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Macron "está sugando tudo" dos franceses: greve contra previdência canaliza insatisfações

05/12/2019 14h07

Num contexto em que os manifestantes coletes amarelos permanecem nas ruas há mais de um ano contra o governo do presidente francês, Emmanuel Macron, a greve que paralisa o país nesta quinta-feira (5) tem efeito incendiário. Milhares de franceses que aderiram ao movimento também protestam contra outras medidas governo, bem além do projeto de reforma da previdência.

"Começo a cansar de verdade desse governo, que está nos sugando tudo", resume a aposentada Chantal Vignot, que participou da manifestação em Paris ao lado do marido, Pierre. Os dois traziam cartazes do presidente caracterizado de vampiro.

"Estão nos tirando antigas conquistas. Começou com o fim das férias dos aposentados e agora ninguém sabe onde vai parar", avalia o senhor de 80 anos. "E as pessoas que não tiveram aposentadorias como as nossas, os jovens, sofrerão ainda bem mais do que nós. Acho que eles têm que seguir nessa lutar se quiserem obter alguma coisa."

O governo francês quer criar um regime universal, ou seja, unificar as aposentadorias em um modelo que valerá para todos. Os chamados regimes especiais, num total de 42 categorias que se beneficiam de regras específicas, podem ser extintos. 

"Somos a juventude de hoje, mas os velhos de amanhã", diz Thomas, 17 anos. "Estamos numa convergência de lutas e hoje somos mais fortes juntos. Macron não vai nos dividir: estamos todos juntos e solidários", comenta, ao lembrar que um movimento de adolescentes e universitários já bloqueou instituições de ensino francesas em diversas ocasiões desde que o presidente centrista assumiu o poder, contra mudanças no acesso ao ensino superior. *

 

"Macron nos ataca de todos os lados"

 

Além de estudantes e professores, outra categoria que estava em peso nas ruas era a dos profissionais da saúde. A enfermeira Fanny, 34 anos, não está satisfeita com o pacote de medidas anunciado em novembro para melhorar a situação dos hospitais públicos, que sofrem com a falta de recursos. "Estamos em dificuldades, mas tenho consciência de todos o funcionalismo público em geral está em grandes dificuldades. Hoje, ele [Macron] nos ataca de todos os lados - e, agora, é a vez das nossas aposentadorias." 

Os grevistas temem que a reforma diminua o valor das pensões, ao adotar um sistema de pontos que equilibra as aposentadorias de acordo com os salários ao longo de toda a carreira, e não apenas nos melhores anos, com é hoje. "De qualquer forma, eu já sei que nunca vou conseguir ter uma aposentadoria decente", lamenta o jovem Arthur, 21 anos, que usava um nariz de palhaço no protesto parisiense. "Para funcionar, essa greve vai ter que durar. Se for só um dia, vai ser como as manifestações dos coletes amarelos nos sábados: ficamos na rua das 14h às 18h, e depois mais nada." No fim do dia, a greve dos metroviários parisienses foi reconduzida até segunda-feira (9).

 

Rumo à capitalização

 

Apesar de já estar aposentada - e do frio de 2ºC que fazia nesta tarde em Paris -, a ex-funcionária pública Claudine, 72 anos, fez questão de participar do protesto e entregar folhetos para explicar a reforma. "É um insulto. O governo está nos levando para um regime no qual, no futuro, os jovens vão depender de capitalizações privadas para terem uma aposentadoria digna", afirma. "Estou aqui para batalhar pelas próximas gerações."

Na capital, a manifestação partiu da estação Gare do Norte em direção ao sudeste da cidade. No fim da tarde, os organizadores anunciaram que 250 mil pessoas participaram do protesto. Uma extensa área do trajeto ficou paralisada nesta quinta-feira, com o comércio fechado. Mais de 6 mil policiais estavam nas ruas para garantir a segurança da manifestação e dos arredores e evitar depredações.

No entanto, já na metade da marcha, iniciaram-se confrontos entre manifestantes e a polícia, que reagiu com bombas de gás lacrimogêneo. Pelo menos 87 pessoas foram detidas.

Além de Paris, os protestos se repetiram em todas as grandes cidades do país, como Lyon e Marselha. A polícia francesa estima que, em toda a França, 450 pessoas foram às ruas.