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"Tem alguém aí?": Exposição em Paris reúne obras de médiuns pioneiros da pintura espírita

31/07/2020 06h13

A exposição "Esprit es-tu là?" ("Tem alguém aí?") em cartaz no Museu Maillol de Paris é no mínimo surpreendente. Ela reúne cerca de 100 quadros realizados por artistas espíritas que, guiados por vozes, consagraram suas vidas ao desenho e à pintura.

A mostra "Esprit es-tu là?" propõe um percurso histórico-cronológico e temático que revela o início do espiritismo no século 19. Na primeira sala, mesas girantes, bolas de cristal e tabuleiros de ouija lembram a emergência da prática de invocar e falar com os mortos, nos Estados Unidos.

Rapidamente, a moda cruzou o Atlântico e se transformou em um verdadeiro fenômeno de sociedade, antes de inspirar Alan Kardec a escrever, em 1857, o "Livro dos Espíritos", com as bases de uma nova doutrina religiosa. O ser humano é médium, isto é, capaz de se comunicar com os espíritos que nos rondam, diz Kardec, fundador do espiritismo. A exposição do Museu Maillol reúne não textos, mas quadros psicografados.

Ela é construída em torno de três artistas centrais da arte espírita. Os três são franceses, naturais do norte do país, que viveram entre o final do século 19 e meados do século 20: Augustin Lesage (1876-1954) Victor Simon (1903-1976) e Fleury-Joseph Crépin (1875-1948). Eles eram trabalhadores, nunca tinham manejado um pincel ou lápis em suas vidas, antes de ouvirem vozes ordenando que começassem a pintar, isto é, todos os três eram autodidatas, como ressalta a curadora da mostra Savine Faupin:*

"Lesage trabalhava na mineração quando ouve vozes em 1912. Até então, ele nunca tinha tido nenhuma produção artística. Simon também era mineiro. Na época que ouve as vozes, em 1933, trabalhava em um bar e, como Lesage, nunca tinha pintado nada antes. Crépin era bombeiro hidráulico quando em 1939 as vozes dizem que ele vai ser artista plástico".

Missão de paz

Apesar das dificuldades que enfrentam, eles vão abraçar a carreira artística e  desenvolver uma arte singular e original. A obra deles é extremamente detalhista, colorida e tem uma grande qualidade plástica. Pensados como construções espirituais, elas associam influências e motivos de origens diversas, como cristã, hindu, oriental ou do Egito antigo. O ornamento e a simetria são traços dominantes.

"O que é maravilhoso é que eles transformam essa fé espírita em quadros incríveis, com essas cores surpreendentes que eles utilizam. Tem também a perseverança de uma vida. A obra deles será construída ao longo da vida deles, mesmo se eles não eram conhecidos. Os três só terão reconhecimento artístico fora do meio espírita a posteriori", diz o curador Christophe Boulanger.

Todos eram imbuídos de uma missão de paz. O caso mais exemplar é o de Fleury-Joseph Crépin, que recebe do além a encomenda de pintar, durante a Segunda Guerra Mundial, 300 quadros. O último, que ele finalizou em 7 de maio de 1945, colocaria fim ao conflito, antecipou a voz ouvida pelo médium-artista. Na sequência, Crépin iniciou uma nova série de 45 pinturas destinadas a instalar definitivamente a paz na Terra.

"Há realmente uma dimensão de deslumbramento nesses artistas. Uma das frases de Simon que citamos na exposição é: 'vá buscar a centelha da inspiração no fundo de sua alma'. É realmente muito surpreendente", elogia Boulanger.

Mulheres em destaque

A exposição "Tem alguém aí?" também revela a obra de artistas espíritas pioneiros, como Théophile Bra ou Fernand Desmoulin, que executaram seus quadros muitas vezes em transe, mas também de pintores contemporâneos.

As mulheres, que tiveram um papel importante no espiritismo, mas até agora pouco conhecido, têm destaque na mostra do Museu Maillol. A arte espírita lhes trouxe emancipação e reconhecimento raros para a época.

"Helène Smith (1861-1929) e Madge Gil (1882-1961) vão ousar e serão conhecidas por sua prática artística espírita. Madge vai expor suas obras em mostras em Londres nos anos 1920. Ela vai ser realmente reconhecida, apesar de vir de um meio modesto. Outra mulher que fez sucesso foi Katharina Littauer-Breydert (1893-1979) com suas colagens surpreendentes, realizadas a partir de 1939. Ela teve visões do cataclisma que começava na Europa e espera que seu trabalho possa interceder e trazer de volta a paz no mundo", revela Savine Faupin.

As obras realizadas pelos artistas espíritas autodidatas começaram a interessar a crítica de vanguarda nos anos 1930. Os primeiros a colecionarem quadros de arte espírita foram os surrealistas, como André Breton. Jean Dubuffet também foi outro artista que teve uma influência determinante para o reconhecimento da arte naïf e outras formas de arte marginalizadas.

Na última sala da exposição, uma instalação holográfica permite ao público entrar em comunicação com os espíritos de artistas apresentados na mostra que fica em cartaz até 1° de novembro.

Visita virtual à exposição

O Brasil é o país com o maior número de adeptos do espiritismo, com quase 4 milhões de praticantes. Com as fronteiras fechadas devido à pandemia de coronavírus ainda por tempo indeterminado, vai ser difícil para os brasileiros apreciar os quadros ao vivo, mas uma visita ao site do Museu Maillol dá uma ideia da surpreendente arte espírita revelada na exposição "Tem alguém aí?"

*Os curadores da exposição "Esprit es-tu là" foram entrevistados por Muriel Maalouf, do serviço cultural da RFI