Venezuelanos se preparam para a entrada em vigor do bolívar digital, a moeda com menos seis zeros
A partir desta sexta-feira (1°), a moeda venezuelana perderá seis zeros e, em vez de bolívar soberano, passará a ser chamada de bolívar digital. Esta medida representa a terceira reconversão monetária no país da era chavista, e a segunda do governo de Nicolás Maduro. O corte de zeros deve, entre outras coisas, facilitar as contas: com a hiperinflação e a desvalorização da moeda, tantos números não cabem nos visores das calculadoras e caixas dos comércios.
Preocupados com uma possível perda do poder de compra, já fragilizado, os venezuelanos organizam as finanças pessoais antes da mudança. Quem pode paga as contas dos serviços básicos para evitar surpresas com a chegada da nova moeda. Desde o anúncio da reconversão monetária, feita em agosto deste ano, os venezuelanos recorrem aos estabelecimentos comerciais para se livrarem dos bolívares. Há quem prefira trocar o dinheiro venezuelano por moedas internacionais.
"Nunca se sabe como a economia irá se comportar no primeiro mês da reconversão monetária. Já vivemos isso, mas sempre há ansiedade. Também há um impacto no consumo: meus clientes estão pagando em bolívares, e estes bolívares tenho que tentar transformá-los em dólares", diz o comerciante Félix dos Santos.
Embora o governo garanta que o corte de zeros ajudará a moeda a ter valor de compra, os venezuelanos preferem economizar em moedas estrangeiras. Mesmo o real brasileiro tem preferência frente aos bolívares. Mas a moeda preferida no país de Nicolás Maduro continua sendo o dólar norte-americano. Desta forma continua com força a dolarização de fato da economia local.
Até esta quinta-feira (30), um dólar valia 4.030.632 bolívares soberanos.
Governo prepara população
Logo no início de setembro, o Banco Central da Venezuela determinou que os estabelecimentos comerciais exibissem os preços em bolívares soberanos e em bolívares digitais. Esta foi a maneira de familiarizar a população com os novos valores. Mesmo assim, a população tem dúvidas na hora de fazer contas, sobretudo os mais velhos. Outros, já estao familiarizados com a mudança e, em vez de dizer o valor em milhões, arredondam o montante. Por exemplo: o que custa 13 milhões era apresentado como 13 bolívares, deixando o valor "subentendido."
Os meios de comunicação, sobretudo os estatais, vêm fazendo campanhas explicativas para apresentar as notas de 5, 10, 20, 50 e 100 bolívares digitais. De certa maneira, os venezuelanos têm experiência com as mudanças no bolívar. A moeda da Venezuela já passou por diversas metamorfoses, mas ainda não recuperou seu poder de compra.
Primeiro, em 2008, foram cortados três zeros da moeda. A segunda vez foi em 2018 com a retirada de cinco zeros do bolívar, e agora, em 2021, seis zeros serão apagados. Ao todo, a Venezuela tirou um total de 14 zeros de sua moeda nacional.
Se o país nunca tivesse cortado tantos zeros, estaríamos falando de valores expressados em trilhões. De acordo com índices internacionais, a Venezuela há anos apresenta a maior inflação do mundo - superando, inclusive o Zimbábue, país africano que por anos foi o mais inflacionário em nível global.
Primeiro, a moeda venezuelana era chamada apenas de bolívar. Depois passou a ser o bolívar forte. Na reconversão do ano de 2018 virou bolívar soberano, e agora será bolívar digital.
Outra determinação estatal antes da conversão monetária recai sobre os bancos do país. Desta quinta até a próxima segunda-feira, eles estarão fechados e suas páginas de internet não poderão fazer transferências ou outros tipos de pagamentos.
Digital até que ponto?
Esta semana a vice-presidente Delcy Rodríguez deu explicações sobre a nova versão da moeda. Ela disse que "o que estamos fazendo é suprimir os seis zeros da nossa moeda nacional para facilitar sua utilização e para dar impulso à expressão digital para facilitar as transações da moeda".
Com a escassez de dinheiro em espécie na Venezuela, as transações eletrônicas ganham cada vez mais espaço na economia local, o que deve ser incentivado pelo governo.
Segundo a vice-presidente, o objetivo da medida é preservar a soberania monetária "para reforçá-la e dar vigor através dos meios eletrônicos".
Contudo, delcy Rodríguez garante que a entrada em vigor do bolívar digital não irá afetar o valor da moeda venezuelana. Segundo ela, a mudança será apenas em escala monetária e que o Banco Central da Venezuela continuará oferecendo bolívares físicos em notas e agora também em moedas.
Após anos desaparecidas, o bolívar digital trará à circulação moedinhas nos valores de 0,50 e de 0,25. Pelas ruas da capital Caracas, alguns venezuelanos aguardam com ansiedade a circulação das moedas para então poder derretê-las e vender o metal - cujo preço por grama é bem mais alto que o valor de cada espécie.
Bolívar a salvo?
Os economistas afirmam que o corte de seis zeros no bolívar será algo similar a colocar um curativo na economia venezuelana - pode tapear, mas não irá resolver o problema da perda de valor da moeda local.
Para Victor Álvarez, ex-ministro de Indústrias e ex-diretor da estatal Petróleos da Venezuela durante o governo de Hugo Chávez (2002- 2013), mudar a moeda de não vai melhorar a economia se não forem radicadas as causas estruturais e os fatores de propagação da hiperinflação que dissolve o poder de compra do bolívar e que o deixa sem utilidade.
"As causas estruturais têm a ver com a contração da economia em cerca de 80% nos últimos seis anos e isso gera uma constante escassez de bens e serviços necessários".
Entre agosto de 2018 e maior de 2021 a desvalorização do bolívar foi de 62.644%. Estima-se que a inflação deste ano seja de 1.142,8% - uma considerável redução, mas ainda longe dos dois dígitos vistos em outros países.
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