Depois de vetar Renda Brasil, Bolsonaro autoriza relator do Orçamento a criar novo programa social
Por Lisandra Paraguassu e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Um dia depois de vetar o Renda Brasil, o presidente Jair Bolsonaro autorizou o relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), a incluir na proposta orçamentária de 2021 a criação de um programa social com a mesma função do renegado pelo presidente.
Ao sair do Palácio do Planalto, nesta quarta-feira, Bittar afirmou que Bolsonaro deu o sinal verde para a negociação e criação de um novo programa para atender uma população que ficará desassistida com o fim do auxílio emergencial.
"Tomei café da manhã com o presidente da República. Agora, antes do almoço conversamos mais um pouco, eu fui solicitar ao presidente, se ele me autorizava a colocar dentro do Orçamento a criação de um programa social que possa atender milhões de brasileiros que foram identificados ao longo da pandemia e que estavam fora de qualquer programa social. O presidente me autorizou", disse.
Bittar não disse de onde sairiam os recursos para esse programa, apesar da fonte do dinheiro ter sido até agora o principal problema para financiar o Renda Brasil. Todas as alternativas analisadas pela equipe econômica, que mexiam em programas sociais já existentes, foram desconsideradas pelo presidente.
"Então assim, não adianta agora a gente especular do que vai tirar, onde que vai cortar, mas estou autorizado pelo presidente, ele me deu sinal verde. E, a partir de agora, vou conversar com os líderes do governo no Senado e na Câmara, conversar com a equipe econômica. Mas a semana que vem a ideia é apresentar um relatório que tenha as PECs e a criação desse programa", explicou o relator.
Na terça-feira, irritado com as informações de que a equipe econômica estudava congelamento de aposentadorias e cortes em programas direcionados a idosos e deficientes pobres para financiar o Renda Brasil, Bolsonaro afirmou que não se falaria mais no programa até 2022, seu último ano de governo. E repetiu que não tiraria recursos "de pobres para dar para paupérrimos".
O financiamento do programa, que seria uma nova versão do Bolsa Família, com renda maior e com objetivo de atender até 21 milhões de famílias --5 milhões a mais do que está previsto para o Bolsa Família em 2021-- tem sido o maior entrave. As alternativas estudadas pela equipe econômica previam, todas elas, o corte ou congelamento em programas sociais já existentes e também dirigidos à população de baixa renda.
Após as reprimendas públicas do presidente, a ordem na equipe econômica é limitar a atuação nos estudos técnicos aos bastidores. Segundo uma fonte da pasta com conhecimento direto do assunto, a ideia segue sendo de que o novo Bolsa Família seja formatado no conceito de uma caixa vazia, a ser preenchida com recursos de outras políticas e programas.
Caberá ao Congresso, portanto, decidir se utiliza os recursos e o espaço no teto de gastos de uma determinada despesa para encher essa caixa --tarefa que deverá ser alinhavada pelo relator em conjunto com as lideranças.
O novo formato, que deixa nas mãos dos parlamentares a forma de fazer, já era aventado dentro do governo mesmo antes da decisão de Bolsonaro de enterrar o Renda Brasil. Uma fonte de alto escalão com trânsito junto ao presidente disse à Reuters que essa seria possivelmente a única forma de tirar o programa do papel, já que os parlamentares assumiriam a decisão do que e onde cortar.
Após reunião durante a tarde com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Bittar previu apresentar o programa na próxima terça-feira. Ele disse não poder especular a respeito das fontes de financiamento enquanto a iniciativa não estiver pronta, mas indicou que a ampliação do contingente beneficiado pelo Bolsa Família poderá vir à mesa sem que todos os detalhes estejam pacificados.
"O que pode acontecer é você criar o programa, cria a rubrica e você pode esmiuçar mais na frente. Então você não precisa obrigatoriamente criar e dizer quanto é o valor, de onde vai sair, tudo num primeiro momento. Você cria a caixinha, vai ficar criado o programa", afirmou.
A repórteres, Bittar também afirmou que, após o sinal verde de Bolsonaro, ele irá repassar todos os temas do novo programa com a equipe econômica e também conversar com líderes no Congresso.
"Agora eu vejo que há clima no Congresso", frisou ele, classificando como irrefutável o argumento de que é preciso abraçar os quase 10 milhões de brasileiros invisíveis que não estavam no cadastro social do governo, mas que foram contemplados com o auxílio emergencial durante a pandemia.
Questionado se haveria clima também na equipe econômica após o episódio da véspera, o senador afirmou que há clima "total", acrescentando que quem identificou os brasileiros invisíveis durante a crise foi o Executivo.
Havia já uma preocupação dentro do governo do reflexo que o fim do auxílio emergencial teria na popularidade do presidente. A queda no valor, de 600 reais para 300 reais, e com critérios mais duros, já gerou muitas reclamações nas redes sociais de Bolsonaro.
"Você já teve um tombo de 600 para 300. Chegando em dezembro vai cair de 300 para zero? Não dá. Vai ter gente passando fome", disse a fonte.
A fala de Bittar reflete a mesma preocupação.
"O projeto preparado, claro que ele vai voltar aqui para o presidente dar a última palavra. Mas, de qualquer maneira, a convicção é: tem que ser criado, o melhor é que se crie agora, não deixar para o ano que vem, para que esses milhões de brasileiros possam passar o Natal e Ano Novo mais tranquilos, sabendo que vai ter alguma coisa que vai lhes proteger", disse o senador.
Procurado, o Palácio do Planalto não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
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