"Ainda Estou Aqui" mostra a cara do autoritarismo, diz Fernanda Torres
Por Isabel Teles e Janaina Quinet
SÃO PAULO (Reuters) - O papel de uma mãe que reconstrói sua vida após o desaparecimento do marido durante o regime militar brasileiro na década de 1970, retratado em "Ainda Estou Aqui", rendeu à atriz Fernanda Torres sua primeira indicação ao Oscar. Mas ela diz que ganhar o prêmio de melhor atriz não é sua prioridade.
O que a atriz brasileira gostaria que acontecesse no Dolby Theatre, em Los Angeles, em 2 de março, é a vitória do filme em si, que retrata a história real do ex-deputado Rubens Paiva e sua esposa, Eunice.
"Ainda Estou Aqui" foi indicado para o Oscar de melhor filme internacional e também para melhor filme, inédito para um longa brasileiro totalmente falado em português.
"A família Paiva merece isso, e Eunice Paiva merece isso", disse Fernanda Torres em entrevista à Reuters na última sexta-feira, um dia após sua indicação, acrescentando que uma vitória para o longa do diretor Walter Salles na categoria internacional "já está ótimo".
O filme, que conta a história da luta de Eunice Paiva para descobrir a verdade sobre o desaparecimento forçado de seu marido em 1971, "cumpriu um dever cívico" de mostrar às pessoas o que significa viver sob um regime autoritário, disse Torres, de 59 anos.
"Quando você vê no livro de história: ‘então ocorreu AI-5 e suspendeu os direitos civis’, isso é uma frase. Mas no filme isso significa que podem entrar na tua casa, levar teu pai, depois levar a tua mãe, tua irmã, te deixar sozinho", disse.
Após a entrevista à Reuters na sexta-feira, surgiram vídeos nas redes sociais mostrando Torres atuando em um esquete de comédia de 2008 com o rosto pintado para imitar uma pessoa negra. Em uma declaração por escrito nesta segunda-feira, ela disse que "lamenta profundamente" o ocorrido.
"Graças a importantes avanços, embora ainda incompletos, neste século, está muito claro agora, em nosso país e em todo o mundo, que o uso de ´blackface´ é inaceitável", afirmou.
HISTÓRIA DE EUNICE PAIVA REPERCUTE
Fernanda Torres acredita que a história de Eunice Paiva repercutiu com força fora do Brasil porque, em sua essência, é sobre uma família em sofrimento, o que evocou a empatia do público. A maneira como a protagonista se comportou serve de inspiração, acrescentou, em nível pessoal e político.
"A gente está numa sinuca de bico muito grande, então é natural em momentos de medo no mundo, como era aquele que a gente viveu, a ideia de que um governo autoritário vai resolver a nossa situação", afirmou.
Uma investigação da Polícia Federal apontou em novembro que um plano de golpe para anular o resultado da eleição presidencial brasileira de 2022 teve a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e de oficiais militares.
O filme fez com que os brasileiros falassem sobre Eunice Paiva e revelou a eles "o poder dessa mulher de ter tido calma, de ter apostado no tempo, de ter confiado na justiça, de ter movido a justiça", disse Fernanda Torres. "A Eunice, ela é quase uma guia para períodos de crise".
É raro que filmes feitos no Brasil, o único país de língua portuguesa da América Latina, conquistem o público global, afirmou a atriz.
"Consumimos a nossa própria cultura violentamente", disse. "A gente existe, mas a gente existe para dentro".
Fernanda Torres acredita que a visibilidade e o reconhecimento internacional de "Ainda Estou Aqui" poderiam ajudar produções brasileiras a atrair investimentos.
Em 1999, o diretor Walter Salles teve outro filme brilhando no Oscar. "Central do Brasil" foi indicado na categoria de melhor filme internacional, e Fernanda Montenegro, que interpretou a protagonista, concorreu na categoria de melhor atriz. Nenhum dos dois ganhou o prêmio da Academia.
Fernanda Montenegro é a mãe de Fernanda Torres e interpreta uma Eunice Paiva mais velha em "Ainda Estou Aqui".
"Ainda Estou Aqui" foi selecionado para mais de 40 festivais internacionais e acumulou prêmios importantes, como o de Melhor Roteiro no Festival de Veneza e um Globo de Ouro para Torres.
Nas redes sociais, os fãs brasileiros estão torcendo muito para que Fernanda Torres ganhe o prêmio que sua mãe, agora com 95 anos, não recebeu. Mas Torres disse que o prêmio de Melhor Atriz é difícil de ganhar e não escreveu um discurso de aceitação.
Ela aprendeu com a experiência da mãe há 26 anos, que a ajudou a se preparar para a intensa campanha do filme e para as dezenas de entrevistas, incluindo uma aparição no programa "Jimmy Kimmel Live!" neste mês.
"Quando ela fez o ‘Central’, ela não tinha ideia, ela falou ‘eu fiz um filme brasileiro pequeno e de repente eu fui jogada no mundo e eu não tinha me preparado, não sabia o que era aquilo’”, disse Fernanda Torres, lembrando o que sua mãe havia lhe dito.
Terminada a temporada de premiações, Fernanda Torres não tem planos de se concentrar em uma carreira mais internacional. "Olha, eu tenho 59 anos com sotaque, né? Então eu sou realista", afirmou, em tom de brincadeira.
Em outra época de sua vida, poderia ter pensado em se mudar para o exterior para trabalhar. Mas não agora. Seus pés, ela acrescentou, estão "bem fincados no Brasil".
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