Lula admite falha de inteligência e diz que teve impressão de começo de golpe sob ordem de Bolsonaro
BRASÍLIA (Reuters) -O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu nesta quarta-feira que houve falha da inteligência do governo na prevenção aos atos violentos do 8 de janeiro em Brasília e disse que teve a impressão de que os ataques às sedes dos Três Poderes eram o começo de um golpe de Estado sob ordem de Jair Bolsonaro, acrescentando que o ex-presidente terá de ser punido e considerado inelegível se ficar comprovado o envolvimento dele no ato realizado por seus apoiadores.
As declarações de Lula foram dadas em entrevista exclusiva à GloboNews, a primeira desde a posse e realizada 10 dias após a invasão e depredação do Palácio do Planalto e dos edifícios do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
O presidente disse que nenhum dos sistemas de inteligência do governo federal funcionou para prevenir os ataques, mencionando a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e as Forças Armadas.
Segundo Lula, quando viajou com a "maior tranquilidade" na sexta-feira anterior aos ataques para Araraquara, no interior paulista, para vistoriar estragos causados por chuvas, ele tinha recebido a informação de que havia apenas 150 pessoas no acampamento em frente ao quartel-general do Exército na capital federal, de onde partiram a maior parte dos envolvidos nos ataques.
Contudo, desde a semana anterior havia convocação para as ações nas redes sociais e, no domingo, 8 mil pessoas participaram dos atos violentos, segundo Lula.
"Nós cometemos um erro elementar, a minha inteligência não existiu", afirmou. "Se eu soubesse não teria viajado. A gente estava vivendo da alegria da posse, não imaginava que pudesse acontecer isso porque nunca na história brasileira aconteceu isso, nem na luta armada (contra a ditadura militar)".
Lula disse ter ficado com a impressão que o ataque de 8 de janeiro era o começo de uma tentativa de golpe de Estado, e que os golpistas estariam acatando ordem e orientação que Bolsonaro teria dado "durante muito tempo".
"Fiquei com a impressão de que era um começo de golpe Estado. Fiquei com a impressão, inclusive, de que o pessoal estava acatando ordem, orientação do Bolsonaro", afirmou.
"Eu acho que a decisão dele de ficar quieto após perder as eleições, de não passar faixa e ir para Miami e o silêncio depois que ocorreu me dava impressão que ele sabia do que estava acontecendo", disse Lula, acrescentando que essa forma de agir era possivelmente para permitir a Bolsonaro voltar ao Brasil "na glória de um golpe".
Bolsonaro, que viajou para os Estados Unidos dois dias antes do final de seu mandato, ainda não reconheceu abertamente a vitória de Lula nas eleições, depois de ter levantado dúvidas infundadas sobre a segurança do processo eleitoral brasileiro. Na semana passada, ele virou alvo de inquérito no STF que investiga a instigação e autoria intelectual dos ataques às sedes dos Três Poderes após ter compartilhar vídeo nas redes sociais questionando a vitória de Lula.
GLO
Segundo Lula, depoimentos das investigações têm mostrado que os atos contaram com envolvimento de "gente muito profissional" e que não havia "analfabeto político" envolvido.
Ao fazer uma descrição detalhada dos eventos antes e depois do fatídico domingo, o presidente afirmou que ao acompanhar de longe os desdobramentos das ações chegaram a lhe sugerir que determinasse uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), operação militar em que se coloca as Forças Armadas para restabelecer a ordem.
Lula disse que rechaçou a sugestão e citou para justificar o exemplo do então governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, que, segundo ele, virou uma "rainha da Inglaterra" após a medida ter sido decretada naquele Estado em 2018, durante a gestão do ex-presidente Michel Temer.
"Eu tinha acabado de ser eleito presidente e eu não ia abrir mão de cumprir com minhas funções e exercer o poder na sua plenitude", disse Lula. "Foi por isso que, ao invés de GLO, decidimos fazer intervenção na polícia de Brasília, que tinha sido conivente com o caso", acrescentou.
Segundo o presidente, a tentativa de golpe não prosperou porque a polícia passou a responder aos golpistas com força após a intervenção federal na segurança do DF e porque houve uma reação das instituições e todos os governadores.
BOLSONARO
O presidente afirmou que não considera Bolsonaro "carta fora do baralho" para 2026 após a derrota eleitoral em outubro passado e diante dos últimos acontecimentos, mas fez questão de destacar que o ex-presidente poderá se tornar inelegível se ficar comprovada a participação direta dele nos atos do dia 8.
"Se o Bolsonaro tiver participação diretamente no que aconteceu, ele tem que ser punido, e se ele for punido ele é inelegível. Vale para ele, vale para mim, vale para qualquer pessoa", declarou.
O presidente repetiu que houve "muita gente" conivente com os ataques, citando a Polícia Militar do DF e as Forças Armadas, e cobrou uma investigação rigorosa para punir envolvidos, destacando que "não importa a patente". Ele se disse contrário, entretanto, à necessidade de criação pelo Congresso de uma CPI para apurar os atos violentos.
Lula confirmou que na sexta-feira deverá ter uma conversa com o ministro da Defesa, José Múcio, e os comandantes das Forças Armadas para discutir o fortalecimento dos sistemas de defesa e a reconstrução da indústria militar do país, ocasião em que quer conversar sobre a despolitização da instituição.
"É preciso que os comandantes assumam a responsabilidade que os subordinados têm direito de voto, mas como é um caso de carreira de Estado eles não são do Lula, do Bolsonaro", disse.
"As pessoas estão aí para cumprir suas funções, e não para fazer política. Quem quiser fazer política, que tire a farda, renuncie a seu cargo, crie um partido político e vá fazer política", destacou.
Lula também afirmou que irá conversar com o presidente norte-americano, Joe Biden, sobre a situação das democracias no mundo, durante a viagem que fará aos Estados Unidos em fevereiro. Ele afirmou que é preciso organizar ações com chefes de Estado para se contrapor ao que chamou de "movimento internacional" de extrema direita, com métodos de ação semelhantes em vários países.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu e Ricardo BritoEdição de Pedro Fonseca)
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