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Argentina se une para gritar o "gol do século" de Maradona, 35 anos depois da façanha

22/06/2021 17h04

Milhões de argentinos reproduziram o segundo gol de Diego Maradona contra os ingleses em 1986, considerado por muitos como "o gol do século". A coordenação da homenagem em todo o país no mesmo horário, 35 anos depois da conquista, visa reproduzir o cenário da Copa do Mundo no México e fazer com que Maradona ouça o grito de um país, órfão do seu ídolo.

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Exatamente às 16h09 desta terça-feira (mesmo horário em Brasília), os argentinos comemoraram o histórico gol de Diego Armando Maradona contra a Inglaterra pelas quartas-de-final da Copa do Mundo disputada no México em 1986. É a primeira vez que o gol é celebrado sem a presença física do craque, que faleceu em 25 de novembro de 2020.

"Com Diego, seria uma linda homenagem. Sem ele, foi mais emocionante porque se misturaram os sentimentos de homenagem, de alegria e de saudade. São sentimentos contraditórios e profundos. Difícil conter as lágrimas", descreve à RFI Maximiliano Ruíz, de 36 anos, que tem pelo corpo 11 tatuagens do ídolo argentino, incluindo uma da célebre jogada comemorada nesta terça-feira.

O segundo gol daquela partida é considerado pelos argentinos como "o gol do século" por ser o mais bonito da história de todos os Mundiais de futebol, opinião confirmada pela Fifa a partir de uma sondagem internacional em 2002.

"Cada vez que eu vejo esse gol, eu me emociono e muitas vezes choro. Conheço cada detalhe da jogada e da narração, mas hoje foi ainda mais forte porque gritamos e pulamos todos juntos como se o gol tivesse acontecido pela primeira vez", detalha Maximiliano, que tinha menos de dois anos de idade quando a Argentina derrotou a Inglaterra naquele 22 de junho de 1986.

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A campanha de homenagem foi liderada pela Associação do Futebol Argentino (AFA) que incentivou os torcedores a baixarem o áudio da narração do gol imortal para reproduzi-lo exatamente às 16h09 de forma coordenada em todo o país.

As emissoras de rádio e TV reproduziram o gol. Os canais de esporte chegaram a transmitir o jogo inteiro, mas com uma nova narração como se fosse uma partida inédita. Chegaram a cronometrar a exibição para que o lance do gol coincidisse com o mesmo horário daquele de 35 anos atrás.

Pelo país, nas suas casas, nas praças e até em estádios, os argentinos comemoraram como se o país estivesse naquelas quartas-de-final e como se Maradona não tivesse falecido há quase sete meses, aos 60 anos de idade.

Homenagem ao céu

Os uníssonos gritos de gol também foram uma homenagem que os fãs de Maradona gostariam que fosse ouvida pelo ídolo. Durante a comemoração, muitos olhavam para o céu.

"Em 1986, eu tinha apenas 5 anos. Esta foi uma espécie de revanche na qual eu pude gritar o gol, sentindo mais de perto como foi. Aliás, eu senti como se fosse agora. Fiquei muito emocionado. Abracei todos ao meu redor", relata à RFI o torcedor Pablo Lezcano (39).

"Eu sinto muita saudade dele. Choro todos os dias pela sua ausência. Publico fotos e gols todos os dias", acrescenta Pablo.

"Mas será que Maradona escutou o grito de uma nação?", perguntou a reportagem aos entrevistados, reunidos no município de La Matanza, a 30 quilômetros do centro de Buenos Aires, onde foi inaugurado um mural com quatro imagens do ídolo. Fogos de artifício, faixas e bandeiras compuseram o cenário de uma arquibancada como em 1986.

"Ele escuta tudo. Agora, sim, temos um Deus no céu. Eu olho para o céu e sei que lá está ele. Para mim, o único Deus é Diego. Podem dizer que estou louco, mas é o que sinto", confessa Pablo.

Uma batalha campal pós-guerra

O gol contra os ingleses tem ainda uma conotação especial para os argentinos, derrotados na Guerra das Malvinas de 1982, durante a qual a Argentina tentou recuperar o arquipélago ocupado em 1833. Por isso, aquele jogo contra a Inglaterra precisava ser vencido de qualquer jeito. E, como definem os fãs, Diego Maradona cumpriu com o objetivo "de qualquer jeito".

Primeiro, com um gol de mão conhecido como "A mão de Deus", um eufemismo só convalidado por aquele espírito "guerra é guerra".

"A nossa sensação era a de que se jogava outra guerra", sintetizou o próprio Maradona anos depois.

"Diego andava em campo e nos dizia: 'Vamos lá que esses mataram um vizinho nosso, mataram algum parente, esses FDP'. Assim ele nos incentivava a jogar mais do que uma partida", contou o então zagueiro Oscar Ruggeri.

"No contexto do pós-guerra, era preciso ganhar de qualquer jeito. A ferida continuava aberta. O primeiro gol foi de qualquer jeito; o segundo do melhor jeito", compara o torcedor Maxi Ruiz.

O segundo gol, no entanto, foi uma pintura quase surrealista: Maradona percorreu 60 metros em 16 segundos, partindo do próprio campo e driblando cinco rivais, incluindo o próprio goleiro Peter Shilton, ainda enfurecido e atônito com o primeiro gol de mão, apenas quatro minutos antes.

Em 2002, a Fifa organizou uma votação para eleger o melhor gol da história das Copas. A jogada de Diego Maradona foi a eleita, ajudando na construção do mito que, para os argentinos, está a cada dia mais vivo.