Lula mostra desconfiança com Forças Armadas e diz que militares não são "poder moderador"
Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) -O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou a jornalistas nesta quinta-feira que há pessoas dentro das polícias militares e das Forças Armadas que foram coniventes com os ataques às sedes dos Três Poderes no último domingo e afirmou que os militares devem se ater ao rol constitucional de defesa da soberania em vez de reividicar um papel de "poder moderador".
"As Forças Armadas não são o poder moderador que elas pensam que são", criticou Lula. "Têm um papel na Constituição que é a defesa do povo brasileiro, da nossa soberania (..). É isso que eu espero das Forças Armadas e é isso que eu quero que eles voltem a cumprir", disse o presidente durante um café da manhã com jornalistas que fazem a cobertura do Palácio do Planalto.
Lula não escondeu a irritação com os ataques golpistas do último domingo e, especialmente, com a atuação das forças de segurança no episódio. Detalhou que viu vídeos em que soldados conversavam com invasores, ou cantavam com eles, e chegou a dizer que acreditava que portas do Planalto teriam sido abertas aos golpistas.
"Teve muita gente conivente. Teve muita gente da polícia militar conivente, teve muita gente das Forças Armadas aqui dentro conivente. Estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não vi a porta de entrada quebrada", disse.
Aos jornalistas, Lula contou também parte da dura conversa que teve com os comandantes militares das três forças e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, no dia seguinte aos ataques. Lembrou que recebeu informações erradas de que os acampamentos estavam sendo esvaziados e que os riscos diminuíam.
O presidente contou que disse aos comandantes não entender como Jair Bolsonaro, ex-capitão que foi expulso das forças por má conduta, conseguiu criar um clima negacionista dentro dos quartéis enquanto presidente.
"Esse cidadão conseguiu poluir todas as Forças Armadas. Eu disse aos comandantes que eu convivi 8 anos muito bem com as Forças Armadas. Não tive nenhum problema", afirmou, e cobrou que as carreiras de estado não podem ser influenciadas por movimentos políticos.
"Eu não quero saber se um soldado votou no Bolsonaro ou no Lula, não quero saber se o general votou no Bolsonaro ou no Lula, não é essa minha preocupação. Minha preocupação é quem tem carreira de Estado tem que pensar no país, tem que servir ao país, e não pode ter lado. O lado deles é o cumprimento daquilo que está garantido na Constituição", afirmou.
DESCONFIANÇA
Lula revelou ainda que recebeu uma proposta para que fosse instaurada uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) --quando os militares são chamados a atuar-- a partir dos ataques de domingo, mas negou. Sua justificativa revela a desconfiança que ainda impera na relação do presidente com os militares.
"Se eu tivesse feito GLO eu teria assumido a responsabilidade de abandonar a minha responsabilidade. Aí assim estaria acontecendo o golpe que algumas pessoas queriam. 'Lula deixa de ser governo para que algum general assuma o governo'. Por isso eu não fiz GLO", justificou.
Os atos de domingo e a resposta atrasada e confusa das forças de segurança aumentaram uma suspeita que já existia no novo governo em relação aos militares, especialmente os lotados no Planalto por Bolsonaro.
Em uma tentativa de recuperar uma relação com as forças, Lula escolheu como ministro da Defesa José Múcio Monteiro, de perfil concliador. Múcio chegou a defender que as demonstrações nas frentes dos quartéis de bolsonaristas que pediam golpe eram democráticas e que os acampamentos seriam desmanchados pacificamente --alvo de uma das reclamações do presidente, que disse ter recebido informações erradas.
Apesar dos erros do ministro, Lula defendeu Múcio e deixou claro que ele fica no governo.
"Quem coloca ou tira ministro é o presidente da República. Múcio vai continuar sendo ministro porque eu confio nele, temos ma relação histórica", defendeu Lula.
"Se eu tiver que tirar cada ministro na hora que ele comete um erro, sabe, vai ser a maior rotatividade de mão de obra da história do Brasil. Todos nós cometemos erros."
Mesmo dizendo que não quer marcar seu mandato com revanchismo, Lula defendeu que é preciso tirar "bolsonaristas raiz" do centro do governo. Esclareceu, no entanto, que não quer um "governo só de petistas" e não pretende tirar pessoas que eram, por exemplo, apoiadoras da Operação Lava Jato. "Se é um funcionário de carreira que faz seu trabalho com retidão, não há porquê."
A Lava Jato investigou corrupção na Petrobras e acabou levando o atual presidente para a prisão --a Justiça anularia a condenação, depois, por parcialidade do juiz do processo, Sergio Moro.
(Reportagem de Lisandra ParaguassuEdição de Flávia Marreiro)
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