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ANÁLISE-Sem reforma da Previdência, vitórias de governo Temer na inflação e juros podem ter vida curta

29/11/2017 14h49

Por Iuri Dantas

SÃO PAULO (Reuters) - A pouco mais de um ano de concluir o mandato, o presidente Michel Temer tem espaço apertado para aprovar novas medidas para a economia, algo que pode afetar a confiança dos agentes econômicos e arranhar importantes conquistas da seu governo: inflação e juros baixos.

Analistas ouvidos pela Reuters são unânimes ao afirmar que a questão fiscal é o calo do governo, diante das contas públicas ainda em frangalhos e da dependência de aprovar uma reforma da Previdência para mudar esse quadro, e avaliam que sem mudanças na área fiscal, mais inflação pode surgir com alta do dólar e desconfiança dos agentes econômicos.

O Brasil possui déficits primários desde 2014, ano em que o setor público consolidado (governo central, Estados, municípios e estatais) terminou negativo em 32,5 bilhões de reais. A conta só voltará ao terreno positivo em 2021, depois de atingir um déficit de 163,1 bilhões de reais neste ano, segundo estimativas da equipe econômica.

Tudo isso fica ainda mais sensível diante da cena política, com o presidente praticamente refém dos aliados após terem barrado denúncias contra ele no Congresso Nacional.

Para o estrategista da Garde Asset Investment Alexandre Lintz, as chances de aprovação da reforma da Previdência, mesmo numa versão mais enxuta, são pequenas e isso coloca em grande risco o teto dos gastos públicos, primeira grande medida fiscal tomada pelo governo.

"A economia aguenta pouco desaforo", afirmou Lintz. "Todo esse equilíbrio, do sistema de metas de inflação, se baseia no pilar que é o equilíbro fiscal."

Os embates políticos e a trajetória dos gastos públicos criam no mercado dúvidas sobre a capacidade do governo Temer de passar no Congresso outras medidas para compensar a não-aprovação da reforma da Previdência, segundo Lintz.

"A partir do momento que não atinge a meta fiscal, isso tem impacto no risco país, na capacidade de financiar empresas e famílias, imediatamente impacta o consumo e investimento e começa a ter impacto do custo mais caro: o dólar sobe, põe pressão inflacionária e o último movimento é o Banco Central subir os juros", avaliou o estrategista.

O controle da alta dos preços e a flexibilização monetária foram duas marcas da gestão de Temer até o momento. Quando assumiu, em maio de 2016, a taxa básica de juros do país estava em 10,25 por cento, e a inflação rondava 10 por cento no acumulado em 12 meses.

Hoje, a Selic está em 7,50 por cento, muito próxima da mínima histórica de 7,25 por cento, e com expectativas de que possa ir a 6,5 por cento no início de 2018. Isso tudo porque o IPCA acumula alta de 2,70 por cento, abaixo da meta oficial --de 4,50 por cento, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou menos.

A queda da inflação teve como uma das razões a forte recessão que viveu o país entre 2015 e 2016, que aumentou o desemprego e atingiu a renda da população, mas também veio com a maior confiança do setor produtivo e dos mercados financeiros, estes apoiando bastante o atual governo desde o início.

Temer assumiu o discurso de que faria uma gestão reformista, que agrada bastante aos mercados, e de fato teve vitórias no Congresso. Aprovou o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista, mas agora tem sofrido para tirar do papel a reforma da Previdência, essencial para colocar as finanças públicas em ordem.

O próprio Ministério do Planejamento já apontou, em estudo, que sem a mudança nas aposentadorias haverá juros maiores, depreciação cambial, deterioração da atividade econômica, inflação elevada e reversão da melhora no mercado de trabalho.

"O senso de urgência dos partidos aliados depois do impeachment (da ex-presidente Dilma Rousseff) sustentou o período virtuoso da implementação da agenda econômica, mas o senso de urgência diminuiu, por isso a dificuldade de caminhar com um programa fiscal muito ambicioso", avaliou o doutor em ciência política e sócio da consultoria Tendências, Rafael Cortez.

Para ele, o mercado deve punir de forma mais efetiva se a questão fiscal não for tratada com urgência, o que tornaria o custo econômico "muito significativo".

"Quando a gente vê o poder de impor a agenda na questão fiscal, seja em cortes de gastos, seja em novas receitas, o governo não tem tido sucesso desde o PEC do teto", acrescentou Cortez.

Como consequência desse cenário, o país deve enfrentar solavancos durante a corrida eleitoral do próximo ano, num cenário ainda incerto sobre quais serão os candidatos e suas agendas econômicas.

O próximo governo precisará não apenas continuar a agenda iniciada pelo peemedebista, segundo os analistas, mas também obter compromissos de um recém-eleito Congresso com medidas de redução dos gastos públicos para manter a confiança dos agentes econômicos.

"A primeira coisa que vai acontecer, caso não haja compromisso com a reforma: o risco-país dispara, o câmbio fica pressionado e coloca pressão na inflação também", disse o sócio-gestor da Rosenberg Investimentos Marcos Mollica. "Não gosto de pensar neste cenário e é uma possibilidade", acrescentou.