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A lenda viva Diego Maradona, ícone do futebol e de todos os excessos

25/11/2020 17h03

Um dos maiores jogadores de futebol da história, Diego Maradona, falecido nesta quarta-feira (25) aos 60 anos, era um artista de inspiração inesgotável com a bola no pé, um gênio do esporte que permanece um semideus na Argentina e no resto do planeta, apesar de todos os excessos após o fim de sua carreira.

Com a seleção argentina, ele foi campeão mundial em 1986 à frente de um time que liderou até a coroação no estádio asteca da Cidade do México. Ninguém se esqueceu do gol ilegal, sua famosa "mão de Deus", que marcou nas quartas-de-final contra a Inglaterra.

Para alegrar ou ofender o planeta futebol, porque "el diez" ("o dez", o número de sua camisa), que se afundou nas drogas e no álcool depois de pendurar as chuteiras, sempre despertou reações extremas, do começo ao fim de sua careeira, e ao longo de seus 17 anos na seleção nacional. Anjo ou demônio? A polêmica sobre Dieguito nunca parou. Um documentário de 2019 sobre sua vida foi intitulado "Diego Maradona: Rebelde. Herói. Oportunista. Deus".

O diretor do filme, o britânico Asif Kapadia, contou ali a infância do "Pibe de oro" (o "menino de ouro") dos bairros pobres de Buenos Aires, sua cidade natal, onde entrou ainda moleque no Bombonera, o estádio do Boca Juniors, clube amado pelos círculos populares.

Kapadia também focalizou seus anos tumultuados em Nápoles, seu segundo clube europeu - depois de uma curta passagem (1982-84) no Barcelona, ??marcado por uma lesão grave. No sul da Itália, ele devolveu o orgulho a uma cidade que sempre foi dominada pelo futebol dos grandes clubes do Norte italiano, ao ganhar o "scudetto" duas vezes (1987-1990).

 Em campo, Maradona foi um fenômeno, um driblador esquivo que mistificou todas as defesas da altura de seus 1.65m graças à sua habilidade incrível (as imagens de sua série de malabarismos de tirar o fôlego no aquecimento ficaram famosas na internet). Foi ao mesmo tempo artilheiro, passador e criador em todos os momentos, um pouco como seu distante herdeiro Lionel Messi. "Ele nos deixa, mas não vai, porque o Diego é eterno", reagiu o capitão barcelonense.

A "obra-prima" de 1986

Um dos gols que melhor resume seu talento é o que marcou contra os ingleses, na mesma partida da "mão de Deus": Maradona passou em revista toda a defesa inglesa a partir do meio do campo, para dar uma vitória altamente simbólica para a Argentina, quatro anos após a Guerra das Malvinas.

Até o surgimento do compatriota Messi, seu único rival ao título de melhor jogador de todos os tempos era Pelé. "Espero que um dia possamos brincar juntos no céu", escreveu no Instagram o brasileiro, que pertencia à geração anterior (hoje tem 80 anos).

Entre as milhares de fotos que ilustraram sua glória, lembramos a da final de 1986. No mítico estádio asteca da Cidade do México, no auge de sua arte, ele é apenas um enorme sorriso brandindo o troféu mundial.

Há outras imagens menos gloriosas, como a de 26 de abril de 1991 que o mostra peludo, inchado, com a barba por fazer, os olhos apagados, saindo de sua casa em Buenos Aires, rodeado por dois policiais que vieram prendê-lo por detenção e consumo de cocaína.

Foi o início da queda, com declarações barulhentas, excessos de todos os tipos, intercalados com retornos da mídia à tona cuidadosamente orquestrados por uma comitiva inescrupulosa. Curas e repousos de desintoxicação se alternariam com recaídas.

Depois de experimentar drogas nos bairros de prostituição de Barcelona, ??seu vício não diminuiu durante seus anos de glória em Nápoles (1984-1991). Na Itália, ele pagou caro por uma celebridade que nunca soube como administrar. Manchado por escândalos, suspenso por dois anos por um controle positivo de doping na Copa do Mundo de 1994, da qual foi excluído, ele deixou oficialmente o mundo do futebol, aos 37 anos, no dia do seu aniversário.

Fascinado por líderes da esquerda

Ele descreveu o líder cubano Fidel Castro como seu "segundo pai" e, em sua vida cheia de metáforas, a última foi que Diego Maradona morreu no mesmo dia que o líder cubano.

Maradona era amigo do venezuelano Hugo Chávez e jogava futebol com o ex-presidente boliviano Evo Morales: a rebelião juvenil do argentino tornou-se, com o tempo, um fascínio pela esquerda latino-americana no poder.

 "Sempre tivemos um relacionamento muito bom, uma amizade muito boa. Desde o primeiro dia em que você veio aqui com sua namorada" em 1987, disse Castro sobre Maradona em entrevista em 2005.

Castro o presenteou com uma jaqueta verde-oliva e lembrou que naquele primeiro encontro, 18 anos antes, lhe dera o boné militar autografado. Maradona mostrou a tatuagem em sua perna esquerda: uma imagem de Fidel. "Nossa, é uma honra", disse o surpreso interlocutor.

 A entrevista de Fidel aconteceu um ano depois de Maradona terminar em Cuba um tratamento de recuperação de seus vícios que começou em 2000, com muitas idas e vindas.

 "Fidel abriu as portas para mim quando no meu país muitas clínicas as fechavam", agradeceu o ex camisa 10.

Uma década depois, Diego tatuou Che Guevara no braço, 30 anos após a morte do guerrilheiro argentino-cubano. Quando Castro morreu em 2016, Maradona compareceu ao funeral.

"Morreu o maior de todos, Fidel Castro nos deixou. Fui tomado por um choro terrível porque era como um segundo pai. Morei quatro anos em Cuba e Fidel me ligava às duas da manhã para falar de política ou esportes", declarou Maradona naquele momento.

Futebol nas alturas

"A justiça foi feita hoje", escreveu o ex-jogador em novembro de 2019, quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi libertado da prisão após 19 meses de prisão. Algum tempo antes ele havia publicado "Lula querido, Diego está com você!".

Fiel às amizades, Maradona jogou um amistoso com Evo Morales em La Paz para apoiar o direito da Bolívia de jogar aos 3.600 m de altitude de La Paz, que a Fifa queria impedir.

"Lamento o golpe de Estado orquestrado na Bolívia. Principalmente para o povo boliviano e para Evo Morales, uma pessoa boa que sempre trabalhou para os mais humildes. #EvoElMundoEstaContigo", expressou ele em 2019 no Instagram após a queda do governo de Morales.

Na Argentina, este "soldado peronista" como se definiu, alinhou-se com a ex-presidente Cristina Kirchner (2007-2015) e com o atual presidente Alberto Fernández, cujo governo decretou três dias de luto nacional.

Com informações da AFP