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Para humoristas brasileiros, estar no festival "Netflix is a Joke" foi marco na carreira

07/05/2022 11h54

Um dia após Dave Chappelle, um dos humoristas mais famosos da atualidade, ser agredido durante uma apresentação em Hollywood, em 3 de maio, uma dezena de comediantes brasileiros participaram do mesmo festival e lotaram duas sessões com piadas em português. Tanto o show dos brasileiros quanto o de Chappelle são parte do festival Netflix is a Joke (Netflix é uma piada, em tradução livre), que começou no dia 28 de abril e vai até este domingo (8).

Cleide Klock, correspondente da RFI em Los Angeles

A programação conta com mais de 280 eventos em 30 locais da cidade, que vão desde os maiores estádios, como Dodger Stadium, Forum, Arena Crypto.com e Hollywood Bowl, até os principais teatros de Los Angeles. Segundo a Netflix, "este é o maior festival de comédia do planeta - provavelmente".

Dentre os dez brasileiros, cada um com seu estilo, estão alguns dos nomes mais cancelados e polêmicos da comédia (se é que isso não é redundante); além de uma mescla de artistas que moram no Brasil e nos Estados Unidos. Bruna Louise, Carol Zoccoli, Diogo Portugal, Fabiano Cambota, Léo Lins, Rafinha Bastos, Manu Maciel, Maurício Meirelles, Murilo Couto e Rodrigo Marques subiram ao palco do famoso Laugh Factory, uma tradicional casa de shows por onde já passaram artistas como Jerry Seinfeld, Chris Rock, Ellen DeGeneres, Eddie Murphy, Jay Leno, David Letterman, além de outras centenas de lendas do humorismo.

"Eu acho que é um marco da comédia brasileira poder entrar pela primeira vez em um festival desse tamanho, com esta importância", contou à RFI o goiano Fabiano Cambota. "Eu prefiro achar que é um marco porque estou participando", explicou. "Se fosse um outro, eu diria que não é tanto, mas, como sou eu, quero muito valorizar tudo o que está acontecendo, porque estou achando o máximo estar aqui", disse Cambota, em tom de piada.

Profissão de risco

Nesses tempos em que comediantes têm sido agredidos no exercício da profissão, os brasileiros não se sentem intimidados ao se expressar no palco. No show, tudo pode virar piada na boca deles, inclusive os processos judiciais que vários dos humoristas carregam nas costas. Aliás, eles citam as denúncias até como um tipo de certificação. Quem não quiser se expor a isso, como dizem os comediantes, melhor nem pagar o ingresso.

"O processo para o humorista é uma espécie de OAB, se você não tem um processo, não é aceito no grupo de humoristas", brinca Cambota, que já foi processado.

"A gente tem aprendido a tirar isso um pouco de letra, porque na grande maioria dos casos, a gente tem ganhado (os processos)", diz. "As pessoas entenderam que não é só uma questão de liberdade de expressão, (...) às vezes é uma brincadeira que é muito menos dolorosa do que o comentário sério, do que uma exposição da notícia", destaca o goiano. "Às vezes, um comentário bem-humorado quebra toda a gravidade de um problema, e a gente precisa aprender a lidar com isso."

Mas, nem todos sabem lidar com esse tipo de circunstância. Em pouco mais de um mês, dois casos estremeceram Hollywood. O soco de Will Smith em Chris Rock, no Oscar, levantou novamente a discussão de se há limite para a piada. Tanto Maurício Meirelles quanto Léo Lins - outros dois humoristas que colecionam processos - estavam no Hollywood Bowl, na última terça-feira (3) e presenciaram o momento em que um homem subiu ao palco e derrubou o astro do stand-up, Dave Chappelle.

"Se não era uma profissão de risco, já virou, inclusive, talvez, pior do que no MMA, porque aí você sabe que alguém vai subir ali para te bater, e no show de humor não", diz Lins. "As pessoas criticam as piadas, falam que o humorista é um animal e acho que a gente terá de ser tratado igual a animal mesmo, vai ter que colocar uma grade na frente do palco para isolar o comediante", afirma.

Para Meirelles, as agressões aos humoristas são uma consequência do que acontece hoje nas redes sociais. "É uma galera que não consegue aceitar o contraditório e precisa partir para cima", estima o brasileiro. "O pior para mim não é o cara que parte para cima, baseado no impulso errado", pondera. "O que me incomoda mais são as pessoas que estão em casa, conseguem refletir sobre o assunto e continuam corroborando isso", diz. "Depois vêm criticar político x e y, sendo que fazem a mesma coisa", constata. "Para mim, o problema é corroborar a violência", fala Meirelles.

Mulheres no palco e o público brasileiro

Ainda somos minoria, mas as mulheres estão conquistando os maiores palcos da comédia e fazendo bonito. Três brasileiras fazem parte do time de comediantes do Netflix is a Joke: Bruna Louise, Manu Maciel e Carol Zoccoli. Manu e Carol moram nos Estados Unidos.

"Parece que a gente tem que provar que a gente pode estar ali", conta Carol Zoccoli. Ela recorda que quando começou no Brasil, era uma das únicas mulheres no humorismo e teve que aprender a lidar com os hecklers, "o cara da plateia que grita". "Aconteceu de eu chegar no show e dizer 'boa noite', e o cara gritar: chata", recorda Zoccoli. Hoje, ela diz ter adquirido uma força interna para enfrentar essas situações desagradáveis. 

Tanto a realidade brasileira quanto as comparações com a vida nos Estados Unidos estiveram nas piadas dos comediantes, que adaptaram seus shows para um público que mora fora do país, mas que tem as mesmas referências. Pessoas que podem ter perdido os laços com o Brasil, mas que agem e reagem às piadas. É muito difícil ver um show americano tão animado. Com cerca de 300 espectadores em cada sessão, os aplausos se expandiram e eles deixaram, sem dúvida, a noite hollywoodiana mais leve.

"Eu vi o Dave Chappelle, o Chris Rock também estava lá naquele fatídico momento, eram 18 mil pessoas", conta Meirelles, que considera Chappelle "o maior cara do mundo". "O nível de comédia do cara é mil vezes melhor, mas o público, a energia do brasileiro é uma outra parada", relativiza. "Você consegue entender aquela frase do roqueiro que vai ao Brasil e fala: 'cara, eu adoro fazer show no Brasil'. "A gente tem uma parada muito especial", conclui Meirelles.

Estrelas internacionais

Além de shows de comédia e stand-up, o festival trouxe ainda conversas, gravações de podcast, leituras de roteiros e outras performances. Dentre os astros do evento estão de Kevin Hart, Larry David, John Mulaney, Tina Fey e Amy Poehler, David Letterman, Pete Davidson, Amy Schumer, Jane Fonda e Lily Tomlin, Wanda Sykes, Patton Oswalt, Conan O'Brien, Margaret Cho, Bill Burr, entre outros.

Alguns destes shows serão gravados para transmissão na Netflix, incluindo a apresentação de Gabriel "Fluffy" Iglesias fazendo história ao se tornar o primeiro comediante de stand-up a se apresentar no Dodger Stadium.