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Na Europa, interferência no preço dos combustíveis é medida excepcional

25/05/2018 13h25

A política de controle de preços dos combustíveis está no foco da greve dos caminhoneiros no Brasil, inconformados com as altas diárias nos postos.

A medida, no entanto, é raramente aplicada – o impacto nos cofres públicos, com a queda da arrecadação, freia essa alternativa. A receita dos impostos sobre os combustíveis é a quarta mais importante para o orçamento da França, por exemplo.

“Os preços dos combustíveis são delicados, com um forte componente político, mas a regra que vale é a da liberdade de preços. Em caso de situações extremas, de uma alta muito forte do petróleo no exterior, a medida preferencial será negociar com as distribuidoras para evitar uma alta muito forte e repentina dos preços”, indica François Perrin, pesquisador associado do OCP Policy Center, de Rabat, e diretor de pesquisas em energia do Instituto de Pesquisas Internacionais e Estratégicas (Iris), de Paris.

A Europa é a região que aplica as mais altas tarifas sobre os combustíveis – e no bloco, o campeão dos impostos é o Reino Unido. Na França, as taxas representam 56% do preço do litro do diesel, o mais usado nos veículos, e 62% da gasolina, vendida a € 1,46/litro (R$ 6,22) atualmente. Os tributos são dois: a TVA, semelhante ao ICMS, e a TICPE (Taxa Interior de Consumo sobre os Produtos Energéticos), determinada pela Comissão Europeia e semelhante à brasileira CIDE.

A título de comparação, nos Estados Unidos, onde atua a forte concorrência no setor e a liberalização total dos preços em função do mercado, a carga tributária é dois terços menor. No Brasil, o peso dos impostos responde por 33% do valor da gasolina. “Mas veja bem: em caso de alta no preço do petróleo no mercado internacional, os impostos amortecem o preço final para o consumidor europeu, que sofre uma variação menor do que o consumidor americano. Nos Estados Unidos, a alta é sentida imediatamente no bolso, enquanto na Europa esse efeito é mais gradual”, pondera Perrin.

Pressões não fazem governos ceder

A última vez que o governo francês se viu pressionado a baixar os tributos foi em 2012. Dois anos antes, mais de 1.500 postos ficaram sem combustível devido a uma greve dos caminhoneiros – mas o ex-presidente Nicolas Sarkozy não cedeu à pressão para interferir nos preços nas bombas, em meio à grave crise econômica que atingia o país. Em casos de “crise aguda, calamidade pública ou uma situação anormal do mercado”, a lei francesa autoriza um bloqueio dos preços por no máximo seis meses.

Desta vez, as associações de automobilistas e consumidores denunciam que, além do contexto internacional desfavorável e do aumento dos impostos, as distribuidoras estão lucrando mais do que deveriam. “A França sempre foi um país com uma forte concorrência no setor de combustíveis, com margens de lucro de € 0,06 a € 0,07 por litro, uma das mais baixas da Europa. Mas agora, a tendência é de mais de € 0,10 de lucro por litro”, afirma a associação CVCL, em um comunicado divulgado no início do mês.  

Com transição energética, tendência é impostos ainda maiores

Nos últimos anos, com a implementação de políticas europeias de incentivos a energias limpas, a pressão é maior para que as taxas aumentem ainda mais, para desestimular o uso dos combustíveis a base de petróleo. “A interferência nos mercados está fora de moda, no mundo desenvolvido. Primeiro, porque o subsídio custa muito caro e o impacto no orçamento é enorme. Depois, porque subsidiar petróleo em um contexto de transição energética e de busca por uma economia de baixo carbono não é interessante em termos de política pública”, explica Edmar de Almeida, professor-adjunto do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro do Grupo de Economia de Energia. “A tendência é, em vez de subsidiar, taxar.”

No Brasil, desde a liberalização dos preços do setor de acordo com o mercado, adotada no governo de Michel Temer, o aumento do preço do barril no mercado internacional repercute imediatamente no país. Anteriormente, os valores eram controlados artificialmente, abaixo do preço de mercado. “O modelo atual brasileiro é como o dos Estados Unidos e do Canadá, que aplicam liberalização total dos preços. Mas a grande diferença é que lá temos a participação de muitas empresas. Lá tem uma forte concorrência, efetivamente. No Brasil, está tudo na mão da Petrobras”, diz Almeida. Hoje, a metade da gasolina e do diesel vendidos no Brasil é importada, destaca o especialista da UFRJ.

Emergentes tendem a controlar preços

Perrin lembra que o controle artificial das tarifas é uma prática comum nos países emergentes, em especial nos grandes produtores, como a Venezuela e os países do Golfo. “Nesses lugares, o controle é considerado uma vantagem econômica, social e política. Os governos avaliam que, para manter uma certa paz política, vale a pena subsidiar os combustíveis”, afirma o especialista francês. “A melhor solução não é reduzir o preço da energia para todos – afinal, você também beneficia o rico que anda de Rolls Royce. Mas, sim, ajudar alguns setores específicos que precisam de preços mais baixos para se desenvolver.”