Fala na Paulista sobre minuta de decreto implica ainda mais Bolsonaro em inquérito do golpe, dizem fontes

Por Ricardo Brito

BRASÍLIA (Reuters) - O discurso do ex-presidente Jair Bolsonaro no ato de domingo com apoiadores na Avenida Paulista, em que fez referência a uma minuta de decreto de Estado de Defesa, implica ainda mais o ex-presidente na investigação a que responde perante o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado, afirmaram nesta segunda-feira à Reuters duas importantes fontes da Polícia Federal.

Segundo as fontes, as declarações de Bolsonaro reforçam as suspeitas dos investigadores de que havia discussões e uma preparação, inclusive com a formatação de textos legais, para se impedir a assunção do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva após as eleições de 2022.

Em fala a milhares de apoiadores que lotaram a Paulista, o ex-presidente rejeitou a existência de uma suposta trama golpista com uso de tanques, mas chegou a discorrer sobre a legalidade de uma minuta de um decreto de Estado de Defesa.

"O que é golpe? É tanque na rua, é arma, é conspiração, é trazer classes empresariais para seu lado, nada disso foi feito no Brasil. Nada disso eu fiz, e continuam me acusando por golpe. Agora, o golpe é porque tem uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. Golpe usando a Constituição? Tenham santa paciência. Golpe usando a Constituição. Deixo claro que Estado de Sítio começa com o presidente da República convocando os Conselhos da República e da Defesa. Isso foi feito? Não", afirmou.

"Apesar de não ser golpe o Estado de Sítio, não foi convocado ninguém dos Conselhos da República e da Defesa para se tramar ou para se botar no papel a proposta do decreto do Estado de Sítio", acrescentou, usando uma argumentação legalista.

Para uma das fontes da PF, que está envolvida nas investigações sobre golpe de Estado, o argumento do próprio Bolsonaro não faz sentido porque uma das minutas em discussão -- que foi apreendida pela corporação em uma das operações deflagradas no início do mês -- previa, por exemplo, a prisão do presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Essa fonte destacou que, pela legislação, o fato de haver minutas e a discussão delas por si só já configura o crime. Ela explicou que o delito, para ser tipificado, basta que ocorra a conduta de atentar contra o Estado Democrático de Direito.

A fonte disse ainda que o fato de Bolsonaro, na época presidente, ter convocado comandantes das Forças Armadas para discutir o impedimento da posse de Lula, com base em argumentos sabidamente falsos como o de fraude das urnas eletrônicas, também já configura o crime. "Usar tanques nas ruas e executar as prisões seriam condutas que apenas exauririam o crime", ressaltou.

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Procurada, a defesa de Bolsonaro não respondeu de imediato a um pedido de comentário.

As declarações do ex-presidente na Paulista ocorreram três dias após Bolsonaro ter permanecido em silêncio em depoimento à PF sobre a suspeita de tentativa de golpe de Estado.

Bolsonaro, que está inelegível até 2030 por condenação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) devido a irregularidades na campanha de 2022, ainda é alvo de uma série de outras investigações, como a de fraude em cartões de vacinação, recebimento irregular de joias sauditas e de envolvimento em uma espécie de milícia digital para atacar adversários.

Uma segunda fonte da PF ressaltou que a presença de alguns nomes e as falas públicas vão contribuir para a instrução do inquérito sobre o suposto golpe de Estado, e confirmou que possivelmente as declarações do ex-presidente serão incluídas formalmente na apuração.

A primeira fonte da PF disse ainda que o fato de Bolsonaro não ter atacado no domingo os ministros do STF e a PF não atenua em nada sua situação em relação às investigações. A fonte relembrou que Bolsonaro, em outros momentos, já chegou a recuar e pedir até mesmo desculpas.

A PF trabalha para tentar concluir as investigações ainda neste semestre. Após a conclusão das apurações e se considerar que há elementos, caberá à Procuradoria-Geral da República decidir se denuncia criminalmente o ex-presidente ao Supremo. Se a acusação for aceita pelo STF, ele passa a responder a processo que poderá ser condenado à prisão.

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