"Estou no meu país e faço o que quero": militar espanca africanas e relança debate sobre racismo no Líbano
Após o caso de uma criança sudanesa expulsa de uma creche a pedido de uma mãe libanesa, que não desejava “ver seu bebê ao lado de uma criança negra”, um novo episódio de racismo acompanhado de violência contra duas mulheres quenianas repercutiu nas redes sociais, causando indignação no país, segundo relato desta sexta-feira (22) do jornal libanês L’Orient Le Jour.
No vídeo, postado na página Facebook “Weyniyyé el-dawlé” (“Onde está o Estado?”), vê-se um homem agarrar violentamente duas mulheres negras pelo cabelo, batendo nelas na sequência, numa rua de Bourj Hammoud, cidade localizada na periferia nordeste da Grande Beirute, uma municipalidade que concentra uma enorme população de armênios. O material filmado viralizou dentro e fora do Líbano, causando forte comoção e indignação.
O homem, um militar conhecido na região onde aconteceu o incidente, agrediu as duas mulheres, respectivamente duas empregadas domésticas originárias do Quênia. Em outros vídeos também em circulação nas redes sociais, pode-se ver que o agressor rapidamente recebe reforços de dois homens e de uma outra mulher, que chutam e batem nas duas jovens, imobilizadas no chão. Após uma dezena de minutos, alguns transeuntes finalmente intervêm para pôr fim à agressão.
Segundo o jornal local, o incidente ocorre num contexto marcado por uma grave escalada de atos racistas e xenófobos no Líbano, testemunhando sentimentos exacerbados pelo discurso identitário adotado por uma parte da classe política, especialmente sobre a crise dos refugiados sírios.
A agressão aconteceu no domingo (17) por volta das 18h locais. O soldado em questão, que estava em seu carro com sua esposa e filhos, jogou seu carro na direção das duas mulheres, que andavam pelo bairro, de acordo com o Movimento Antirracismo (MAR), que acompanha o caso. O desvio do carro causou a queda de uma das duas mulheres, que tentava se proteger do veículo.
"Por que você fez isso?”
Assustada, a segunda mulher queniana perguntou o motivo do comportamento do militar. "Por que você fez isso? ”, questionou a mulher, segundo o relato do MAR. "Porque eu estou no meu país e sou livre para fazer o que eu quero", disse o soldado antes de sair do veículo e agredir as duas mulheres.
Testemunhas da cena, os filhos do soldado, chocados, teriam gritado para que ele parasse com a agressão. Sua esposa, no entanto, juntou-se à briga para agredir ainda mais as duas vítimas. As duas mulheres sofreram contusões e ferimentos no rosto e nos membros, antes que a população interviesse.
Vítimas foram ameaçadas de expulsão por não terem documentos
De acordo com o depoimento de ativistas do MAR, ambas as vítimas foram levadas para a delegacia de polícia do bairro sem seus agressores. No local, um investigador recolheu o testemunho mas, durante a entrevista, que deveria ser confidencial, um funcionário da Segurança Geral em traje oficial irrompeu na delegacia e se apresentou, nomeando a instituição à qual ele pertence, e se identificou como irmão do agressor. Imediatamente, as duas vítimas foram presas e transferidas na mesma noite para a delegacia de Nabaa, sob a acusação de não estarem de posse de documentos regulares.
Ainda de acordo com a reportagem, o investigador informou aos familiares das empregadas domésticas que elas "não serão encaminhadas para o tribunal militar". "O que é uma coisa boa", ele teria enfatizado, antes de acrescentar: "Portanto, não continuaremos com este caso. Mas elas serão expulsas do país porque não têm documentos."
Racismo está deteriorando sociedade
“Não sei ainda se o Exército vai realizar uma investigação", afirmou o ministro da Justiça do Líbano, Salim Jreissati, que garante, no entanto, que um representante da corporação estava na delegacia e, principalmente, que o agressor foi preso. Farah Salha, diretora do Movimento antirracista, disse, por sua vez, que "o argumento dos documentos ilegais se tornou um pretexto para liberar os responsáveis pelos crimes mais abjetos".
“Passamos metade do nosso tempo cuidando de agressões como a das duas quenianas. Nossa sociedade abandonou todos os seus valores e está em queda livre. Todo mundo agora é capaz de espalhar o terror entre uma população vulnerável por causa da cor de sua pele ", lamenta a ativista.
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