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Multilateralismo ganha força em Davos, em mais uma edição sem Bolsonaro

25/01/2021 17h03

Quando o clube dos ricos não pode ir à montanha, ela vai até eles ? pela internet ? para que possam discutir os rumos da economia do planeta. Este ano, o Fórum Econômico Mundial (FEM), que está sendo chamado de Agenda Davos 2021, é digital.

Vivian Oswald, correspondente da RFI em Londres

Nada de jatinhos riscando os céus dos Alpes suíços no resort luxuoso de Davos, com suas pesadas pegadas de carbono. A elite econômica se debruça sobre um mundo em recessão sob a ameaça de uma pandemia que não deve sair do mapa tão cedo. No primeiro dia, o presidente da China, Xi Jinping disse que a recuperação global será "vacilante e incerta", mesmo depois de trilhões de dólares em programas de incentivo.

"É a primeira vez na história que todas as regiões sofrem ao mesmo tempo um impacto pesado, com a indústria e a cadeia de fornecimento estranguladas", disse o líder da segunda maior economia do planeta, e uma das únicas que conseguiu se manter crescendo em 2020. O presidente chinês se referiu à situação atual como a maior recessão mundial desde a Segunda Guerra Mundial.

Xi cobrou coordenação macroeconômica, defendeu o multilateralismo e pediu que deixassem de lado os preconceitos ideológicos que levam ao isolamento dos países. "Criar conflitos e fomentar uma nova Guerra Fria vai nos empurrar para o confronto, o que só nos levará a um beco sem saída. Não devemos retomar caminhos do passado, mas apostar em igualdade, paz, justiça e liberdade", insistiu.

Com boa parte das economias do mundo em confinamento, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, disse que a saída mais rápida para a reabertura global é garantir a distribuição equilibrada das vacinas contra o coronavírus. "Se os países desenvolvidos acham que estarão a salvo ao vacinar as suas próprias populações, negligenciando o mundo em desenvolvimento, eles estão errados", avisou.

Guterres ainda manifestou preocupação com a disputa entre Estados Unidos e China no que se refere a política cambial, comércio, regras financeiras e estratégias geopolíticas e militares. "Temos que fazer tudo o que for possível para evitar essa divisão".

O chefe da ONU afirmou que o objetivo central para 2021 deve ser a construção de uma coalizão global em direção a uma economia de emissões de carbono.

Vitrine da era Biden para o mundo

Qualquer que seja a mensagem final do fórum, ela terá um apoio de peso: os Estados Unidos. O encontro servirá de vitrine para a apresentação ao mundo da nova versão dos Estados Unidos sob a direção dos democratas Joe Biden e Kamala Harris, com uma agenda muito diferente daquela defendida por Donald Trump, com foco nas questões do clima e do multilaterismo, itens da pauta das edições nos últimos quatro anos, que não contaram com qualquer simpatia do ex-presidente Trump. Algo que soa como música para ouvidos da elite econômica presente, que conta com a liderança americana para a retomada do crescimento global.

No painel sobre as respostas do mundo à crise pandêmica, o infectologista Anthony Fauci, principal rosto do combate à pandemia nos Estados Unidos, afirmou que uma das lições dessa crise para o futuro é que é preciso apostar na ciência desde os níveis mais altos do governo e tomar decisões com bases em dados e evidências. Ele reconheceu que seus país enviou mensagens confusas para a população. "Isso nos custou caro", admitiu Fauci, que é diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecto-contagiosas dos Estados Unidos.

Politização da pandemia

O especialista disse ainda que o país sob Trump sofreu de algo que outras nações também padecem: a politização da pandemia. Ele defendeu que o governo federal precisa trabalhar em conjunto com os estados, o que não aconteceu em seu país, onde muitos foram deixados por sua conta e risco.

"É muito problemático combater uma crise de saúde pública quando se está diante de um país profundamente dividido, quando temas de saúde pública são politizados a ponto de interferir até no uso de máscaras. Isso é muito destrutivo para qualquer mensagem de saúde pública unificada", afirmou.

Fauci ainda defendeu a Organização Mundial de Saúde (OMS) e disse que só uma resposta global é capaz de resolver a crise. Trump tirou os Estados Unidos da organização. Mas o retorno do país à OMS foi uma das primeiras ações de Biden acaba de conduzir o retorno do país.

"Sem isso [uma resposta global], não vou dizer que é impossível, mas vai ser extremamente problemático sair desta crise", disse Fauci, que defendeu ainda o diálogo estreito entre os países parar agir depressa contra as novas variantes do coronavírus.

O multilateralismo ganha força na agenda de Davos, como pede a China. Mas isso não quer dizer que os problemas com o Império do Meio terminaram. Biden já deixou claro que a linha de Washington para lidar com Pequim pode mudar de tom, mas não de rumo. Fauci criticou a falta de transparência do governo chinês para administrar a pandemia, que, segundo ele, teve impactos sérios nos desdobramentos da crise sanitária internacional. "Foi um impacto substancialmente negativo para todos nós", completou.

O emblemático John Kerry, enviado especial do novo governo americano para o clima, ganhará destaque virtual para tratar dos rumos da nova política democrata para o tema que já foi enumerado como uma das prioridades de Biden. A volta dos Estados Unidos ao acordo do clima foi um dos primeiros atos do novo presidente. A mudança do clima dominará a agenda de um dia inteiro de encontros do fórum.

Bolsonaro ausente mais uma vez

Tudo isso, segundo empresários e autoridades que participam do encontro, deixa o Brasil ainda mais deslocado na cena internacional. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não participará pelo segundo ano consecutivo do fórum.

Dois anos atrás, o palco era dele. Todos queriam saber o que tinha para dizer. Usou apenas seis dos 45 minutos a que tinha direito e não mostrou a que veio, na avaliação dos participantes do encontro. Disse apenas que o Brasil era o país que mais preservava o meio ambiente e defendeu o combate à corrupção. Nada sobre as aguardadas reformas sobre as quais a elite econômica esperava ouvir em Davos.

Durante toda esta semana, chefes de Estado e de governo de 15 países participarão do fórum.