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Justiça francesa investiga mulher que exibiu mensagem antissemita em ato contra passaporte sanitário

08/08/2021 16h55

O Ministério Público da cidade de Metz, no nordeste da França, abriu uma investigação neste domingo (8), após uma polêmica suscitada por um cartaz durante as manifestações contra o passaporte sanitário, no sábado (7). Segundo a prefeitura local, a mensagem exibida por uma mulher "é claramente antissemita". 

O cartaz, que foi fotografado durante a marcha contra o passaporte sanitário em Metz, no nordeste da França, e viralizou nas redes sociais, estampa o nome de políticos, empresários e intelectuais, entre eles, personalidades da comunidade judaica da França, junto com a mensagem: "traidores!". 

Uma outra frase pode ser lida entre os nomes do cartaz: "Mas quem?": uma citação que se tornou célebre após uma entrevista de Daniel Delawarde, um general aposentado, signatário de um manifesto publicado em abril pela revista de extrema direita Valeurs Actuelles em que militares ameaçavam uma intervenção na França

Em um programa de TV em junho, Delawarde acusou "alguns grupos" de controlarem as mídias francesas. Ao ser questionado pelo apresentador, que repetiu por diversas vezes a frase "mas quem?", o general aposentado respondeu: "a comunidade que você conhece bem", em referência aos judeus da França, muitos deles proprietários e dirigentes de veículos de comunicação no país.

"Claramente antissemita"

Para as autoridades da região de Moselle, onde fica Metz, o cartaz tem "uma mensagem claramente antissemita". O incidente foi denunciado por diversas personalidades políticas, entre elas, representantes do governo francês e organizações que lutam contra o racismo na França.

"Esse cartaz é vergonhoso. O antissemitismo é um delito, em nenhum caso é uma opinião. Esse ato não ficará impune", tuitou o ministro francês do Interior, Gérald Darmanin. "Os serviços de polícia estão mobilizados para identificar o autor", reiterou.

A Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo (Licra, sigla em francês), anunciou neste domingo sua intenção de denunciar o ato. "Estamos em presença de um cartaz assumidamente antissemita", uma iniciativa que classificou de "insuportável". A organização também exige aos organizadores da marcha para que se pronunciem contra esse tipo de manifestação. 

A ONG SOS Racismo também diz que estuda registrar um boletim de ocorrência. Segundo Dominique Sopo, presidente da organização, a mulher que carrega o cartaz é uma ex-afiliada à Frente Nacional (FN), partido de extrema direita renomeado há alguns anos como Reunião Nacional (RN).

A antiga legenda era célebre por suscitar polêmicas envolvendo antissemitismo. Pai de Marine Le Pen, Jean-Marie Le Pen, fundador do FN, chegou a ser condenado depois de declarar que as câmaras de gás, nas quais milhões de judeus foram executados durante a Segunda Guerra Mundial, foram um "detalhe" da História.

"Preocupante e revoltante", afirmou Geneviève Darrieussecq, ministra encarregada da Memória e dos Antigos Combatentes da França. "O antissemitismo matava e mata até hoje. O antissemitismo não é uma opinião. É um delito, que deve ser sistematicamente condenado" tuitou a ministra encarregada da Igualdade, Elisabeth Moreno. 

Estrela de Davi

Essa não é a primeira vez que as manifestações contra o passaporte sanitário, que vêm sendo realizadas há cerca de um mês na França, irritam a comunidade judaica. Em 17 de julho, durante protestos em várias cidades francesas, militantes carregaram cartazes com a estrela de Davi estampada, sugerindo que o governo francês trata as pessoas que não estão vacinadas contra a Covid-19 como os judeus eram discriminados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.  

Nesta mesma rodada de mobilizações, manifestantes também deturparam alguns slogans nazistas, como a frase escrita no portão de entrada do campo de extermínio de Auschwitz. Em vez da expressão "o trabalho liberta", os manifestantes afirmavam que "o passaporte sanitário liberta". 

Na ocasião, uma voz resumiu a indignação coletiva, a do sobrevivente Joseph Szwarc, de 94 anos, um dos milhares de judeus detidos no Velódromo de Paris, em uma operação sem precedentes do governo francês em julho de 1942. 

"Esta comparação é cruel. Temos de denunciar esse aviltamento. Tive que usar a estrela amarela, e a sinto ainda na minha pele. Todos devem impedir essa onda ultrajante, antissemita e racista. Acredito que este é um dever primordial", afirmou durante a cerimônia do Dia Nacional em Memória das Vítimas dos Crimes Racistas e Antissemitas cometidos pelo Estado francês, no último 18 de julho. 

No sábado, no quarto fim de semana consecutivo de manifestações, os protestos reuniram 237 mil pessoas em todo o país. O perfil dos integrantes do movimento é variado: são simpatizantes da extrema direita e da extrema esquerda, cidadãos que se posicionam apenas contra a imposição do passaporte sanitário, mas também militantes antivacinas, além de membros dos coletes amarelos. Em Metz, onde o cartaz com a polêmica mensagem foi exibido, a mobilização contou com 3.800 participantes.