflexos políticos e morais, Gomes termina o filme com um tom de esperança. A imagem de fuga, da busca de novos horizontes e oportunidades, é emoldurada por uma versão poética do clássico dos anos de 1970 “Calling Occupants Of Interplanetary Craft”, dos Carpenters, aqui na interpretação de um coral infantil, The Langley Schools Music Project.
Numa chave otimista, o diretor está apontando onde possa estar a saída: a mistura da inocência infantil com o sentimento de coletividade de um coral. Por outro lado, conforme diz a música, talvez seja preciso chamar os “ocupantes da nave interplanetária mais extraordinária” para resolver os problemas do mundo.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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