Irã pode ter abstenção recorde em presidencial: "Nao vejo qual seria o impacto do meu voto", diz eleitora
A eleição presidencial realizada nesta sexta-feira (18) no Irã desperta pouco entusiasmo nos iranianos e pode terminar com um novo recorde de abstenção superior aos 57% registrados nas legislativas do ano passado. Nas ruas de Teerã, a reportagem da RFI constata que os habitantes sentem que são convidados a participar de um jogo de cartas marcadas, no qual o candidato ultraconservador Ebrahim Raisi aparece como favorito para vencer o pleito.
Oriane Verdier, enviada especial da RFI a Teerã
As iranianas Melika e Fahimeh são o retrato da desilusão com o atual processo eleitoral. "Não tenho simpatia por qualquer candidato e não vou votar", disse Melika, com ar determinado. Ao seu lado, a amiga Fahimeh hesita: "Não sei se vou votar porque não vejo qual seria o impacto do meu voto". A jovem tem consciência que independentemente de sua participação, nada vai mudar. "Por isso, ainda não sei o que vou fazer", declara Fahimeh, com uma ponta de decepção. Ela também comenta que para Melika foi mais fácil se posicionar. "Ela já sabe que vai deixar o Irã para viver no exterior", explica Fahimeh.
À sombra de uma árvore, taxistas aguardam clientes no centro da capital iraniana. Um deles concorda em falar à reportagem da RFI sob anonimato.
"Eles não se importam com nossas preocupações. Tudo o que dizem são mentiras. Tenho aluguel para pagar, filhos para alimentar e não consigo pagar as contas no fim do mês. Sou aposentado e obrigado a trabalhar como taxista. Na minha idade, a qualquer momento, posso adormecer enquanto dirijo, matar pessoas e acabar na prisão."
Um colega do motorista idoso conta, em tom amargo, que não vota há 30 anos. No entanto, ele voltou da Inglaterra após a queda do xá Mohammad Reza Pahlevi, em 1979, cheio de esperança em seu país. O afastamento do xá abriu caminho à Revolução Islâmica e fomentou o forte antagonismo com o Ocidente.
"Foi um erro, eles nos atraíram com lindas promessas, mas elas não passaram de ilusões. Votei apenas uma vez, no primeiro presidente, Banisadr."
Um terceiro motorista, mais retraído, se aproxima e nos mostra a tela de seu telefone celular. O aparelho traz a foto de um jovem com uma criança nos braços.
"Fui eu que decidi mandar meu filho para o exterior. E agora já se passaram cinco anos desde que eu o vi pela última vez. Eu nunca conheci meu neto. É muito difícil. Tenho a sensação de que vou explodir", declara, se afastando na calçada, com os olhos marejados de lágrimas e a cabeça baixa.
Candidatos excluídos
Desta vez, a seleção de candidaturas pelo Conselho de Guardiães da Constituição foi ainda mais dura. Personalidades políticas de peso foram afastadas da disputa, como o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, o ex-presidente do Parlamento Ali Larijani, o atual vice-presidente Es-Hagh Jahanguiri e o reformista Mostafa Tajzadeh.
"Nós estamos acostumados a votar sob este regime, a participar de eleições que não são livres nem justas. Mas eram eleições disputadas, o que estimulava a participação da maioria dos iranianos. Infelizmente não é o caso neste ano, o que eu considero escandaloso e me surpreendeu; eu não esperava por isso", lamenta Tajzadeh.
Dos sete candidatos selecionados para a disputa, sobraram apenas quatro na reta final, após a desistência de um reformista e de dois ultraconservadores. Os dois principais postulantes são o moderado Abdolnasser Hemati, ex-presidente do Banco Central, um "outsider" apoiado por alguns reformistas, e o conservador Ebrahim Raisi, atual chefe do Judiciário e grande favorito, principalmente na apreciação do aiatolá Ali Khamenei.
Os demais concorrentes parecem participar como figurantes: o general Mohsen Rezai, ex-líder da Guarda Revolucionária, disputou sem sucesso todas as eleições presidenciais nos últimos 20 anos, enquanto o conservador Amirhossein Ghazizadeh-Hachémi é deputado pelo partido Frente de Estabilidade da Revolução Islâmica no Parlamento e não convence os eleitores, de acordo com as últimas pesquisas de intenção de voto.
Para a oposição no exílio e defensores dos direitos humanos, Raisi, 60 anos, é a personificação da repressão. Seu nome é associado às execuções em massa de detidos de esquerda em 1988, uma tragédia na qual ele nega qualquer envolvimento.
A prioridade do próximo presidente iraniano deve ser a recuperação da economia. Nesse ponto, os candidatos concordam que isso deve passar necessariamente pela suspensão das sanções internacionais adotas contra o país, principalmente devido ao seu programa nuclear, objeto de negociações em Viena para salvar o acordo por meio da reintegração dos Estados Unidos.
Sucessão do aiatolá Khamenei
Na avaliação do reformista Tajzadeh, afastado da disputa, o objetivo desta votação é preparar a sucessão do aiatolá Khamenei, 82 anos. "Se não houver uma transferência de poder imediata, o país será dirigido por um conselho de três pessoas, liderado pelo presidente. Por isso, o vencedor da eleição tem um papel importante nesta transição", explica.
Outra possibilidade, segundo Tajzadeh, é a designação de um presidente tão religioso quanto o guia supremo. "Nesse caso, dirão que Ebrahim é o presidente eleito que conhece bem os problemas do povo e pode suceder a Khamenei", ressalta. O líder supremo foi o primeiro a votar nesta sexta-feira, em Teerã, abrindo o pleito.
Cerca de 59 milhões de iranianos podem se pronunciar até a meia-noite local (16h30 desta sexta-feira em Brasília), em um processo que pode ser estendido por mais duas horas para tentar aumentar a taxa de participação. Os resultados serão conhecidos no final da manhã de sábado (19), segundo as autoridades.
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