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Português até na pandemia: brasileirinhos aprendem a língua em associação de Genebra

07/06/2020 04h59

Há mais de 20 anos, uma associação ensina português a brasileirinhos de até 15 anos que moram na parte francesa da Suíça. São quase 120 alunos, com níveis diferentes, que aprendem a língua em aulas uma vez por semana, fora do horário escolar. Mesmo em tempos de pandemia, a associação encontrou soluções para não perder o contato com as crianças.

Ana Paula Riccioppo, uma das coordenadoras da Raízes, explica que o material de aprendizagem foi enviado para os alunos praticarem as lições em casa quando as aulas foram suspensas, em meados de março, início da quarentena na Suíça para evitar a propagação do coronavírus. "Dentro de tudo o que já tinha sido planejado para o ano, pensamos em algo que não fosse tão pesado para os pais fazerem com as crianças, uma coisa agradável até. Um jogo, uma brincadeira, um vídeo, uma música. Nós fizemos assim até o momento em que as aulas da escola voltaram", contou.

Depois que as crianças voltaram à escola suíça, a associação, que ensina português como "língua de herança" em Genebra, Lausanne e Nyon, teve de mudar a estratégia, já que as salas não estavam mais disponíveis. "Todos os professores fizeram ao menos um encontro online. Depois, cada um decidiu de acordo com o retorno das famílias, se iria continuar com ou voltar a enviar o material", relata. "O mais importante foi poder oferecer para essas crianças um pouco de língua portuguesa, que eles não perdessem o link nem com o professor, nem com os colegas", diz.

Desafios pelo celular

O celular e aplicativos de conversa e videoconferência foram grandes aliados dos professores. "Manda um vídeo de um professor contando uma história, a criança faz um desafio e envia para o professor, que vai mandar para todos os colegas para eles não perderem esse contato. Acho que o objetivo foi atingido", avalia. 

Livros infantis, músicas, histórias em quadrinhos, textos de teatro e elementos do folclore são alguns dos materiais utilizados para ensinar o idioma. "Toda uma gama de opções para ajudar a criança a conseguir se reconhecer como brasileira, mesmo nunca tendo morado no Brasil, ou mesmo já tendo saído do Brasil e agora estando inserida numa outra comunidade. É importante para a criança conseguir interagir com certa confiança em português", explica a coordenadora.

Turmas heterogêneas

O perfil dos alunos da Raízes é bastante heterogêneo: alunos que falam português em casa e se comunicam bem podem estar ao lado de outros que não têm este contato cotidiano com a língua. Alguns, ainda, sequer falam o idioma e começam os primeiros passos na aprendizagem na associação.

As turmas têm, em média, dez alunos da mesma faixa etária, em níveis distintos de domínio do português. "Em muitos casos, filhos de casal brasileiro ou de casal binacional adotam a língua do contexto, no caso, o francês, para se comunicar com os pais", explica.

Outro desafio é o financeiro, já que a associação é sem fins lucrativos. A taxa anual paga pelos pais cobre uma parte das despesas, de acordo com a coordenadora, mas há muitos outras, como de pessoal, que precisam de recursos extras. Professores e coordenadores são contratados, não voluntários.

"O cantão de Genebra subsidia uma parte desses cursos para os alunos de Genebra, mas os outros lugares, não. A Raízes está sempre tendo de procurar fundos, maneiras de sobreviver financeiramente", observa Ana Paula. "A cada ano tem que ficar renovando pedido de doação e procurando maneiras de arrumar fundos para que a Raízes continue funcionando."

"Eu aprendo muito"

Arthur Rafael de Almeida, de 9 anos, faz curso de português há quatro na Raízes e não pretende parar. É considerado um dos melhores alunos da turma, daqueles que estão sempre com a mão levantada para responder à pergunta feita pela professora. Também traz o dever pronto e escreve páginas e páginas de redação.

"Eu amo as aulas de português. São muito legais", diz o menino. "Eu aprendo muito. Eu falo português porque toda a minha família é brasileira", comenta Arthur, que mora em Gland, na Suíça.

A mãe do garoto, Melissa Cristine de Almeida, de 42 anos, explica que se mudou para o país europeu há quase 23 anos. "O Arthur nasceu aqui, mas para mim, aprender e falar o português é uma necessidade porque ele é brasileiro. Suíço também, mas brasileiro", frisa Melissa. "Eu acho que é muito importante para ele saber de onde vem, conhecer as raízes dele, entender muitas coisas."

Além disso, o aprendizado permite ao menino se comunicar com o restante da família, que mora no Brasil e não fala francês. "Poder falar com os avós, os tios, as tias, os primos. Não tem como não criar um laço de família", nota a mãe. "Por enquanto, não vejo uma possibilidade de voltar pro Brasil, mas na vida a gente nunca sabe. E se acontecer de termos que voltar, como eu iria levar o meu filho sem ele falar português?", destaca.